Direitos sexuais reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo dos Direitos das Mulheres da África

AutorHarriet Diana Musoke
CargoProfessora Sênior do Departamento Central de Direito de Kampala; Professora Sênior da Universidade Islâmica. Advogada da Corte Judicial de Uganda. Kampala
Páginas57-87
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DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS: UMA CRÍTICA AO ARTIGO
14 DO PROTOCOLO DOS DIREITOS DAS MULHERES DA ÁFRICA(*)
REPRODUCTIVE AND SEXUAL RIGHTS: A CRITIQUE OF ARTICLE
14 OF THE PROTOCOL ON THE RIGHTS OF WOMEN IN AFRICA
Harriet Diana Musoke(*)
Queremos direitos reprodutivos para todas as mulheres,
independentemente da idade, da cor, classe social, condições
físicas, sexualidade ou estado civil. Podemos ter experiências
muito diferentes, o que pode signif‌i car que temos necessidades
específ‌i cas diferentes. Mas, todas nós queremos a mesma
coisa – o direito a estruturas adequadas, o direito a decidir
sobre como queremos viver nossas vidas como mulheres.1
RESUMO
Este artigo aborda os diversos desaf‌i os que os países africanos vêm
enfrentando na implantação do Protocolo dos Direitos das Mulheres na Carta
Africana dos Direitos Humanos, em particular com relação ao Artigo 14, o qual
trata dos direitos reprodutivos e sexuais. Discute questões como os direitos das
mulheres africanas para def‌i nir o número de f‌i lhos e o momento em que desejam
tê-los, bem como o controle de natalidade e a possibilidade dos Estados de
garantir o direito de acesso ao aborto legal. Conclui que, embora o Artigo 14 seja
uma mudança bem-vinda, as mulheres na África não podem exercer seus direitos
reprodutivos e sexuais livremente, a menos que se levem em consideração as
aspirações da comunidade.
(*) Artigo com base em tese de doutorado não publicada, intitulada “Africanização dos direitos
reprodutivos e sexuais: A experiência ugandense”, Emory University School, Atlanta, Georgia,
Estados Unidos.
(**) Professora Sênior do Departamento Central de Direito de Kampala; Professora Sênior da
Universidade Islâmica. Advogada da Corte Judicial de Uganda. Kampala - Uganda. E-mail:
.
Texto recebido em 14.12.10. Aprovado em 01.02.11.
(1) WOMEN’S Health and Information Centre. Disponível em: .
Acesso em: 20 fev. 2012.
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Harriet Diana Musoke
Palavras-chave:
Direitos Humanos; Direitos Reprodutivos e Sexuais; Protocolo das Mulheres.
ABSTRACT
This article discusses the various challenges African states will face during
implementation of the African Charter on Human and People Rights on the Rights
of Women, in particular Article 14 which guarantees women the right to exercise
their reproductive and sexual rights. It discusses if women in Africa have a right
to determine the number and spacing of children, if they have a right to fertility
control and if the State can ensure to them the right to access legal abortion. The
paper f‌i nds that, although Article 14 is a welcome move, women in Africa cannot
exercise their reproductive and sexual rights freely unless it is done taking into
account the community aspirations.
Keywords:
African Women’s Protocol; Human Rights; Reproductive and Sexual
Health and Rights.
OBJETIVOS
Os anos 1960 testemunharam o surgimento de uma “nova consciência”
com relação aos direitos das mulheres, como direitos humanos, e à necessidade
de incrementar a promoção e a proteção destes direitos2. Como resultado dessa
tomada de consciência, esforços regionais e internacionais têm sido feitos, para
tornar estes direitos uma realidade. Em nível regional, o último passo dado foi a
adoção do Protocolo dos Direitos das Mulheres na Carta Africana dos Direitos
Humanos – o Protocolo das Mulheres3, que tem como objetivo assegurar a
todas as mulheres africanas o pleno exercício de seus direitos humanos. Para
(2) THE DIVISION for the Advancement of Women. Disponível em:
daw/cedaw>. Acesso em: 20 dez. 2006.
(3) Em dezembro de 2010, 29 países de 53 assinaram e ratif‌i caram o Protocolo das Mulheres. São
eles: Angola, Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Gana, Gâmbia, Mali, Mauritânia, Nigéria, Senegal,Ilhas
Seychelles, Togo, Tanzânia, Comores, Djibouti, Ruanda, Lesoto, Zâmbia, Moçambique,Namíbia,
África do Sul, Malauí, Libia, Uganda, República Democrática do Congo, Camarões, Libéria, Zimbábue
e Guiné-Bissau. AFRICAN COMISSION ON HUMAN AND PEOPLE’S RIGHTS.Protocol to the
African Charter on Human and Peoples' Rights on the Rights of Women in Africa, 2003. Disponível
em: . Acesso em: 8 dez. 2010.
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alcançar esta meta, o Protocolo das Mulheres garante, entre outros, o pleno
exercício dos direitos reprodutivos e sexuais.
O Protocolo das Mulheres é o primeiro instrumento de direitos humanos a
proporcionar explicitamente a garantia dos direitos reprodutivos e sexuais femi-
ninos. O documento entrou em vigor em novembro de 2005 e foi festejado pelas
mulheres e ativistas em direitos humanos. As africanas têm demonstrado uma
grande esperança de que os sistemas de direitos humanos do continente e de
cada país promoverão a igualdade de gênero, o respeito aos direitos humanos e
a promoção da justiça social com relação ao sexo feminino, incluindo o direito de
tomar decisões a respeito de seus corpos. Para as africanas, o Protocolo é “um
acontecimento importante na história das lutas femininas na África pelo reconhe-
cimento dos direitos das mulheres”4. O documento é considerado como um guia
em direção a “uma nova e signif‌i cante era em relação à promoção e proteção
dos direitos das mulheres na África e o f‌i m da impunidade para todas as formas
de violações aos direitos humanos das africanas”.5
Outros atores, entretanto, saudaram a adoção do Protocolo com mais
ceticismo, destacando o histórico negativo por parte das instituições do Estado
e da sociedade em lidar com as questões e interesses femininos6, para as quais
não se dá prioridade em níveis nacionais, regionais ou internacional. Dado o bai-
xo padrão de promoção dos interesses das mulheres, surge o questionamento
sobre quão efetivo o Protocolo das Mulheres pode ser na realização dos direitos
reprodutivos e sexuais na África.
O objetivo geral deste artigo é debater as diversas mudanças que as na-
ções irão enfrentar para a implantação do Artigo 14 do Protocolo das Mulheres,
como, por exemplo, o direito de determinar o número de f‌i lhos e o momento de
engravidar, o direito ao controle de natalidade e a participação do Estado e da
comunidade na garantia do direito de acesso ao aborto legal.
Consideramos que, embora o Artigo seja bem-vindo, ele é excessivamente
ambicioso, irreal e não considera as condições específ‌i cas das africanas. Em
particular, ele ignora deliberadamente a realidade social – o contexto das forças
culturais – na qual as mulheres tomam decisões sobre seus corpos, que não são
pensadas apenas no nível individual. A linguagem usada no Artigo 14 é vaga e
fraca em face dos modelos culturais, e deve ser vista como uma introdução de
um conceito estrangeiro e hostil que não é totalmente aceito pelas africanas.
Os direitos reprodutivos e sexuais estão relacionados aos direitos das
mulheres e à autonomia e igualdade de gênero. Consideramos que estes direitos
(4) KAFUI, Adjamagbo-Johnson. The entry into force of the Protocol on the Rights of Women in
Africa: A Challenge for Africa and Women. Pambazuka News, n. 162, June 24, 2004
(5) WANDIA, Mary. Rights of Women in Africa: Launch of Petition to the African Union. Pambazuka
News, n. 159, June 3, 2004.
(6) Id. Ibid.
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são controversos e tratam de temas enraizados na tradição, cultura e religião das
sociedades patriarcais conservadoras, as quais usam normas conservadoras para
manter o status quo existente, em uma tentativa de preservar leis religiosas e
culturais que negam às mulheres sua plena autonomia.
Temos também a falta de detalhamento do Artigo 14, que não mostra
claramente como os direitos reprodutivos e sexuais das africanas podem ser
melhorados, nem especif‌i ca os mecanismos para a execução das responsabi-
lidades dos Estados. Em nossa opinião, não é suf‌i ciente a simples adaptação
do documento, que impõe obrigações vagas aos Estados-membros de criarem
condições para a adoção da legislação. Deve haver mecanismos efetivos para
policiar o progresso dos países, caso contrário, os direitos assegurados no
Protocolo serão apenas direitos no papel.
INTRODUÇÃO
Este artigo analisa e critica os termos do Artigo 14 do Protocolo das
Mulheres e coloca a questão: como os direitos reprodutivos e sexuais podem
ser “africanizados” para assegurar à maioria das africanas seu pleno exercício?
Buscamos demonstrar que a ambiguidade no texto do Artigo e seus avanços
nos princípios individuais podem tornar sua implantação e aceitação difíceis
entre as africanas. Examinamos também os debates que devem acontecer com
a implementação desse dispositivo. Analisamos então as provisões individuais
do Artigo 14 no contexto da sociedade africana.
Enquanto o Artigo 14 é um marco e os seus elaboradores são elogiados
pelo belo trabalho, a questão que permanece é se ele é uma resposta completa
aos questionamentos sobre o reconhecimento e realização dos direitos reprodu-
tivos e sexuais na África. Argumentamos que, apesar dos direitos das mulheres
serem fortemente defendidos e do documento ser bem-vindo, as provisões do
Artigo 14 não são adequadas para assegurar o pleno gozo destes direitos. O
Artigo aborda os direitos enfatizando a autonomia individual, enquanto a socie-
dade africana é naturalmente comunitária. Os valores comunitários ditam que as
mulheres não vivem isoladas, mas em um ambiente comunitário.
Para o Artigo 14 ter signif‌i cado, deve haver um conhecimento adequado
dos vários contextos nos quais as normas e procedimentos se desenvolveram.
Os caminhos que levaram as mulheres africanas até onde elas chegaram hoje
também devem ser examinados. Aspectos relevantes do contexto no qual as
mulheres operam hoje e no futuro devem ser avaliados em termos das pers-
pectivas dos poderes atuais e da distribuição de forças.
