Direitos gerais que a sociedade tecnológica exige para garantir a primazia da dignidade humana

AutorOcélio de Jesús C. Morais
Páginas27-44
DIREITOS GERAIS QUE A SOCIEDADE TECNOLÓGICA EXIGE PARA
GARANTIR A PRIMAZIA DA DIGNIDADE HUMANA
Océlio de Jesús C. Morais
Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pelo IGC da Faculdade de Direito de Coimbra;
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Mestre em
Direito Constitucional pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Professor pesquisador do
PPGD (estricto sensu) em direitos fundamentais da Universidade da Amazônia; Presidente da
Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (ABDSS), Cadeira n. 02; e Juiz Federal
do Trabalho (titular da 11ª Vara de Belém) do TRT 8ª região.
1. INTRODUÇÃO
No computador ou no celular com aplicativos App Store, se precisamos fazer um cadastramento de
dados num site oficial, aparece uma mensagem automática que quer saber se somos ou não robôs.
É curioso: um robô, objetivando evitar fraudes, nos pergunta se não somos robôs.
Com o aplicativo SIRI para Android, podemos conversar e brincar com esse aplicativo inteligente, que
nos auxilia a realizar tarefas por meio do recurso de nossas vozes.
Incrível: é como se fosse um secretário pessoal, que processa a linguagem natural para responder
perguntas, executar tarefas e outras atividades.
O Smartphone Apple iPhone 11 não precisa de senhas para ser desbloqueado, pois, através do Face ID,
faz o reconhecimento facial pela câmera TrueDepth. O amanhã já é o futuro e as inovações de hoje serão
obsoletas e cada vez seremos compelidos a estar conectados com as inovações tecnológicas, senão também
nos tornaremos obsoletos.
Bem-vindos à sociedade tecnológica de risco, a Era da sociedade digital ou sociedade da quarta
revolução industrial tecnológica ou ainda sociedade da inteligência artificial.
Bem-vindos à Era das importantes descobertas nanotecnológicas para a medicina e para a informática;
e bem-vindos à Era das facilidades tecnológicas para as comunicações globais instantâneas; mas, tomemos
cuidados: a Era do consumerismo tecnológico — com a mesma velocidade das inovações que agora
disponibiliza aparelhos e aplicativos como necessários para nos conectar ao mundo — amanhã os torna
velozmente e quase totalmente obsoletos.
Mas, para além da sociedade 4.0, já se fala na sociedade 5.0, que seria o ambiente das cidades conectadas
pela Big Data (inteligência artificial = artificial intelligence) e pela internet das coisas (internet of things
IOT),em cujo modelo de organização social a ideia é promover serviços úteis e necessários ao bem-estar
humano, a qualquer hora e em qualquer lugar para qualquer pessoa.
Contudo, as denominadas Smart Cities, tal como projetadas pelos especialistas, ainda não são uma
realidade mundial: países periféricos e em desenvolvimento, por exemplo, ainda não possuem um sistema
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Núcleo 1
Direitos na Sociedade Tecnológica
OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS
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de segurança pública integrado e conectado, não possuem acesso, não têm a visualização da gama de
informações dos sistemas de gestão georeferenciados, nem às plataformas de gerenciamento integrado
dos riscos tecnológicos, tampouco são detentores das tecnologias que possibilitem a instituição de Centro
de Operação de Inteligência Artificial (IOC).
São apenas alguns elementos da plataforma de integração e de gestão de dados daquilo que será a
sociedade 5.0 ou Smart Cities. Por isso, bem a rigor, nessas primeiras duas décadas do século XXI, é possível
dizer que apenas estamos iniciando os primeiros passos das Smart Cities.
Mas o que essas inovações tecnológicas representam como utilidade ao humanismo do século XXI
ou como riscos aos sistemas normativos para a primazia da dignidade humana, ao humanismo verdadeiro,
à humanidade?
A Era da sociedade ubíqua conectada pela inteligência artificial (criando as Smart Cities, cidades
inteligentes) vai construindo novos “conceitos” sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos e morais.
Vai construindo uma nova concepção humanista para e nas relações sociais: o humanismo virtual das
redes sociais e da internet, cujos fundamentos éticos e morais são visivelmente flexíveis e descartáveis. As
relações interpessoais vão sendo substituídas pelas relações virtuais. E aumenta a solidão, à medida que
são multiplicadas as desilusões.
As revoluções tecnológicas dessa embrionária sociedade digital — o modelo vai se transformando dia
a dia — desafiam novos regimes legais como equivalência às garantias e direitos fundamentais da pessoa
humana, os quais não podem ficar estagnados nos conceitos e conteúdos do século passado.
Este artigo tem por objetivo saber quais possíveis direitos gerais que a sociedade tecnológica exige,
como contrapartida, para garantir a primazia da dignidade humana.
2. DESENVOLVIMENTO
O tema deste estudo — “Direitos gerais que a sociedade tecnológica exige para garantir a primazia
da dignidade humana” — leva à definição do seguinte objeto: desafios jurídicos à proteção da dignidade
humana na complexa sociedade tecnológica.
A perspectiva que se adota (desafios jurídicos) é justificada, teoricamente, pela função ordenadora
que o Direito possui na sociedade, pois como já o disse Luhmann, “O direito ocupa um lugar importante
na sociedade(1), por isso, “seria equívoco pensar que poderia existir direito fora da sociedade”.
Este objeto parte daquilo que a ordem jurídica destina como garantia à dignidade humana e aquilo
que se projeta como expectativas de direitos gerais.
A definição deste objeto, como consequência metodológica, conduz à seguinte questão: identificar
qual a natureza do problema (hoje) referente à dignidade humana que não a coloca como primazia da
ordem jurídica?
2.1. AS DUAS FASES DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA
Antes das revoluções tecnológicas, as pessoas se importavam mais humanamente com as pessoas. As
relações interpessoais eram mais verdadeiras e os sentimentos de fraternidade e de solidariedade eram
mais densos qualitativamente.
(1) Cf. LUHMANN, Niklas. O direito e a sociedade. A obra foi originalmente publicada em alemão sob o título “Das Recht der Gesellschaft
por Suhrkamp Verlag”, Berlim, 1993. Trad. Saulo Kiegger. São Paulo: Martins Fontes, 2016, Prefácio.

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