Os direitos reais e a Lei n. 11.481/07: reflexões sobre a funcionalização do regime da propriedade pública / The rights in rem and Law no. 11,481 / 07: reflections on the functionalization of the public ownership

AutorPatricia Silva Cardoso
CargoProfessora de Direito Civil da Universidade Federal Fluminense (UFF- ESCHSVR), doutoranda em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela Università degli Studi di Roma ? La Sapienza. E-mail: psilvacardoso@yahoo.com.br
Páginas404-432
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.19115
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 1. ISSN 2317-7721 pp.404-432 404
OS DI RE IT OS REA IS E A L EI N. 11 .4 81/07: REF LE ES SOBRE A F UNC IO NALIZAÇ ÃO
DO R EGI ME D A PR OP RI ED AD E PÚB LI CA
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FUN CT IO NA LI ZA TION OF TH E PUB LI C OWN ER SH I P
Pa tr ic ia S ilv a Cardoso
1
Resumo
O texto tem como objetivo a análise crítica da Lei n. 11.481, de 2007, que, ao tratar da
regularização fundiária de interesse social em imóveis da União, promoveu a alteração do rol
taxativo dos direitos reais previstos no artigo 1.225 do Código Civil e nele inseriu os incisos XI e XII,
que tratam, respectivamente, do direito real de uso especial para fins de moradia e do direito real
de uso de bem público. A mudança traz reflexos não só para o direito civil, mas representa
alteração de significativa monta da propriedade pública, ao atribuir caráter de direito real a
situações jurídicas que antes gozavam apenas de tutela contratual. Promovendo a dinamização do
domínio dos bens públicos e enfatizando a função social do uso e sua potencialização pelo
fracionamento das faculdades proprietárias e a atribuição do uso a um particular , essa alteração
privilegia os valores econômicos e sociais da posse, alberga o direito à moradia e faz efetiva a Carta
Constitucional. Nossa proposta é traçar um panorama geral sobre as transf ormações doutrinárias
ocorridas, com o intuito de precisar os limites atuais dos direitos reais. A enumeração de algumas
tendências doutrinárias não tem pretensão exaustiva, servindo apenas de base para a reflexão
sobre a atualidade da classificação dos direitos patrimoniais. O cotejo com a teoria do direito civil
requer atenção e um exame sistemático, para que esse regime público-privado seja compreendido
na sua inteireza e traga soluções satisfatórias para o cumprimento da função social da propriedade
e o reconhecimento de novas titularidades sobre os bens públicos.
Palavras-chave: direitos reais; propriedade pública; direito real de uso para fins de moradia; Lei n.
Abstract
The purpose of the following text is the critical analysis of the Law 1 1.481, from 2007. While
àààààààààUààààà
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and inserted the clauses XI and XII, that deal with the real right of use for housing purposes and the
real right of use of public property. Such change brings consequences not only to civil rights, but it
represents alteration in significant amount of public property when it attributes characteristics of
right in rem to juristic situations that used to have contractual protection. Pr omoting the
development of public goods and emphasizing the social role of use and its strengthening
through the sharing of ownership abilities and assigning the use to a particular one -, this alteration
privileges the economical and social values of timeshare, embraces the right to household and
turns the Constitutional Charter effective. The comparison to the civil rights regime requires
attention and a systematic examination, so that such public-private regime is understood in its
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acknowledgment of new ownership over public goods.
Keywords: right in rem; public property; real right of use for housing purposes; law 11.481/07
1 Professora de Direito Civil da Universidade Federal Fluminense (UFF- ESCHSVR), doutoranda em Direito da
Cidade pela Universida de do Estado do Ri o de Janeiro (UERJ) e pela Università degli Studi di Roma La
Sapienza. E-mail: psilvacardoso@yahoo.com.br
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DOI: 10.12957/rdc.2016.19115
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 1. ISSN 2317-7721 pp.404-432 405
IN TR OD ÃO
A divisão clássica entre os bens públicos e os bens privados, dicotomia inspirada pela
summa divisio do direito, expressa a rígida bipartição entre direito público e direito privado,
caracterizados como ramos estanques e incomunicáveis. Ao direito público, se reserva a
possibilidade de ação determinada pela lei; ao direito privado, a ampla e irrestrita possibilidade de
agir, uma vez que é possível fazer tudo o que não é expressamente proibido por lei.
Contemporaneamente, avolumam-se as dificuldades para precisar os exatos limites da
divisão do universo jurídico em categorias fechadas e necessariamente opostas. É comum a
menção à publicização do direito privado (RAMOS, 1998, pp. 3-29), e também à privatização do
direito público. Compreende-se que o interesse particular é um dos vetores que devem ser levados
em consideração para a exata compreensão do interesse público e o atendimento do bem comum.
Por outro lado, reconhece-se também uma dimensão social em interesses eminentemente
privados.
Reflexo dessas mudanças, a Lei n. 11.481, de 2007, tem por objetivo promover a
regularização fundiária de interesse social em imóveis da União. À primeira vista, ela parece trazer
poucas alterações ao regime jurídico da propriedade pública, tradicionalmente pautado pelo
princípio da supremacia do interesse público e apartado da propriedade clássica do direito privado.
Entretanto, a referida lei dá um importante passo rumo à concretização da função social da
propriedade e eleva à condição de direitos reais a concessão de uso e a concessão de uso para fins
de moradia.
O legislador teve como objetivo a outorga de uma tutela jurídica mais efetiva a
determinadas situações que emergiam do contexto social, e por isso atribuiu-lhes um caráter real.
Para tanto, ele ampliou o rol taxativo do artigo 1.225 do Código Civil marcado pelo princípio da
tipicidade dos direitos reais e nisso andou bem. Entretanto, diversamente dos demais direitos
reais tipificados no Codex, aos novos direitos não foi atribuído um título específico, o que gera
algumas incompletudes e desloca a regulamentação da matéria para a esfera da legislação
administrativista.
A ref erida lei disciplina a alteração relativamente aos bens da União para fins urbanos e
rurais e, ao mesmo tempo em que modifica o Código Civil, provoca consequências importantes no
regime de propriedade pública, incidindo primordialmente sobre os bens dominicais, sendo
também possível a desafetação de um bem de uso especial para fins de concessão de uso. Todavia,

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