Qualquer nova abordagem a ser proposta deve ref‌l etir de maneira realística
essas forças e modelos de autoridade, a f‌i m de se tornar um guia de condutas
futuras para todos os atores relevantes. Novas abordagens podem ou não
ecoar o passado, o que não é essencial para sua efetividade, que depende das
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expectativas atuais da comunidade, de legalidade e praticabilidade. Sugerimos
um enfoque híbrido, individual (direitos humanos) e comunitário, que considere,
de um lado, os princípios internacionais dos direitos humanos de dignidade,
integridade e não discriminação e, de outro, as aspirações da comunidade. O
Artigo 14 precisa ser legitimado como uma perspectiva comunitária para ser
completamente abraçado por uma grande maioria de mulheres africanas.
Sejam quais forem os argumentos, temos consciência de que as mulheres
e as sociedades africanas são diferentes entre si. Assim, as razões apontadas
podem ser mais ef‌i cazes em uma área do que em outra. Não se podem descartar
preconceitos de que algumas africanas têm mais liberdade no exercício de seus
direitos do que outras. Perspectivas individuais das mulheres são formatadas
por diversas experiências e socializações. Muitas culturas são diferentes, mas
todas as africanas sofrem pelos efeitos do colonialismo, pobreza, doenças,
analfabetismo e má nutrição. Além disso, a maioria das mulheres na África
enfrentam os mesmos valores socioculturais e parâmetros que impactam nega-
tivamente sobre seus direitos reprodutivos e sexuais. Os costumes podem, de
alguma maneira, diferir de país para país, mas as raízes em crenças culturais
e sociais e a pressão para que as mulheres se submetam a estas crenças são
as mesmas. Ademais, todas as mulheres na África são afetadas pelo direito
consuetudinário, que governa assuntos de reprodução e sexualidade. Embora
os países africanos tenham também a tradição do direito civil, a lei dos costumes
prevalece. Finalmente, a religião ou os sistemas de crenças têm um importante
papel em todos os aspectos da vida, especialmente na reprodução. Os aspectos
religiosos estão tão profundamente enraizados na África que foram integrados
aos costumes sociais e culturais. Dessa maneira, o comportamento pode ser
diferente de uma sociedade para outra, mas os mesmos problemas surgirão no
processo de implantação do Artigo 14 do Protocolo das Mulheres.
UMA CRÍTICA AO ARTIGO 14 DO PROTOCOLO DAS MULHERES
O Protocolo das Mulheres trata das questões relacionadas aos direitos
humanos femininos. Alguns de seus objetivos específ‌i cos são: evocar a igualdade
de gênero nas “constituições nacionais e em outros instrumentos legislativos”
dos países signatários7; modif‌i car os padrões culturais e sociais que perpetuam
a discriminação sexual8; garantir a segurança física e emocional da mulher, tanto
na esfera pública, como na privada9; condenar todas as práticas prejudiciais que
afetam os direitos humanos fundamentais das mulheres10; assegurar que elas
gozem de direitos iguais aos de seus parceiros no casamento11; permitir que as
(7) Protocolo das Mulheres, op. cit., Art. 2(1)(a)
(8) Id. Ibid. 2(2)
(9) Id. Ibid. 4(2)(a)
(10) Id. Ibid. 5
(11) Id. Ibid. 6
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mulheres possam se separar ou se divorciar da mesma maneira que os homens;12
promover os direitos das mulheres à informação, assistência legal, participação
política, educação e treinamento13; protegê-las nos conf‌l itos armados14; promover
seu desenvolvimento prof‌i ssional15; respeitar os direitos reprodutivos e da saúde
feminina16 e assegurar os direitos das mulheres à herança, a um ambiente sau-
dável e sustentável, ao desenvolvimento sustentável, à alimentação adequada, à
moradia e a um contexto cultural positivo17. Ele também prevê proteção especial
para idosas e mulheres com def‌i ciências18.
O direito mais inovador no Protocolo das Mulheres está em seu Artigo 14
que trata dos “Direitos à Saúde e à Reprodução” e que af‌i rma:
1. Os Estados-membros devem assegurar que o direito da mulher à
saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, seja respeitado e promovido,
o que engloba:
a) o direito ao controle da natalidade;
b) o direito de decidir se quer ter f‌i lhos, a quantidade de crianças que
terá e quando;
c) o direito de escolher qualquer método de contracepção;
d) o direito à autoproteção e a ser protegida contra doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo a AIDS;
e) o direito de ser informada sobre suas condições de saúde e sobre as
condições de saúde do parceiro, particularmente se afetado por doenças
sexualmente transmissíveis, incluindo a AIDS, de acordo com os padrões
e as melhores práticas internacionais;
f) o direito a ter educação para o planejamento familiar.
2. Os Estados-membros devem tomar todas as medidas apropriadas para:
a) providenciar serviços de saúde adequados e acessíveis, incluindo
informação, educação e programas comunitários, para as mulheres,
especialmente àquelas que vivem em zonas rurais;
b) implantar e reforçar serviços de saúde e de nutrição no pré-natal, no
parto e após o parto, para mulheres grávidas e que estejam amamentando;
c) proteger os direitos reprodutivos das mulheres, autorizando abortos
médicos em casos de agressão sexual, estupros, incesto e quando a
continuidade da gravidez coloca em risco a saúde física ou mental da
mãe, a vida da mãe ou a do feto.
(12) Id. Ibid. 7
(13) Id. Ibid. 8, 9, 12 respectivamente
(14) Id. Ibid. 11
(15) Id. Ibid. 13
(16) Id. Ibid. 14
(17) Id. Ibid. 15, 16, 17, 28, 19, 20 e 21 respectivamente
(18) Id. Ibid. 22 e 23 respectivamente
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Enquanto esses direitos já foram previamente referendados em vários
documentos internacionais sobre os direitos humanos, o Artigo introduz duas
inovações: primeira, o direito de ser informada sobre suas condições de saúde e
sobre as condições de saúde do parceiro, particularmente se afetado por doenças
sexualmente transmissíveis, incluindo a AIDS, na cláusula 1(e); e segunda, a
proteção às decisões da mulher sobre reprodução, “autorizando abortos médi-
cos em casos de agressão sexual, estupros, incesto e quando a continuidade
da gravidez coloca em risco a saúde física ou mental da mãe, a vida da mãe
ou a do feto”, na cláusula 2(c). Essa é a primeira vez que estes direitos são
especif‌i camente garantidos em um instrumento internacionalmente vinculante.
Os direitos assegurados pelo Artigo 14 são bem articulados e muito
bem-vindos e, se implementados, poderiam dar à mulher a plena autonomia e
integridade física pelas quais ela tem lutado. A garantia de dignidade, igualdade
e liberdade é central para o pleno gozo dos direitos humanos das mulheres. No
entanto, enquanto seus objetivos forem difíceis de alcançar, o Artigo 14 pode
terminar sendo não mais do que retórico.
Para começar, o Artigo 14 foi redigido na linha “atire primeiro, pergunte
depois”, em resposta a um fenômeno pouco conhecido, e não atendeu de ma-
neira adequada a questões específ‌i cas das africanas, como, por exemplo, o que
os direitos reprodutivos e sexuais signif‌i cam realmente para estas mulheres ou
como prevenir uma gravidez indesejada, ou ainda, como melhorar a vida das
africanas, capacitando-as a tomarem decisões para melhorar seu status e, por
f‌i m, como convencer a comunidade a permitir que as mulheres tomem decisões
com um envolvimento limitado desta mesma comunidade.
Rose Gawaya e Rosemary Mukasa argumentam que o Protocolo das
Mulheres é “nativo, criado por africanos para africanos”19. Embora seja verdade
que o documento foi elaborado por africanos (como se pode notar na compo-
sição da equipe que o redigiu), permanece o questionamento se o protocolo
atende às aspirações de preservar os valores positivos da África, considerando
os interesses de toda a sociedade. Apesar de bem intencionado, o documento
continua com uma orientação ocidental – ele promove o individualismo ou a au-
tonomia das mulheres. As “vozes africanas” no Artigo 14 são aquelas educadas
no Ocidente, políticas e acadêmicas oriundas das elites da África. Como Jack
Donnelly af‌i rmou, são pessoas que reconhecem a relatividade dos conceitos,
mas que estão presas à concepção ocidental de modernização e aldeia global20.
(19) GAWAYA, Rose; SEMAFUMU MUKASA, Rosemary. The African Women’s Protocol: A New
Dimension for Women’s Rights in Africa. Gender and Development, v. 13, n. 3, p. 42-50, 2005.
(20) DONNELLY, Jack. Human Rights and Human Dignity: An Analytic Critique of Non-western
Conceptions of Human Rights. American Political Science Review, v. 76, n. 2, june, p. 303-316,
1982. Disponível em:
Conceptions-of-Human-Rights>. Acesso em: 23 fev. 2012. Também MUMBI, Machera. Opening
a Can of Worms: A Debate on Female Sexuality in the Lecture Theatre. In: ARNFRED, S. (ed.).
Rethinking sexualities in Africa.154, Lund: Nordic Africa Institute, 2004.
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O Protocolo das Mulheres não vocaliza o conhecimento local das africanas e,
deste modo, falha ao não tratar de importantes relações entre a dinâmica cultu-
ral local e a ideologia de gêneros. É um instrumento contundente que, em sua
adesão à promoção de padrões universais dos direitos reprodutivos e sexuais
da mulher, pode facilmente ser percebido como uma ameaça às práticas e
tradições culturais; portanto, como um documento neocolonialista.
O Artigo 14 concede à mulher o direito, como um indivíduo, à plena au-
tonomia nas decisões relativas ao seu corpo, independentemente das leis ou
padrões da comunidade na qual habita. A ideia de autonomia absoluta, baseada
no indivíduo como uma prioridade relevante, não é consistente com a noção
coletiva de sociedade, ao contrário, trata-se de um conceito que muitas africanas
consideram estrangeiro; ele não tem como base a compreensão das experiências
femininas embebidas em uma rede de relações, que é típica das sociedades e
comunidades africanas. Por exemplo, o tema da reprodução envolve decisões
que devem ser tomadas por homens e mulheres, não por mulheres sozinhas.
Na sociedade africana, reivindicações de autonomia não são comuns ou mesmo
conhecidas; a ideia de absoluta autonomia soa estrangeira e, por essa razão, é
difícil atrair o apoio necessário para efetivar mudanças sociais. Qualquer posi-
cionamento sobre reprodução deve considerar o equilíbrio entre os interesses
das mulheres e da comunidade e não pode ignorar a realidade das africanas.
