Direitos e garantias fundamentais: noções gerais

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas219-243
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
NOÇÕES GERAIS
6.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
No Capítulo 1, vimos que a constituição, em seu sentido jurídico, é a norma jurídica
fundamental. Vimos também, naquela mesma oportunidade, que a constituição tem por
conteúdo o conjunto de normas (princípios e regras) que fornecem a organização funda-
mental do Estado, notadamente as relativas à sua estrutura, forma de Estado e de governo,
regime político, modo de aquisição e exercício do poder, estabelecimento de seus órgãos e
f‌ixação de suas competências, além de prever um rol de direitos e garantias fundamentais.
Particularmente no tocante à organização do Estado brasileiro e também à denominada
organização dos Poderes, temas que também foram amplamente disciplinados por nossa
Constituição de 1988, nós os estudaremos um pouco mais à frente, em Capítulos específ‌icos
desta mesma obra. O Capítulo que ora se inicia, por sua vez, terá por objeto o estudo das
noções gerais dos chamados direitos e garantias fundamentais.
Procuraremos aqui tratar, dentre outros temas, de seu conceito e de suas principais
características, de sua evolução histórica, suas diferentes categorias, benef‌iciários, e outros
temas inerentes ao que podemos denominar de teoria geral dos direitos fundamentais. Quanto
à análise detida das diversas categorias de direitos e garantias fundamentais disciplinadas em
nossa Constituição Federal, em seu Título II, ela será feita nos próximos Capítulos deste livro.
6.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Os direitos fundamentais1 surgiram da necessidade de proteger o homem do poder
estatal, a partir dos ideais advindos do Iluminismo, no século XVIII, mais particularmente
com o surgimento das constituições escritas. É imperioso ressaltar, contudo, que os direi-
tos e garantias fundamentais não se restringem àquela função de limitar a atuação estatal,
de modo a proteger o homem de possíveis arbitrariedades cometidas pelo poder público,
hipótese em que são conhecidos como liberdades negativas.
Com efeito, a verdade é que os direitos fundamentais também têm por função permitir
que o indivíduo possa participar, de maneira efetiva, do processo político do Estado a que
esteja vinculado, não só por meio do exercício do voto e dos demais mecanismos de partici-
pação popular, como também se candidatando a ser um representante do povo na condução
daquele mesmo Estado. Temos aí os chamados direitos políticos, também conhecidos como
liberdades-participação.
1. Na seara do direito privado, os direitos fundamentais são costumeiramente denominados de direitos civis, ou, ainda,
direitos da personalidade.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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Por outro lado, nós também já vimos, em outras oportunidades, que os Estados têm
ampliado consideravelmente o conteúdo de suas constituições, buscando trazer para o corpo
delas alguns temas que, à época do liberalismo clássico, não f‌iguravam naqueles diplomas
normativos. Esse fenômeno coincidiu com o surgimento do denominado Estado social
(Welfare State), iniciado com a Constituição Mexicana de 1917, porém notabilizado com a
Constituição de Weimar (atual Alemanha) de 1919.
Portanto, as cartas magnas dos muitos Estados internacionais passaram a prever, de
maneira cada vez mais intensa, diversas hipóteses de intervenção estatal na vida privada. Ao
invés de conter apenas regras de regência do Estado e de proteção dos indivíduos contra o
poder estatal, passaram também a conter um conjunto de normas de ordem social, cultural
e econômica, tanto para a redução das desigualdades sociais, como também para incentivar
o desenvolvimento nacional.
Assim, somadas às chamadas liberdades negativas, ou seja, ao conjunto de direitos con-
feridos aos indivíduos que os protegiam contra eventuais arbitrariedades do poder estatal,
passaram também a integrar as diversas constituições, as denominadas liberdades positivas,
o conjunto de direitos que, amparados no princípio da dignidade humana, impõe ao Estado
a prática de diversas ações, visando à obtenção da igualdade substancial (não mais apenas
formal) entre as pessoas.
Como veremos melhor daqui a pouco, com o passar do tempo, outros direitos e garan-
tias fundamentais foram sendo somados àqueles mencionados nos parágrafos anteriores,
podendo ser citados, a título de exemplo, os chamados direitos e garantias fundamentais
de terceira geração, baseados no princípio da solidariedade, e que tem no direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado um de seus exemplos mais citados pela doutrina e
pela jurisprudência.
Conforme lição de George Marmelstein,2 direitos fundamentais “são normas jurídi-
cas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder,
positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que,
por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior,3 ao seu turno, nos ensinam
que os direitos fundamentais “constituem uma categoria jurídica, constitucionalmente eri-
gida e vocacionada à proteção da dignidade humana em todas as dimensões”. Esclarecem,
ademais, que eles “possuem natureza poliédrica, prestando-se ao resguardo do ser humano
na sua liberdade (direitos e garantias individuais), nas suas necessidades (direitos econô-
micos, sociais e culturais) e na sua preservação (direitos à fraternidade e à solidariedade)”.
Da leitura das def‌inições acima transcritas, podemos perceber que os direitos e garan-
tias fundamentais devem necessariamente f‌igurar no corpo de uma constituição, ou, ao menos,
serem considerados normas materialmente constitucionais.4 Não podem ser criados, portanto,
por simples normas infraconstitucionais. Estas últimas podem, no máximo, regulamentar
os direitos fundamentais editados pela Carta Magna, conferindo-lhes plena aplicabilidade.
2. Curso de direitos fundamentais, Atlas, 2008, p. 20.
3. Curso de direito constitucional, 14. ed., Saraiva, 2010, p. 132-133.
4. Como já estudamos em outras oportunidades, o § 3º do artigo 5º da Constituição de 1988, acrescentado pela emenda
constitucional 45/2004, prevê a possibilidade de aprovação, pelo Congresso Nacional, de tratados e convenções interna-
cionais sobre direitos humanos, com a observância dos requisitos exigidos para a aprovação das emendas constitucionais.
Nesta hipótese, tais diplomas terão inequívoca força de normas materialmente constitucionais, mesmo não estando
inseridas no corpo da Constituição, podendo, assim, ampliar o rol de direitos e garantias fundamentais.
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