Direitos e seguridade social em tempos neoliberais: contradições e desafios feministas

AutorLaudicena Barreto
CargoUniversidade Federal de Pernambuco, Departamento de Serviço Social, Recife, PE, Brasil
Páginas309-316

Page 309

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592020v23n2p309

ESPAÇO TEMÁTICO: DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E NEOCONSERVADORISMO

Direitos e seguridade social em tempos neoliberais: contradições e desafios feministas

Laudicena Barreto1https://orcid.org/0000-0001-5131-1528

1Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Serviço Social, Recife, PE, Brasil

Direitos e seguridade social em tempos neoliberais: contradições e desafios feministas

Resumo: As políticas de ajustes neoliberais no Brasil avançam sobre a Seguridade Social porque têm um pressuposto: a exploração do tempo, dos corpos e do trabalho das mulheres das classes subalternas. Dessa compreensão, este artigo tem como objetivo refletir sobre os desafios feministas quanto à direção das lutas em torno da proteção social para as mulheres numa conjuntura em que se acirram as políticas neoliberais e o desmonte da Seguridade Social. A partir de ampla revisão bibliográfica e análise de documentos que versaram sobre as contradições em torno da conquista à aposentadoria para as donas de casa de baixa renda nos governos do PT, argumenta-se que as lutas feministas por direitos não podem prescindir de uma compreensão analítica sobre os mecanismos estruturais e conjunturais que aprisionam, discriminam, exploram e oprimem as mulheres, dentre os quais: a divisão sexual do trabalho.

Palavras-chave: Divisão sexual do trabalho. Seguridade social. Neoliberalismo. Desafios feministas.

Rights and social security in neoliberal times: feminist contradictions and challenges

Abstract: The policies of neoliberal adjustments in Brazil advance on Social Security because they have an assumption: the exploitation of time, bodies and work of women of the lower classes. From this understanding, this article aims to reflect on the feminist challenges regarding the direction of the struggles around of the Social Protection for women in a context where neoliberal policies and the dismantling of Social Security are intensifying. From the extensive literature review and analysis in doctoral documents, which dealt with the contradictions surrounding the achievement of retirement for low-income housewives in PT governments, it is argued that feminist struggles for rights cannot do without. an analytical understanding of the structural and conjunctural mechanisms that imprison, discriminate, exploit and oppress women, including: the sexual division of labor.

Keywords: Sexual division of labor. Social Security. Neoliberalism. Feminist challenges.

Recebido em 29.10.2019. Aprovado em 11.02.2020. Revisado em 02.04.2020

© O(s) Autor(es). 2020 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar, distribuir e reproduzir em qualquer meio, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material, desde que para fins não comerciais e que você forneça o devido crédito aos autores e a fonte, insira um link para a Licença Creative Commons e indique se mudanças foram feitas.

R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 309-316, maio/ago. 2020 ISSN 1982-0259

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Laudicena Maria Pereira Barreto

Introdução

É consenso que a era Lula foi marcada por contradições (SINGER, 2012) e uma delas está balizada na conquista das “donas de casa de baixa renda” contribuir para a Previdência Social. Conforme discutido em Barreto (2019; 2016), ao passo que o governo do PT avançava com os mecanismos de desmonte da Seguridade Social, especialmente, de mais uma contrarreforma da Previdência Social; instituía, pari passu, um novo mecanismo que possibilitaria garantir o direito à Previdência Social de segmentos historicamente invisibilizados e socialmente desprotegidos, qual seja: o denominado Sistema Especial de Inclusão Previdenciária (SEIP). (BRASIL,19881).

O SEIP foi regulamentado em 2011 por meio da Lei n. 12.470 (BRASIL, 2011) que consolidou o instituto da alíquota diferenciada de contribuição de 5% para o e a microempreendedor/a individual – o denominado MEI - e para o segurado e segurada facultativa sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência e pertencente à família de baixa renda, a exemplo da “dona de casa de baixa renda”.

Diferentemente do MEI2, para que a “dona de casa de baixa renda”3possa adquirir o direito à aposentadoria e aos benefícios previdenciários, o Estado por meio de suas instituições estabelecem requisitos4que parecem reforçar a reprodução dos mecanismos de discriminação, dominação e opressão às mulheres das classes subalternas, quais sejam: 1) Não possuir renda própria de nenhum tipo - incluindo aluguel, pensão alimentícia, pensão por morte, entre outros valores; 2) Não exercer atividade remunerada e dedicar-se apenas ao trabalho doméstico, na própria residência; 3) Possuir renda familiar de até dois salários mínimos – a renda do Programa Bolsa Família não entra para o cálculo; 4) Estar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), com situação atualizada nos últimos dois anos (BARRETO, 2019).