Defendendo o individualismo, o Artigo 14 assume que a cultura africana
mudará para acomodar as preocupações individuais da mulher, considerando
que os direitos humanos, como um conceito revolucionário, poderá alterar a
face da sociedade. Isso pode ser difícil, se não impossível, de se alcançar,
ainda mais porque a cultura, por si só, é um direito humano protegido21. Tanto
como a cultura não é estatística e algumas mulheres estão lutando para efe-
tivamente mudá-la, outras africanas em sociedades tradicionais (educadas
ou não) valorizam suas tradições e querem protegê-las, um desejo arvorado
na noção de que a cultura faz delas o que elas são22. Muitas africanas não
querem perder suas identidades23. Mais, o Protocolo das Mulheres pode ter
todas as melhores intenções, mas é a decisão feminina que está diretamente
envolvida com o exercício do direito, a mulher é a “agente” com o qual se conta
(21) A Carta Africana dos Direitos Humanos foi adotada em 27 de junho de 1981 e entrou em vigor
em 21 de outubro de 1986. Art. 17(2) e (3) af‌i rmam que todo indivíduo “deve tomar parte da vida
cultural da comunidade livremente” e que “a promoção e proteção dos valores morais tradicionais
reconhecidos pela comunidade deve ser um dever do Estado”. AFRICAN COMISSION ON HUMAN
AND PEOPLE’S RIGHTS. African Charter on Human and Peoples' Rights (ACHPR), 1981. Disponível
em: . Acesso em: 23 fev. 2012.
(22) TAMALE, Sylvia. The Right to Culture and the Culture of Rights: A Critical Perspective on
Women’s Sexual Rights in Africa. Feminist Legal Studies, v. 16, p. 47-69, 2008.; TAMALE, Sylvia.
Gender Trauma in Africa: Enhancing Women’s Links to Resources. Journal of African Law, v. 48, n.
1, 2004. p. 50.
(23) HELLUM, Anne. Women’s human rights and legal pluralism in Africa: mixed norms and identities
in infertility management in Zimbabwe. Tano: Mond Books, 1999.
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para assegurar a implementação do documento24. Por exemplo, uma pesquisa
em Gana mostrou que as mulheres não acham que serão capazes de conti-
nuarem férteis sem a aprovação de seus maridos25 e que elas não esperam ter
autonomia reprodutiva, mas sim, esperam que as decisões a respeito desse
assunto sejam tomadas pelos seus parceiros, os quais têm um poder relativo
no exercício desse direito.
De acordo com a mesma pesquisa, na África Ocidental, a educação não é
particularmente um fator de mais autonomia reprodutiva26. A autonomia feminina
em Gana talvez não seja traduzida em autonomia reprodutiva precisamente porque
a reprodução é controlada por linhagens e não por indivíduos27. O estudo concluiu
ainda que, haja ou não diferenças em metas de reprodução, a desigualdade de
gêneros ainda interfere em decisões sobre a natalidade. É fácil entender porque
isso acontece, pois a intenção do parceiro com mais poder determina o compor-
tamento do casal. Mas, a desigualdade de gêneros pode por si própria inf‌l uenciar
as intenções em relação à natalidade, criando a impressão de que não há conf‌l ito:
as mulheres podem adequar seus objetivos para evitar disputas com o parceiro.
Embora, homens também possam adaptar suas intenções, estudos mostram
que os interesses dos maridos inf‌l uenciam signif‌i cativamente nos propósitos das
mulheres, mas não o contrário28.
O Artigo 14 parte da premissa de que as sociedades africanas se moderni-
zaram a tal ponto que a mulher se liberou dos interesses comunitários e do sistema
de família patriarcal, que perpassa amplamente a maioria das comunidades na
África. As instituições patriarcais, compreendidas no contexto africano, são siste-
mas de relações sociais e poderes, pelos quais os velhos dominam os jovens, os
homens dominam as mulheres e os descendentes homens das famílias de mais
poder dominam os outsiders que se casam ou são adotados pelo clã29. Em graus
variados e em diferentes contextos, a família patriarcal e os sistemas comunitá-
rios impõem a vontade coletiva dos membros mais velhos e poderosos sobre as
meninas ou mulheres, resultando em famílias nas quais elas têm pouco controle
sobre trabalho, sexualidade, o intervalo entre as gestações e o número de f‌i lhos.
É, portanto, uma ilusão falar em uma África ideal onde a mulher realmente
tem “liberdade” e autonomia em relação ao seu corpo. Uma pesquisa no Zimbábue
revelou que as mulheres que não conseguem procriar questionam sua feminilidade
(24) BREMS, Eva. Protecting the Human Rights of Women. In: LYONS, Gene M.; MAYALL,
James.(eds.). International human rights in the twenty-f‌i rst century: protecting the rights of groups.
Oxford:Rowman & Littlef‌i eld Publishers Inc, 2003. p. 100-124.
(25) DEROSE, Laurie; DODOO, Nu-amoo; PATIL, Vrushali. Fertility Desires and Perceptions of
Power in Reproductive Conf‌l ict in Ghana. Gender Society, v. 16, p. 53, 2002.
(26) Id. Ibid. p. 55
(27) Id. Ibid. p. 55. V. também YAW, Oheneba-Sakyiet al. Female autonomy, decision making and
demographic behaviour among couples in Ghana. New York: Potsdam, 1995.
(28) DEROSE, Laurie; DODOO, Nu-amoo; PATIL, Vrushali. op. cit., p. 57.
(29) DIXON-MUELLER, Ruth. Population policy and women’s rights, transforming reproductive
choice. Westport; Praeger,1993. p. 15-19.
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e propósito de vida. Por quê? Porque elas são rejeitadas pela comunidade30. O
mesmo estudo demonstrou que ter f‌i lhos era fundamental para os pais realizarem
seus papéis culturalmente def‌i nidos de dominância masculina e de identidade
feminina e para seu bem-estar emocional.
A maternidade oferece às mulheres o status de adultas, assim, elas devem
lidar com as perspectivas da comunidade e terem f‌i lhos para se tornarem adultas31.
O Artigo 14 também simplif‌i ca a complexa relação de força entre homens
e mulheres32. Como Carol Smart observou, a aquisição de direitos em uma de-
terminada área pode criar a impressão de que as diferenças de força teriam sido
“resolvidas” e que o exercício do poder tem pouco a ver com os direitos legais33.
O que deve ser abordado é a realidade da situação das relações de poder entre
mulheres e homens e as diferenças entre as mulheres. A habilidade de negociar
sexo seguro ou controle da reprodução depende do peso da pessoa dentro do re-
lacionamento. A capacidade de resistir ao sexo forçado, evitar a gravidez, satisfazer
desejos e ter prazer sexual depende das relações de poder nos vínculos sociais34.
Em um estudo ganês, conduzido por Adomako Ampofo, descobriu-se que, embora
a mulher possa querer controlar seu desejo de ter f‌i lhos, ela pode não ser capaz,
por causa das disparidades de força35. A pesquisa mostrou que, se um homem quer
mais f‌i lhos, é melhor a mulher aceitar a vontade masculina do que correr o risco
de seu marido se casar com outra esposa, para alcançar seus objetivos paternais.
O Artigo 14 não leva em consideração vários fatores – políticos, sociais e
econômicos – relacionados à opressão contra as mulheres, e parte do princípio
de que a aceitação dos direitos humanos é o suf‌i ciente para equilibrar a compe-
tição de forças entre homens e mulheres36. Por exemplo, a maioria das africanas
não tem os meios f‌i nanceiros para fazer valer suas decisões37. Um princípio de
direito que expõe a integridade física, em uma sociedade na qual a realidade
sempre coloca as mulheres sob a dependência econômica de seus parceiros do
sexo masculino, é inútil. Ele promove formalmente a escolha individual, enquanto,
na realidade, elas são dependentes f‌i nanceiramente de seus parceiros.
(30) RUNGANGA, Agnes; SUNDBY, Johanne; AGGLETON, Peter. Culture, Identity and Reproductive
Failure in Zimbabwe.Sexualities, v. 4, p. 315, 2001.
(31) RUNGANGA, Agnes; SUNDBY, Johanne; AGGLETON, Peter. op. cit.
(32) KEMP, Karoline.General situation of women in Africa. In: MUSA, Roselynn; MOHAMMED, Faiza;
MANJI, Firoze. Breathing life into the African Union Protocol on Women's Rights in Africa. 3, [s. l.]:
FAHAMU, 2006.
(33) SMART, Carol. Feminism and the power of law. London: Routledge, 1989. p. 145.
(34) MUKASA, Sarah. Domesticating the Protocol. In: MUSA, Roselynn; MOHAMMED, Faiza;
MANJI, Firoze (eds.). Breathing life into the African Union protocol on Women’s Rights in Africa 28
[s. l.]: FAHAMU, 2006.
(35) AMPOFO, Adomako. Gender inequalities, Power in Unions, and Reproductive Decision Makingin
Ghana. PhD dissertation, Vanderbilt University, Nashville, TN. (unpublished).
(36) BEVERIDGE, Fiona; MULLALLY. Siobhan. International Human Rights and Body Politics. In:
BRIDGEMAN, Jo.; MILLNS, Susan (eds.). Law and body politics: regulating the female body. v. 240.
London: Dartmouth Publishing Co. Limited, 1995.
(37) TAMALE, Sylvia.The Right to Culture and the Culture of Rights: A Critical Perspective on
Women’s Sexual Rights in Africa. op. cit., p. 24, 50 e 61
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
Por razões estratégicas, essa abordagem generalista pode ser apropriada
em certos contextos, mas, em relação aos direitos reprodutivos e sexuais sua
aplicabilidade é duvidosa. A aceitação das reivindicações dos direitos humanos
é adequada em situações nas quais os direitos reclamados advogam que tanto
homens, como mulheres são iguais perante a lei, ou que ambos os sexos devam
receber salários iguais quando exercem as mesmas funções. Isso acontece
quando a máquina do Estado, mandatória do cumprimento deste direito, pode
ser responsabilizada. Porém, em se tratando de direitos reprodutivos e sexuais,
pela natureza das relações envolvidas (usualmente relacionamentos íntimos) e
do assunto em questão (o corpo feminino), a responsabilização e o monitora-
mento destes direitos não podem ser estabelecidos satisfatoriamente, sem levar
em consideração a vontade própria e o interesse pessoal. O corpo da mulher
envolve temas de profunda complexidade social, política, econômica, sexual e
psicológica. Ele é um campo de luta, def‌i nição e controle e é extensivamente
regulado e conf‌i nado por normas e práticas sociais. Portanto, qualquer regulação
sobre ele é sensível e necessita de cuidadosa ref‌l exão.
O Artigo se estende a todas as mulheres da África, independentemente de
suas relevantes diferenças, que se manifestam entre ricas e pobres, urbanas e rurais,
casadas ou solteiras, educadas ou não, e assume que todas as africanas são iguais.
O Artigo pode ser incapaz de alcançar seus objetivos. Não há dúvidas de que a
maioria das africanas vive em áreas rurais e tem baixo nível educacional e, por isso,
tem falta de recursos e informação. Estas mulheres, ipso facto, não serão protegidas
por este artigo. Essa situação é especialmente signif‌i cante no que tange ao acesso
a serviços médicos para o aborto legal, natalidade e planejamento familiar, que são
desigualmente distribuídos, de acordo com as circunstâncias materiais.
O Artigo não faz referências a mulheres com def‌i ciências físicas e mentais
as quais contam com menos oportunidades. Elas são continuamente violentadas
porque não podem se defender e algumas vezes são esterilizadas compulsoria-
mente a f‌i m de livrar o país das “crianças de rua”38. Embora, o Art. 23 do Protocolo
das Mulheres trate desse grupo de mulheres, ele apenas obriga os Estados sig-
natários a tomarem medidas especiais para permitir o acesso delas ao mercado
de trabalho, treinamento prof‌i ssional e participação nas políticas decisórias. Ele
também obriga os países a protegerem estas mulheres de qualquer forma de
violência, incluindo o abuso sexual. Isso não é suf‌i ciente. Uma referência especial
deveria ter sido feita para obrigar os Estados e as instituições não estatais a ofe-
recer a estas mulheres todos os recursos possíveis para assegurar a proteção de
seus direitos reprodutivos e sexuais. O Artigo 14 deveria ter ido milhas à frente e
previsto que os Estados deveriam dar especial atenção e oferecer serviços para
mulheres com def‌i ciências em razão da dupla discr iminação que elas enfrentam
(como mulheres e como pessoas com def‌i ciências).
(38) SSENYONJO, Manisuli. Culture and the human rights of Women in Africa: between light
andshadow. Journal of African Law, v. 51, n. 1, p. 39 -67, 2007.
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Harriet Diana Musoke
O Artigo também é falho ao def‌i nir os termos “direitos reprodutivos e
sexuais”. Seu texto usa a frase “saúde reprodutiva e saúde sexual”. Como apre-
sentados na seção de conceituação, estes termos (saúde reprodutiva / direitos
e saúde sexual / direitos) diferem no aspecto da saúde como um subconjunto
dos direitos humanos. Se interpretada de maneira estrita, a frase “saúde repro-
dutiva e sexual” se refere a um aspecto da saúde e não compreende todos os
princípios gerais dos direitos humanos. A saúde reprodutiva implica o direito
a todos os serviços de reprodução e saúde, mas pode não necessariamente
incluir o direito a tomar decisões em relação à reprodução sem discriminação.
Isso porque a não discriminação não se aplica à categoria da saúde, mas é um
princípio geral nos direitos humanos.
Apesar da utilização dos termos “direitos reprodutivos” e “direitos sexu-
ais” ter se tornado comum nos textos e análises internacionais, há uma grande
variação na extensão de sua assimilação, interpretação e signif‌i cação, pelos
países e pelas pessoas africanas39. Em algumas nações, a proteção dos direitos
reprodutivos e sexuais deve ser aplicada apenas dentro do quadro do casa-
mento; ou pode signif‌i car proteção dos direitos de reprodução e sexuais com
propósito de procriação, deixando de lado as atividades não procriadoras; ou a
contracepção pode ser interpretada como um recurso usado apenas por casais
e com o consentimento dos cônjuges. Os países africanos podem se benef‌i ciar
dessas ambiguidades para ordenar suas legislações nacionais de acordo com
suas interpretações, o que pode ser prejudicial às mulheres, uma vez que esta
interpretação poderia possivelmente ignorar todas as outras mulheres com vida
sexual ativa. Por essa razão, teria sido útil se os redatores do artigo oferecessem
referências aos países, nas quais eles pudessem se apoiar.
Ademais, o Artigo 14 não trata da garantia dos direitos sexuais. Ele menciona
a saúde sexual no item “Saúde e direitos reprodutivos”, mas não articula claramente
as escolhas sexuais: quando, onde, como e com quem uma pessoa pode manter
relações sexuais e como tais escolhas podem ser protegidas. Essa omissão pode
ser interpretada como um limitador a qualquer proteção ou análise sobre sexo
sem f‌i ns de procriação, de tal forma que as mulheres, cujo comportamento sexual
não se adeque ao círculo da reprodução, não estarão protegidas. Como preveniu
Alice Miller, os direitos das mulheres e os direitos sexuais têm sido contidos pela
sua dependência dos conceitos de saúde reprodutiva e risco sexual, o que tem
chamado a atenção para a necessidade de proteger a mulher como um indivíduo,
mais do que promover seus direitos ao exercício dos direitos40. Essa abordagem
reduziu a sexualidade feminina a um corpo que sofre e que precisa ser protegido
(39) CORREA, Sonia. From Reproductive Health to Sexual Rights: Achievements and Future
Challenges. Reproductive Rights Matters, 1997. Série 10.
(40) MILLER, Alice. Sexuality, violence against women, and human rights: women make demands
and ladies get protection. Health and Human Rights: an International Journal, v. 7, n.2, p. 16-46, 2004.
Disponível em: . Acesso em: 20
fev. 2012.
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
pela lei e pelo Estado. Falta pensar nos corpos das mulheres como necessitados
da proteção concedida pela participação atuante e igualitária41.
Por f‌i m, o problema central relacionado ao Artigo 14 é a falta de abran-
gência em estabelecer o equilíbrio adequado para a efetivação dos direitos re-
produtivos e sexuais das mulheres, a partir da perspectiva das questões cruciais
dos direitos humanos e da dignidade humana. Comunidades africanas estão
lutando para estabelecer as suas próprias abordagens dentro da cultura mais
ampla das relações e interações humanas, em especial no que diz respeito a
esse individualismo que é preconizado na legislação internacional de direitos
humanos42. O ponto aqui é que o foco primário deve permanecer no principal e
verdadeiro objetivo, centro da inquietação da humanidade com relação às mu-
lheres: a promoção, mais abrangente possível, de uma vida digna para que elas
sejam capazes de desfrutar destes direitos. O Artigo 14 realmente contribui para
a realização desse objetivo ao criar um direito escrito para as mulheres. Porém,
esta contribuição é ameaçada pelo perigo em tentar fazer com que as mulheres
se benef‌i ciem destes direitos como uma obrigação legal. Deve-se encarar a
realidade de que, no contexto geral da promoção e proteção dos direitos das
mulheres, o direito da mulher em controlar seu corpo continua sendo apenas
uma possibilidade pouco efetiva, a menos que a comunidade o aceite totalmente.
Tendo considerado as limitações do artigo, criticaremos agora os subar-
tigos individualmente.
1. Artigo 14(1) – o direito ao controle da natalidade
O Artigo 14(1) (a) garante à mulher o direito de controlar a natalidade, de
decidir quando engravidar e quando parar de ter f‌i lhos, além do intervalo entre as
gestações. Através da história, indivíduos e casais têm usado uma variedade de
métodos de controle da natalidade, incluindo o prolongamento do celibato, períodos
de abstinência, interrupção do coito, uso de ervas e dispositivos mecânicos43. A
fertilidade feminina (ou a falta dela) é vista, na África tradicional, como um tema
sobre o qual a sociedade tem imenso interesse, enraizado em seu discurso moral44.
O direito ao controle da natalidade não é apenas uma questão relacionada aos
direitos femininos ou liberdades, mas também um assunto da sociedade, levantando
questionamentos sobre a legitimidade da comunidade em ditar comportamentos.
Para a sociedade africana, uma alta taxa de fertilidade (e um número
considerável de crianças que sobrevivem) está associada à alegria e a uma vida
boa e é sinal de boa educação. Isso não quer dizer que uma mulher não tenha
(41) Id. Ibid.
(42) ODINKALU, Chidi Anselm. Back to the future: The imperative of prioritizing for the protection
ofhuman rights in Africa. Journal of African Law, v. 47, n.1, p. 1-37, 1997.
(43) DIXON-MUELLER, op. cit.
(44) MCLEAN, Sheila.Women, Rights and Reproduction, In: MCLEAN, Sheila (ed.). Legal Issues
inReproduction. Dartmouth: Dartmouth England, 1990. p. 213-228.
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poder de decisão sobre o assunto, inclusive sobre a quantidade de f‌i lhos que
deseja. No entanto, mulheres com poucos ou sem f‌i lhos não são tão respeitadas
e podem ser consideradas um passivo social. A esterilidade está associada ao
mal e as mulheres estéreis são consideradas responsáveis por sua condição ou
por terem herdado a esterilidade de seus ancestrais. A sociedade espera que
as mulheres tenham f‌i lhos para assegurar a continuidade da humanidade e da
linhagem do clã 45. Na Nigéria, por exemplo, as decisões conjuntas sobre muitos
aspectos da reprodução são poucas e o assunto é de dominância dos homens46.
A ideia de dar às mulheres o direito de controlar seus corpos e sua nata-
lidade não é difícil de entender, uma vez que os direitos humanos asseguram a
toda pessoa o direito à liberdade e à segurança pessoal. O que há de particular
nessa ideia é que o livre exercício do poder da mulher cria um conf‌l ito em poten-
cial com outras partes que podem não estar diretamente envolvidas, mas que
são afetadas pelas decisões tomadas. Isso ocorre porque, se a mulher exercitar
seu poder de decisão sem considerar as circunstâncias, o conf‌l ito decorrente
dessa atitude irá afetar as relações de dependência entre a mulher e as outras
partes envolvidas – seu parceiro e a sociedade. As mulheres devem, portanto,
evitar qualquer conf‌l ito para uma boa coexistência com todos.
Identif‌i camos três partes com interesses relacionados ao direito de
controlar o próprio corpo, as quais serão detalhadas com o objetivo de ba-
lancear as diferentes reivindicações. Dentro de uma perspectiva dos direitos
humanos, temos as mulheres que defendem estes direitos e seu livre exercício
e que devem ser livres para viver uma vida digna, ter suas escolhas respeita-
das, af‌i rmar o direito à livre expressão e exercitar a autodeterminação47. Há
também os homens que af‌i rmam seus interesses como maridos e potenciais
pais. As reivindicações masculinas estão baseadas em vários documentos,
que determinam especif‌i camente que os “pais” devem ser responsáveis por
suas crianças. A terceira parte interessada, a comunidade na qual a mulher
se insere, reivindica que “todos têm deveres para com a comunidade onde a
liberdade e o completo desenvolvimento da personalidade é possível”48. Isso
implica que a mulher, ao exercer o irrestrito direito sobre sua fertilidade, deve
considerar as condições e circunstâncias da comunidade onde vive. Para a
comunidade, em virtude de sua biologia, a mulher tem o dever de assegurar a
continuidade da raça humana.