Nesses termos, um primeiro aspecto a se refletir diz respeito ao fato de que o direito das “donas de casa de baixa renda” de contribuir para a Previdência Social se constitui em avanço no campo das conquistas sociais; mas, ele não prescinde do pressuposto liberal que funda a condição de segurado da Previdência Social, qual seja: o caráter contributivo5.

Pelo exposto, a questão está em o Estado exigir contribuição de um segmento que supostamente deverá se dedicar exclusivamente ao trabalho doméstico e ao mesmo tempo determinar que as denominadas “donas de casa de baixa renda” não possam ter renda. Conforme os requisitos expostos acima, a única renda permitida é a do Programa Bolsa Família.

Dentre outros aspectos, os nossos estudos revelaram
que a criação do Sistema Especial de Inclusão
Previdenciária
forjou-se e consolidou-se na dinâmica contraditória da expansão seletiva e privatista da Previdência Social6 nos governos do PT, alicerçando sob três dimensões articuladas, o avesso da conquista para as “donas
de casa de baixa renda”, a saber: a exploração e opressão não só pelo Estado, mas pelos outros sujeitos das suas relações; a ultraprecarização do trabalho como alternativa para garantir a contribuição sistemática à Previdência Social; e, a ultravalorização do Programa Bolsa Família como sustentação das políticas de reprodução social, denotando tanto o desmonte de um sistema de proteção social universal, como ampliando os mecanismos de regressividade do direito à Seguridade Social, liberando, portanto, o Fundo Público em favor do capital financeiro (BARRETO, 2019).

Com efeito, tomando por referência o tempo mínimo de contribuição para a Previdência Social7, observamos que à medida que a “dona de casa de baixa renda” vá atingindo a idade de aposentadoria, em média, 45 anos de idade, o Estado brasileiro terá durante 15 anos, no mínimo, um quantitativo de mulheres dedicadas

[...] a luta pelo direito humano à proteção social, em especial, à Seguridade Social, é uma luta feminista de resistência às políticas neoliberais que pode possibilitar às mulheres, em especial àquelas das classes subalternas, as condições objetivas e subjetivas para resistir à exploração, opressão e discriminação dos seus corpos. O que revela que a luta feminista por direitos tem o potencial de ser uma luta anticapitalista, antipatriarcal e antirracista, portanto, revolucionária.

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exclusivamente ao trabalho doméstico não remunerado e de cuidados. Concretamente, o que isso significa? Em linhas gerais, significa mais mulheres discriminadas, exploradas e oprimidas não só pelo Estado, mas pelos outros sujeitos das suas relações, a exemplo de seus maridos, companheiros/as, filhos, outros e outras, inclusive, que irão subsidiar a contribuição à Previdência Social (BARRETO, 2019).

Dessa perspectiva, está posto que a dinâmica da reprodução social em tempos neoliberais tem implicações e revelam sob que condições, objetivas e subjetivas, a chamada “dona de casa de baixa renda” estará garantindo a contribuição à Previdência Social, sobretudo, quando nos referimos às mulheres “chefes de família”, pauperizadas e negras da periferia que historicamente se submetem aos trabalhos desprotegidos para obter renda e garantir a sua sobrevivência e de seus dependentes (BARRETO, 2019).

Pelo exposto, a regulamentação do direito à aposentadoria para as “donas de casa de baixa renda”– em contexto de crises e avanço da mundialização financeirizada do capital e do ideário neoliberal “, parece ter revelado contradições, mas, sobretudo, desafios no campo das lutas feministas8em defesa dos direitos de Seguridade Social das mulheres, especialmente, as das classes subalternas.

Isto posto, este artigo que se constituiu a partir de ampla revisão bibliográfica e análise de documentos que visaram compreender as contradições em torno da conquista da aposentadoria para as “donas de casa de baixa renda” no contexto dos governos do PT (BARRETO, 2019), tem como objetivo refletir sobre os desafios feministas quanto a direção das lutas sociais numa conjuntura de...

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