(45) HELLUM, op. cit., p. 141-144
(46) KUPONIYI, Francis; ALADE, O. A. Gender dynamics and reproduction decision making
amongrural families in Orire Local Government Area of Oyo State, Nigeria. Journal Of Social Science,
v. 15,n. 2, p. 101-104, 2007.
(47) INTERNATIONAL Covenant on Social and Civil Rigths(ICSCR). Organização das Nações
Unidas, 1966. Art. 1º. Disponível em: . Acesso em
Organização das Nações Unidas, 1966. Art 1º. Disponível em:
cescr.htm>. Acesso em: 20 fev. 2012.
(48) UNIVERSAL Declaration on Human Rights (UDHR). Organização das Nações Unidas, 1948.
Art. 29. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2012.
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
Essas diferentes reivindicações das partes envolvidas com o tema do
controle sobre o próprio corpo não são balanceadas pelo Artigo, deixando
para os Estados a tarefa de encontrar um meio termo. Entretanto, a legislação
sozinha não consegue ter impacto sobre o exercício desses direitos, sem que
haja outras condições favoráveis.
Outro questionamento que surge com esse subartigo é se o direito ao con-
trole da natalidade presumivelmente envolve o direito ao tratamento da infertilidade
por meio de tecnologias de reprodução assistida49. Há acadêmicos que defendem
que sim50, uma vez que o direito moral de uma mulher fértil a ter f‌i lhos é o mesmo
para uma mulher estéril. Mulheres que não sejam férteis também gostariam de se
perpetuar e criar um f‌i lho biológico; sua infertilidade não deveria desqualif‌i cá-las
para essa possibilidade de realizar seus direitos reprodutivos e sexuais.
A interpretação desse direito também resulta da interpretação dos prin-
cípios fundamentais de não discriminação e de dignidade humana, do direito
humano de ter uma família e do direito de se benef‌i ciar do progresso científ‌i -
co51. Argumenta-se que os avanços da ciência criaram métodos que auxiliam a
mulher a engravidar e que as mulheres teriam o direito a utilizar estes métodos
e, sendo assim, o Estado deveria oferecê-los a todas que deles precisarem. A
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) estimula
homens e mulheres a compartilhar das descobertas científ‌i cas. De acordo com
a Organização Mundial da Saúde, o progresso científ‌i co oferece meios para
remediar ou superar a infertilidade patológica52. O direito reconhece o direito dos
homens de se benef‌i ciarem deste progresso, chamando os governos a darem
prioridade ao desenvolvimento de alternativas de controle da natalidade, como
preservativos e vasectomia53. O direito ainda precisa ser efetivamente aplicado
para que se exija dos governos essas medidas. A CIPD reconhece que esses
benefícios são progressivos e que os Estados devem torná-los disponíveis por
etapas. Em razão dessa provisão, as mulheres reclamam o direito positivo ao
tratamento da infertilidade, o que implica que os governos têm o dever de atender
a essa reivindicação e que o Estado deve providenciar um sistema de cuidados
à saúde para o tratamento da infertilidade.
(49) Tecnologias de reprodução assistida é um termo geral que engloba vários métodos de fertilização
que compartilham uma característica comum: a manipulação do óvulo e do esperma para tentar a
fertilização. Disponível em: . Acesso em: 1 out. 2006.
(50) DIXON-MUELLER, op. cit.
(51) UDHR, op. cit., Art. 27(2); ICCPR, op. cit., Art. 15; ACHPR, op. cit., Art. 22. Como avanços
científ‌i cos e seus benefícios considerou-se outras áreas e não especif‌i camente a de fertilização
assistida.
(52) Disponível em:
Chapter3part2.htm>. Acesso em: 14 nov. 2007.
(53) INTERNATIONAL Conference on Population and Development (ICPD), Cairo: Organização
das Nações Unidas, 1994. §12.14. Disponível em: .
Acesso em: 20 fev. 2012. BEIJING Declaration and Platform for Action. United Nations Fourth World
Conference on Women, Organização das Nações Unidas, 1995. Disponível em:
womenwatch/daw/beijing/pdf/Beijing%20full%20report%20E.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2012.
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Harriet Diana Musoke
Por mais que concordemos com o avanço do direito ao tratamento da
infertilidade, acreditamos que a tecnologia reprodutiva não é nem um direito
possuído nem um privilégio a ser defendido. Mulheres têm o direito a não se
reproduzirem e também a se reproduzirem. Em nossa opinião, não há base na
legislação internacional ou africana sobre os direitos humanos para interpretar
que o direito ao tratamento da infertilidade seja incluído nos direitos reproduti-
vos. Infertilidade não é uma doença ou uma def‌i ciência para a qual o Estado é
obrigado a fornecer serviços de saúde. Se o Estado puder oferecer os serviços,
eles estarão disponíveis para as mulheres que poderão utilizá-los, enquanto
aquelas que não têm acesso a eles terão que suportar o desprezo da sociedade
e não exigi-los como um direito humano.
Apesar do uso das técnicas de reprodução assistida parecer benéf‌i co às
mulheres, há argumentos de que elas possam ameaçar a liberdade feminina54. Fe-
ministas ocidentais e algumas ativistas africanas af‌i rmam que a utilização destas
tecnologias reforçam a dominação patriarcal e a identif‌i cação das mulheres com
a gravidez e provimento55. Lori B. Andrews, embora destaque que estas técnicas
oferecem às mulheres maior controle sobre sua fertilidade e maiores chances de
estabelecer estruturas familiares alternativas, como as famílias monoparentais56,
af‌i rma que, ao mesmo tempo, medicalizam o processo de concepção, gravidez
e nascimento, diminuindo o controle da mulher sobre as funções reprodutivas57.
Essa preocupação, entretanto, não é um problema para as africanas, que
querem ser identif‌i cadas como “mães” e se orgulham disso. De fato, na África, as
mulheres vão ao limite para conseguir gerar uma criança e não é incomum ver
uma africana consultando herboristas tradicionais para ajudá-las a engravidar. As
necessidades sociais e culturais de gerar um f‌i lho, especialmente um herdeiro,
são uma grande pressão sobre as mulheres estéreis. A necessidade de f‌i lhos
que irão apoiar f‌i nanceiramente seus pais na velhice é uma grande preocupação
e usualmente as mulheres não terão escolha a não ser reproduzirem-se58. Assim,
o conceito de “vontade própria” previsto no Artigo é mais retórico do que real.
Outro ponto que surge da aplicação dessas tecnologias é a questão de
quem deve ter acesso a elas. O acesso deve ser limitado à idade, estado civil
(54) MCLEAN, op. cit., p. 102
(55) RAO, Radhika. Constitutional Misconceptions. Michigan Law Review, v. 93, p. 1473, 1995.
(56) ANDREWS, Lori B. How is Technology changing the Meaning of Motherhood for Western Women.
In: WIDDOWS, Heather; IDIAKEZ, Itziar; CIRION, Aitziber. (eds.). Women’s reproducitve rights.
NewYork: Palgrave Macmillan, 2006. p. 124-129. A autora também destacou que as tecnologias
dereprodução assistida envolvem uma série de riscos, como experimentos inapropriados com
mulheres,com técnicas que ainda não foram comprovadas como satisfatórias; legislação def‌i ciente com
relaçãoa estas tecnologias, deixando a mulher à mercê dos médicos; comoditização da reprodução por
meio do comércio já que uma criança pode ter mais do que cinco pais (doador do esperma, doadora do
óvulo, mãe de aluguel e o casal que vai cuidar da criança). Assim, as leis precisam ser implementadas
para esclarecer os direitos e deveres de cada participante no drama da reprodução.
(57) Id. Ibid.
(58) LARA, Knudsen. Reproductive rights in a global context, South Africa, Uganda, Peru, Denmark,
United States, Vietnam, Jordan. [s. l.]: Vanderbilt University Press, 2006.
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
ou orientação sexual? Por exemplo, uma mulher de 60 anos pode ter acesso à
tecnologia para engravidar? E casais lésbicos? Quem tem esse direito? O que
acontece quando o uso dessas técnicas envolver não apenas os pais biológicos,
mas também o pai genético doador do esperma, a mãe genética doadora do
óvulo ou a mulher que engravida da criança, a mãe substituta, mas não tem
relação genética com ela? Todos esses indivíduos têm interesses que requerem
que o Estado repense conceitos anteriormente tidos como certos, incluindo a
noção de paternidade. Colocar um limite sobre quem pode usar essas tecnolo-
gias pode resultar em discriminação.
Considerando a ambiguidade do assunto, o controle da natalidade ou a
liberdade pessoal para decidir sobre o próprio corpo são temas que devem se
transformar gradualmente, porque a lei não pode regulá-los de maneira satis-
fatória. Isso não quer dizer que a legislação não deva promover e encorajar a
discussão; alternativas devem ser colocadas para as mulheres serem capazes
de fazer escolhas a respeito de seus corpos. Assim, a adoção do Artigo 14
não é o único caminho para as nações africanas liberarem as mulheres para
controlar sua natalidade. Também é impor tante que as comunidades mudem
sua visão sobre o assunto.
2. Artigo 14(1) (b) – o direito a decidir quantos f‌i lhos ter e quando engravidar
O Artigo 14 (1) (b) garante à mulher africana o direito de decidir sobre
o número de f‌i lhos que deseja e o intervalo entre uma gravidez e outra. Este
direito está assegurado sem recurso aos direitos dos outros, como, por exem-
plo, o direito do pai biológico em tomar decisões a respeito de seus f‌i lhos. A
Proclamação da Conferência de Teerã dá aos “pais” o direito de decidir sobre
o número de f‌i lhos e sobre quando engravidar59. Subsequentemente, os docu-
mentos originários das conferências de direitos humanos – particularmente o
texto da CIPD e da Conferência de Beijing – caracterizam este direito como para
“casais e indivíduos” ou “pais”, e seu exercício deve levar em consideração “as
necessidades de suas vidas e o futuro das crianças e suas responsabilidades
diante da comunidade”60. A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres (A Convenção das Mulheres), em seu
Art. 16(1) obriga os Estados a garantir a homens e mulheres, na condição de
igualdade, os “mesmo direitos para decidir livre e responsavelmente sobre o
número de f‌i lhos e o momento da gravidez”.
A interpretação dessa provisão é que homens e mulheres, com liberdade
e igualdade, têm que def‌i nir o momento de ter f‌i lhos. Isso não signif‌i ca que cada
parte deva decidir de maneira independente, pelo contrário. Já o Artigo 14 (1)
(59) PROCLAMATION of Tehran Final Act of the International Conference on Human Rights. Teerã:
Organização das Nações Unidas, 1968.
(60) ICPD, op. cit., §12; Beijing Conference, op. cit., §95; NAIROBI Forward Looking Strategies for
the Advancement of Women, Nairóbi: Organização das Nações Unidas, 1985.
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Harriet Diana Musoke
(b) dá plena autonomia à mulher, não importando os interesses masculinos,
assumindo que ela é capaz de agir com independência. O Artigo diverge dos
primeiros direitos humanos que responsabilizam homens e mulheres. O progra-
ma de ação do CIPD reconhece que ambos os sexos são parceiros iguais na
vida pública e na privada e têm responsabilidades conjuntas sobre o assunto61.
Apesar das mulheres terem uma maior participação nos assuntos relacio-
nados à reprodução, é importante considerar os interesses masculinos, a f‌i m de
equalizar a decisão a ser tomada. Imaginemos um cenário no qual uma mulher
quer ter oito f‌i lhos e exige auxílio f‌i nanceiro do homem e, se ele se recusa a
tê-los, ela o processa judicialmente para o sustento das crianças. Esta mulher
pode reclamar este direito para ter f‌i lhos? E, como o homem tem o dever de
cuidar dos f‌i lhos, ele deve pagar? O homem pode alegar que ele foi coagido a
ser pai e que não tem o dever de sustentar as crianças?
Outro ponto que chama a atenção é sobre quais interesses devem ser
precedentes em caso de conf‌l itos entre a mulher e o homem ou entre a mulher
e a comunidade. O que acontece se o homem quiser que a mulher tenha f‌i lhos
e ela não quiser? E, se for o caso de a mulher querer e o homem não? As res-
postas a esses questionamentos dependerão das circunstâncias do caso; se o
conf‌l ito é entre o homem e a comunidade, os interesses masculinos prevalecerão,
porque o homem tem um interesse direto e imediato no gozo do direito, qual
seja, ser responsável pelo bem-estar da criança.
No caso do conf‌l ito entre a mulher e a comunidade, o interesse feminino
deveria prevalecer. No entanto, para qualquer decisão, ela deverá considerar as
circunstâncias. O argumento tem como base o dever criado pela Carta Africana
dos Direitos Humanos. Segundo os artigos 2 a 18 deste documento e o Art. 2
do Protocolo das Mulheres, os países são obrigados a eliminar a discriminação
contra as mulheres e a assegurar que elas sejam capazes de gozar de seus
direitos como estipulado nas declarações e convenções internacionais. Ao
mesmo tempo, a Carta, em seu preâmbulo, enfatiza a preservação da família e
da cultura e, em seu Art. 29(7), obriga cada indivíduo a “preservar e reforçar os
valores culturais africanos em suas relações com outros membros da sociedade,
no espírito de tolerância e diálogo e, em geral, contribuir para a promoção do
bem-estar moral da sociedade”.
Quais são os valores africanos “positivos” para serem protegidos? Quem
determina o que é positivo – a comunidade ou o indivíduo? Estas perguntas são
relevantes e não têm respostas precisas. Contudo, um valor positivo na sociedade
africana é a ênfase no dever dos indivíduos para com a sociedade e para com os
outros indivíduos. Este dever é muito importante para a preservação da paz e para
a promoção do bem-estar social. Ele contribui para a construção e manutenção
(61) ICPD, op. cit., §4.24. Também prevê que é essencial melhorar a comunicação entre homens
e mulheres em assuntos relacionados à saúde sexual e reprodutiva e a compreensão das
responsabilidades conjuntas.
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
do bem-estar do indivíduo assim como da sociedade. Uma vez que uma pessoa
saiba que tem um dever para com os outros, ela vai se esforçar para cumprir
com este dever. Este valor positivo tem um importante papel na satisfação das
necessidades básicas do ser humano e na defesa da dignidade das pessoas.
As africanas sentem que têm um dever para com a comunidade. Okinna
Okere af‌i rma que “a concepção africana de homem não é a de um indivíduo iso-
lado e abstrato, mas sim, a de um membro de um grupo imbuído de um espírito
de solidariedade”62. As necessidades individuais de uma mulher, seus direitos,
prazeres e sofrimentos são a trama de um tapete social que nega a individualidade
singular mesmo em assuntos relacionados ao seu corpo63. Outro valor positivo
que a Carta Africana dos Direitos Humanos estima é a família, considerada a
“unidade básica natural da sociedade”64, que inclui a família estendida e é vista
como um lugar onde a moral e a disciplina são transmitidas às crianças. Essa
função é importante e é um meio de assegurar paz e harmonia na comunidade.
Se o conf‌l ito é entre o homem e a mulher, a melhor opção para ambos é
uma solução que penda mais aos interesses femininos. Trabalhar em parceria
com o homem não é uma traição à causa feminina; é inevitável, uma vez que
as mulheres devem trabalhar junto com os homens na construção de parcerias
pessoais, importantes para o desenvolvimento de seu próprio bem-estar moral,
econômico e social. Estas parcerias deveriam ser construídas a partir de uma
estratégia que assegurasse às mulheres não perderem de vista o objetivo de
exercitar seus direitos reprodutivos e sexuais.
Embora a contribuição masculina para o nascimento de uma criança seja
pequena (são as mulheres que engravidam e dão à luz), no longo prazo, essa di-
ferença é apenas relativa, pois, ambos os sexos têm responsabilidade na proteção
e educação dos f‌i lhos, como af‌i rma o Art. 6(i) do Protocolo das Mulheres. O Art.
13(1) deste mesmo documento diz que “ambos os pais têm a responsabilidade
primordial pela educação e desenvolvimento dos f‌i lhos”.
Depois, a sociedade patriarcal da África espera que o homem (ou pai)
seja f‌i nanceiramente responsável pelos seus f‌i lhos. De fato, esta responsabi-
lidade pode ser obrigada judicialmente65. O subartigo deveria considerar como
atribuições de ambos os pais, e não apenas das mulheres, as questões refe-
rentes ao número de f‌i lhos que se deseja ter e ao intervalo entre as gestações.
(62) OKERE, Okinna Bertna. The Protection of Human Rights in Africa and the African Charter on
Human and Peoples Rights: A Comparative analysis with the European and American systems.
Human Rights Quarterly, v. 6, p. 141-148, 1984. Ver também MBAYE, Keba que af‌i rma que “as
leis e deveres têm dois lados da mesma realidade, duas realidades inseparáveis” In: MBAYE, Keb.
International Commission of Jurists, Human and Peoples Rights in Africa and the African Charter.
Geneva: International Commission of Jurists, 1986. p. 27.
(63) V. MBITI, John S. African religions and philosophy. 141, New York: Praeger, 1970.
(64) ACHPR, op cit., Art. 18
(65) No caso Re AylaMayanja Miscellaneous Application n. 2, 2005. A corte de Uganda entendeu que
o pai de uma criança, legítimo ou não, tem o dever de sustentá-la.
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Harriet Diana Musoke
Como povos, os africanos enfatizam o grupo, a identidade e a comunidade66.
Eles acreditam na sobrevivência de toda a comunidade e da família e têm um
grande senso de responsabilidade coletiva, cooperação e interdependência.
Assim, a natalidade é um tema para toda a família e não somente da mulher
como indivíduo, como acontece nas sociedades ocidentais. Não se trata de
um “negócio puramente de mulheres”.
3. Artigo 14 (1) (c) – o direito ao uso de contraceptivos
O Artigo 14(1) (c) prevê que a mulher tenha o direito a escolher qualquer
método contraceptivo, crucial para conciliar a vida sexual com os objetivos de
ter f‌i lhos. Na África, somente 27% das mulheres utilizam contraceptivos67. Este
percentual baixo é atribuído à falta e distribuição desigual de serviços, a limita-
ções tecnológicas e à falta de conhecimento68. De acordo com a Organização
Mundial da Saúde, o direito de acesso a métodos contraceptivos e informação
e educação sobre planejamento familiar deve incluir três componentes: 1)
acesso físico, isto é, contraceptivos devem estar disponíveis para as mulheres
que desejam utilizá-los; 2) informação, de modo que as mulheres conheçam as
vantagens e os efeitos colaterais do método contraceptivo e; 3) os programas
de planejamento familiar devem ter como uma de suas metas assegurar a in-
dependência feminina na tomada de decisão sobre a reprodução69.
O direito ao uso de contraceptivos é um assunto com aspectos positivos e
negativos para as africanas. Enquanto liberta a mulher do medo de uma gravidez
não planejada, ele a expõe a potenciais riscos de saúde e deixa nas mãos de
médicos o controle efetivo da decisão sobre como e quando usar contracep-
tivos, porque não há uma def‌i nição com relação à quantidade de informação
que uma mulher precisa para fazer sua escolha, e porque o médico pode reter
a informação que ajudaria a mulher a escolher. A aplicação desse direito está
constantemente ameaçada pelos valores paternalistas e patriarcais, de maneira
que, para a mulher ter acesso à contracepção, ela continua a depender mais da
vontade do médico do que da garantia de um direito70.
Em muitas sociedades africanas, a organização social desencoraja a
adoção de métodos contraceptivos e defende altas taxas de natalidade71. O uso
(66) COBBAH, Josiah A. M. African Valuesand the Human Rights Debate: an African Perspective.
Human Rights Quarterly, v.9, n.3. p. 309-331, 1987.
(67) Disponível em:
CP2003_pressrelease.htm>. Acesso em: 26 out. 2007.
(68) Disponível em: . Acesso
em: 26 out. 2007.
(69) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Maternal Mortality Rate: Tabulation of Available Information.
2nd Edition, Geneva: WHO, 1986.
(70) DOUGLAS, Gillian. Law, fertility and reproduction. London: Sweet and Maxwell, 1991. p. 41.
(71) WORLD HEALTH ORGANIZATION Report. Disponível em:
77
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
de contraceptivo varia em níveis nacional, regional, comunitário e individual72.
No plano nacional, quando disponível, somente mulheres casadas, com o con-
sentimento escrito de seus maridos, podem ter acesso a contraceptivos. Muitas
mulheres ativas sexualmente e solteiras não procuram serviços de contracepção
com medo de f‌i carem estigmatizadas socialmente ou por temerem o julgamento
dos prof‌i ssionais que atuam nestes serviços. Há também problemas associados
com a falta de privacidade, alto custo e situação econômica73. Por exemplo, um
estudo no Quênia mostrou que a aprovação masculina para o planejamento
familiar é mais importante do que a feminina; a perspectiva do homem tem
uma importância muito grande no uso ou não de contracepção74. Ainda no nível
nacional, as políticas contraceptivas são fracas porque os políticos e burocratas
acreditam que ainda há pouca demanda para elas75.
No plano comunitário, o casal sofre pressão de outros personagens rele-
vantes como o clã e seus pais76, os quais assumem um interesse sobre assuntos
ligados à fertilidade do casal. A comunidade pode se opor ao uso de contraceptivos,
vistos como um caminho ocidentalizado para destruir a África. Com relação ao nível
individual, antes de usar um contraceptivo, a pessoa deve decidir se quer ter f‌i lhos
e quando, e qual método que pretende usar. Ainda nesse plano, a relação de força
entre homens e mulheres e as normas culturais sobre a posição feminina na África
ditam a natureza e a maneira de usar o contraceptivo. Estudos demonstram que
programas de contracepção não têm sucesso na África porque não consideram
a relação de forças entre os parceiros77, relação que está ligada à comunicação
efetiva entre o casal. Mas, como a maioria das mulheres africanas vive em áreas
rurais e não tem um nível de educação alto, o homem, o líder da casa, quase não
é desaf‌i ado em suas decisões. O direito da mulher de decidir qual contraceptivo
usar não dará frutos a menos que sejam mudadas para melhor as relações de
poder e que não haja mais medo dos sogros e da comunidade. Em um estudo
na Gâmbia, descobriu-se que as mulheres utilizam contraceptivos para controlar
o intervalo entre as gestações e não para controle da fertilidade; mesmo assim,
uma mulher irá parar de usá-los imediatamente, se temer que o seu parceiro ache
que ela está tentando restringir o número de f‌i lhos78.
Como visto, o uso de contraceptivos não é uma prerrogativa apenas das
mulheres e a mulher africana pode cometer erros ao decidir sobre esse assunto.
(72) FACTORS affecting contraceptive use in Sub-Saharan Africa. Disponível em:
edu/catalog.php?record_id=2209>
(73) Id. Ibid.
(74) KIMUNA, Sitawa; ADAMCHAK, Donald. Gender relations: Husband-Wife Fertility and Family
Planning Decisions in Kenya. Journal Of Biosociology Science, v. 33, p. 13-23, 2001.
(75) Id. Ibid.
(76) Disponível em: .
Acesso em: 14 nov. 2007.
(77) YAW, Oheneba-Sakyi; TAKYI, Baffour. Effects of Couples Characteristics on Contraceptive usein
Sub-Saharan Africa: The Ghanaian example. Journal of Biosociology Science, v. 29, p. 33-49, 1997.
(78) BLEDSOE, Caroline. Constructing Natural Fertility: The Use of Western Contraceptive
Technologies in Rural Gambia. Population Development Review, n. 20, p. 81-113, 2000.
78
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Harriet Diana Musoke
Com toda a oposição e as diferentes visões, as nações africanas e suas mu-
lheres vão enfrentar dif‌i culdades, pois terão que equilibrar todos os pontos de
vista para a harmonia da comunidade.
4. Artigo 14(1)(d) e (e) – o direito de ser informada sobre o parceiro
O Artigo 14(1)(d) e (e) do Protocolo das Mulheres garante a elas o direito
de serem informadas sobre sua saúde e sobre a saúde de seu parceiro, princi-
palmente se infectados por doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o vírus
HIV. Antes da adoção do documento, os países africanos vinham implementando
mecanismos para a redução das taxas de infecção. Em 1994, com a Declaração
da Tunísia sobre a AIDS e a Criança na África79, em 1996, com a Declaração
de Abuja sobre HIV/AIDS, Tuberculose e outras Doenças Infecciosas80 e, mais
recentemente, em 2004, com Declaração de Igualdade de Gênero81, as nações
africanas concordaram em promover a igualdade de gênero e o empoderamento
das mulheres em todos os níveis.
A Plataforma de Ação de Beijing reconhece que a subordinação social da
mulher e a relação de forças desigual em favor dos homens são determinantes
na vulnerabilidade feminina ao vírus da AIDS82. A Organização Mundial da Saúde
também destacou que:
HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis, uma transmissão que,
algumas vezes, é consequência de violência sexual, têm efeitos devastadores sobre
a saúde da mulher... Elas normalmente não têm poder para insistir na prática do
sexo seguro e responsável e têm pouco acesso à informação e aos serviços de
prevenção e tratamento83.
As consequências do HIV/AIDS vão além da saúde feminina, invadindo
a maternidade, seu papel de cuidadora e sua capacidade de contribuir f‌i nan-
ceiramente com a família. Além disso, a falta de acesso a serviços de saúde
de reprodução faz com que as doenças sexualmente transmissíveis não sejam
detectadas, deixando as mulheres ainda mais suscetíveis ao HIV. A prevenção
da AIDS e de outras doenças sexualmente transmissíveis é central na garantia
dos direitos das mulheres.
(79) Adotada pela Organização da Unidade Africana (sigla eminglês, OAU), durante a Assembleia dos
Chefes de Estado e de Governo, em Tunis, Tunísia, 1994, a Resolução sobre Relatórios Regulares
de Status na OAU sobre a Implementação das Declarações sobre HIV/AIDS na África. 30ª Sessão
Ordinária, 13 a 15 de junho, 1994. Disponível em: < http://www.africa-union.org/Off‌i cial_documents/
Heads%20of%20State%20Summits/hog/4HoGAssembly1994.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2012.
(80) Adotada na 32a. Sessão Ordinária da Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo da OAU,
1996. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2012.
(81) Adotada em Maputo pela Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo da OAU, 10
a 12 de julho, 2003. Disponível em:
AfricaSolemnDec04.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2012.
(82) A Conferência de Beijing, op. cit., §98, reconhece que as mulheres são mais vulneráveis física
e biologicamente ao vírus HIV do que os homens, especialmente em países em desenvolvimento.
(83) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Sexual and Reproductive Health Research Priorities for
WHO for the period 1998-2003, 1997. p. 4-5.
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Esse subartigo tem dois componentes: o primeiro garante à mulher o direito
à informação sobre sua saúde. A relação médico/paciente obriga o prof‌i ssional
a informar à paciente qual sua doença e qual tratamento será feito. O segundo
componente garante e autoriza a mulher a conhecer a situação da saúde de
seu parceiro, especialmente se ele estiver infectado com o HIV. A dif‌i culdade
deste subartigo está neste segundo item. O problema prático é: uma mulher
pode perguntar ao seu marido ou parceiro se ele é soropositivo? O Artigo af‌i rma
que a mulher, como um indivíduo, deve ser informada a f‌i m de que ela decida
conscientemente sobre continuar o relacionamento ou sobre ter ou não relações
sexuais (com ou sem proteção).
O subartigo não enfrenta a questão de que a maioria das mulheres africa-
nas não tem poder para fazer tais questionamentos84. Muitas vezes, quando uma
mulher pergunta ao seu parceiro se ele é soropositivo ou se pede a ele para usar
preservativos, ela sofre violência doméstica85. Em outros casos, ela é f‌i nanceira-
mente dependente do parceiro e não pode abandoná-lo; então, tem de conviver
com ele, independentemente de suas condições de saúde. Além disso, algumas
mulheres respondem às expectativas sociais, pelas quais, uma mulher deve cuidar
de seu parceiro caso ele seja HIV positivo, e pode ser banida se assim não o f‌i zer.
O compartilhamento de informação garantido pelo subartigo deve ser feito
de acordo com as práticas e normas internacionais. Segundo o parágrafo 15(a)
do Sumário das Diretrizes Internacionais sobre HIV/AIDS e Direitos Humanos, a
proteção dos direitos humanos é essencial para uma resposta positiva à AIDS,
uma “resposta efetiva requer a implementação de todos os direitos humanos,
civis e políticos, econômicos, sociais, culturais e liberdades fundamentais, de
acordo com os atuais padrões internacionais de direitos humanos”86. Em seguida,
o documento [5(c)] af‌i rma que:
Leis gerais sobre conf‌i dencialidade e privacidade devem ser promulgadas. Informa-
ções pessoais relativas ao HIV devem ser incluídas na def‌i nição de dados pessoais
da relação médico/paciente para proteção e devem ser proibidos a divulgação ou
o uso sem autorização de informações pessoais relacionadas ao HIV87.
Considerando essas diretrizes, como o direito garantido pelo subartigo
pode se reconciliar com a garantia ao direito à privacidade que ambos os
parceiros têm e que é protegido por instrumentos internacionais de direitos
humanos? Como f‌i ca o tema da conf‌i dencialidade de dados médicos e da
relação médico/paciente? Temos aqui um conf‌l ito entre dois instrumentos
internacionais que é problemático, pois ameaça a coerência e a efetividade
(84) BANDA, Fareda. Blazing a Trail: The African Protocol on Women’s Rights Comes into Force.
Journal Of African Law, v. 50, n. 1, p. 72-84, 2006. Isso, no entanto, não signif‌i ca que a mulher não
tenha poder para decidir.
(85) Ver
(86) THE INTERNATIONAL Guidelines on HIV/AIDS and Human Rights. Disponível em:
unaids.org/Publications/IRC-pub07/jc1252-internguidelines_en.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2012.
(87) THE INTERNATIONAL Guidelines on HIV/AIDS and Human Rights. op. cit.
80
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da lei. Pode-se argumentar, é claro, que diretrizes não são um “instrumento
internacional” no sentido estrito da palavra, porque elas não são vinculantes,
são apenas referências para os países. Esta argumentação, no entanto, não é
muito útil. Pelo fato de que as diretrizes são resultados de esforços das Nações
Unidas, elas são igualmente vinculantes para todos os Estados-membros da
ONU. Para resolver esse possível conf‌l ito, as nações africanas têm que legislar
considerando todas as possibilidades de tensão e buscar um equilíbrio, o qual,
deve assegurar a conf‌i dencialidade e a privacidade das partes envolvidas.
A Diretriz 4 prevê que a legislação criminal não deve considerar como
delitos específ‌i cos a transmissão deliberada e intencional do HIV; ela deve
aplicar infrações gerais para esses casos excepcionais88. Ao determinar que
é um direito feminino saber se o parceiro é soropositivo ou não, se o parceiro
esconde essa condição, a violação da sua privacidade será um delito penal
para o qual o Estado é obrigado a def‌i nir uma punição. A f‌i m de se adequar
à Diretriz 4, os países africanos deveriam obrigar todos a fazerem o teste de
detecção do vírus da AIDS? Como os países irão provar que uma pessoa
sabia de sua condição de soropositiva antes de ter relações sexuais com sua
parceira? Será que isso não agravaria o problema, conduzindo as pessoas
à clandestinidade e a evitarem o teste? As nações africanas estão diante de
um dilema, especialmente porque a maioria das pessoas infectadas pelo HIV
está na África e não sabe que é soropositiva.
Somando-se à questão da privacidade e da criminalização, o subartigo
também cria um outro dilema em relação à informação, pois obriga o Estado
a informar a mulher sobre a condição de saúde de seu parceiro. O subartigo
entende que o Estado conhece todos os parceiros das mulheres de modo
a ser capaz de disponibilizar a informação para elas. Como o Estado pode
conhecer e mesmo monitorar os parceiros? Como o Estado pode conhecer o
parceiro em casamentos polígamos e relacionamentos que não são registrados
of‌i cialmente? Mesmo que todos os casamentos sejam documentados, seria
demais pedir ao Estado que monitore os parceiros. Além do mais, muitos casais
simplesmente moram juntos. O Estado vai impingir o direito a estes casais?
Como irá rastreá-los? Considerando-se os parcos recursos que muitos países
africanos têm, seria criar um retrocesso na implementação desse direito, pois,
os governos poderiam alegar que faltam recursos para monitorar os parceiros.
O subartigo não impõe obrigações expressas aos atores não estatais. Por
que o dever de informar não foi colocado para o parceiro ou esposo ou doutores
e hospitais, ao invés de ao Estado? Essa omissão de não comprometer atores
não estatais signif‌i ca que eles não podem ser responsabilizados. Com isso, as
obrigações do Estado não podem ser adequadamente realizadas, pois, existem
muitos outros deveres estatais mais importantes do que controlar relações.
(88) Id. Ibid.
81
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
5. Artigo 14(2)(c) – o direito ao aborto médico em circunstâncias
excepcionais
Esse subartigo obriga os Estados a proteger os direitos reprodutivos das
mulheres, autorizando o aborto médico em casos de violência sexual, estupro,
incesto e quando a continuação da gravidez coloca em risco mental e físico a
saúde da mulher ou sua vida ou a do feto. Em outras palavras, implica que o
Estado não deve permitir que toda grávida se submeta a um procedimento mé-
dico seguro a não ser sob determinadas circunstâncias (exceções ao aborto),
sem nenhuma ligação com suas prioridades e aspirações. Ao colocar exceções
ao direito ao aborto, def‌i nindo quando e como ela pode fazê-lo, este subartigo
viola o direito à segurança da pessoa estipulado no Art. 4(1) do Protocolo das
Mulheres89, pois força uma mulher que não quer continuar com a gravidez e
que não se enquadra nas exceções a optar por tratamentos inadequados para
interromper a gestação90. Em outras palavras, trata-se de discriminação. De acor-
do com a Convenção das Mulheres, “discriminação contra mulheres” inclui leis
que “tenham o efeito ou o propósito de impedir a mulher de gozar de quaisquer
outros direitos humanos ou liberdades fundamentais baseadas na igualdade”91.
Ao criar exceções a este direito, o subartigo não apenas viola alguns direitos
femininos, como também é discriminatório.
Não permitir que as mulheres decidam se a gravidez foi resultado de estupro,
incesto ou violência sexual é uma ameaça tanto física como emocional. A mulher
deve aguardar uma decisão judicial que vai def‌i nir se sua gestação é decorrente
de um crime, porque as exceções, para a realização do aborto médico, são delitos
penais que, primeiro, têm que ser provadas. Por outro lado, mesmo que se admita
que não há nenhuma exigência de julgamento, antes da mulher poder fazer um
aborto legal, existem atrasos decorrentes da espera da decisão sobre se a mulher
se enquadra nas exceções. Essa é uma dif‌i culdade para as mulheres.
Outro ponto diz respeito a quem determina que a gravidez representa um
perigo à saúde da mulher, o que também é um empecilho ao exercício do direito
ao aborto. Em muitos países, essa é uma atribuição de um comitê de especialistas
(89) Art. 4(1): “Toda mulher tem direito ao respeito a sua vida e à integridade e segurança de sua
pessoa. Todas as formas de exploração, punição ou tratamento cruéis, inumanos ou degradantes
devem ser proibidos”.
(90) Não há dúvida de que, apesar da criminalização do aborto, muitas mulheres já se submeteram
a abortos ilegais. As estatísticas mostram que 13% das mulheres africanas morrem em decorrência
de complicações de abortos ilegais. Disponível em:
regionalcommittee/pr20030904.html>. Acesso em: 26 out. 2007.
(91) A Convenção das Mulheres foi adotada em 18 de dezembro de 1979 e entrou em vigor em
3 de setembro de 1981. Def‌i ne a discriminação contra as mulheres “considerando a igualdade
entre homens e mulheres, como qualquer distinção, exclusão ou restrição feitas com base no sexo,
que tenham o efeito ou o propósito de prejudicar ou anular o exercício dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais políticas, econômicas, sociais, culturais, civis ou de qualquer outro campo,
pela mulher, independentemente de seu estado civil.”
82
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Harriet Diana Musoke
que deliberam sobre o caso e fazem uma recomendação92, o que leva a atrasos
com consequências físicas, emocionais e psicológicas. Mesmo considerando que
os comitês sejam permanentes, não há garantia de que eles apliquem os mesmos
padrões para todos os casos. A única forma de resolver esse contratempo seria
deixar que a mulher decida de acordo com suas circunstâncias.
O gozo desse direito enfrenta muitas resistências de líderes religiosos.
Muitos dos argumentos para limitar o aborto estão baseados na proteção dos
direitos da criança não nascida ou do feto. A Igreja Católica Romana, em particu-
lar, defende que o direito ao aborto, garantido no Protocolo das Mulheres, é um
objetivo malévolo e um ataque aos mais indefesos membros da sociedade – as
crianças não nascidas. O direito reivindicado vai ao encontro das aspirações
positivas da vida, representadas na herança cristã e nas tradições africanas.
Por outro lado, ativistas feministas argumentam que as mulheres deveriam
ter direito ao aborto porque o corpo da mulher não é do Estado, nem dos médicos,
nem do marido, parceiro ou pai da criança, não é dos líderes religiosos ou da
comunidade e, mais importante, não é do feto93. Elas af‌i rmam que o controle do
aborto previsto no subartigo equivale a dizer que as grávidas devem sacrif‌i car sua
liberdade e aceitar os limites a sua autonomia e integridade física para proteger
o feto; que limitar o aborto médico e deixar ao Estado a responsabilidade de
legislar pelo feto é um passo perigoso em direção à negação total da autonomia
da mulher gestante e à entrega do controle sobre o corpo da mulher ao Estado.
Dessa maneira, sendo a grávida competente, a responsabilidade de decidir
sobre o que acontece com o seu corpo deveria ser unicamente dela, com a
qualif‌i cação de que a decisão deve ser tomada considerando as circunstâncias.
Os argumentos apresentados (da igreja e das ativistas feministas) estão
muito distantes uns dos outros e não têm nenhum ponto em comum; ainda é
preciso chegar a um equilíbrio para que esse direito seja realizado. Não se podem
dobrar crenças religiosas e os Estados não convencerão os líderes religiosos a
se curvar em direção aos avanços dos direitos femininos. A maioria dos países
africanos, por outro lado, não pode legislar sobre nenhuma posição veemente-
mente oposta aos preceitos religiosos. As nações africanas, sejam quais forem
suas inclinações, valorizam a religião e não iriam contra seus ensinamentos.
Se os Estados legislarem como prevê o subartigo, os líderes religiosos irão
protestar; se não, quem protestará serão as feministas, que acusarão o Estado
de não estar cumprindo com suas obrigações. Isso leva a África a um dilema.
(92) Em Uganda, três médicos qualif‌i cados determinam os riscos, segundo o Código Penal.
(93) OVERALL, Christine. Human reproduciton: principles, practices and policies. Toronto: Oxford
University Press, 1993. p. 37.
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Direitos sexuais e reprodutivos: uma crítica ao Artigo 14 do Protocolo...
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho abordou questões relacionadas ao Artigo 14 do Protocolo
das Mulheres, destacando os desaf‌i os para sua implementação. Especif‌i camen-
te, explicitou-se que a abordagem individualista do Artigo não será facilmente
aceita na sociedade africana.
O texto analisado é um instrumento bem-vindo que trata de assuntos
relativos às mulheres, os quais por um longo tempo não f‌i zeram parte das
agendas regionais e internacional. Ele garante os direitos reprodutivos e sexu-
ais femininos, porém, em uma linguagem ambígua e vaga, o que tornará sua
implementação embaraçosa.
O Artigo 14 é baseado na hipótese de que a mulher na África é um indivíduo
à parte da comunidade e que pode decidir sobre seu corpo independentemente
dos interesses da sociedade. Trata-se de um ar tigo bastante ambicioso que não
mostra uma perspectiva africana dos direitos das mulheres. Uma mulher não é
uma entidade totalmente independente, desconectada da sociedade na qual vive.
Tampouco ela é um simples componente em uma máquina impessoal na qual
seus valores, objetivos e aspirações estão subordinados aos da coletividade. Ela
é um pouco das duas coisas e, se seus interesses forem genuinamente respei-
tados, ela deveria ter a chance de decidir, considerando suas responsabilidades
e deveres com relação à comunidade.
Enquanto defensores da ratif‌i cação e inter nalização do Protocolo das Mu-
lheres pelos países africanos, os ativistas devem compreender que as mulheres
da África se reconhecem apenas por meio de suas conexões com os outros e
que as comunidades existem somente pelo relacionamento sinérgico com suas
mulheres. Para efetivar as mudanças nas comunidades, de modo a permitir que
as mulheres exerçam livremente seus direitos reprodutivos e sexuais, as africa-
nas devem promover essas relações dinâmicas e transformadoras, encorajando
o diálogo entre as mulheres e a sociedade. Os direitos reprodutivos e sexuais
devem ser introduzidos nas comunidades como uma esperança para que as
vozes silenciosas das africanas possam ser ouvidas. Assim, as comunidades
vão se desenvolver melhor.
Esses direitos devem ser abordados de maneira a permitir que os legisla-
dores tenham como foco não apenas a mudança de leis discriminatórias, como
também a elaboração de políticas públicas que atendam às necessidades sociais,
econômicas, culturais e educacionais das mulheres. Isso somente poderá ser
feito com a clara compreensão sobre o que signif‌i cam direitos reprodutivos e
sexuais para a mulher na África e sobre quais são as visões da comunidade
na qual a mulher vive.
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Harriet Diana Musoke
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