Direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas347-383
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DIREITOS SOCIAIS, DIREITOS DE NACIONALIDADE,
DIREITOS POLÍTICOS E PARTIDOS POLÍTICOS
8.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
Como mencionamos em outras oportunidades, a doutrina tradicional costuma divi-
dir os direitos e garantias fundamentais em 3 (três) categorias distintas, a saber: direitos
fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações. Mencionamos, igualmente, que
referida classif‌icação, como ressalta boa parte dos doutrinadores pátrios, tem em conta a
ordem histórico-cronológica em que tais direitos fundamentais passaram a receber expresso
amparo das constituições.
Também já vimos, por outro lado, que a Constituição de 1988, ao tratar dos direitos
e garantias fundamentais, ao invés de dividi-los em 3 (três) gerações (ou dimensões), pre-
feriu dividi-los em 5 (cinco) categorias distintas: direitos e deveres individuais e coletivos
(Capítulo I), direitos sociais (Capítulo II), direitos relativos à nacionalidade (Capítulo III),
direitos políticos (Capítulo IV) e direitos relacionados aos partidos políticos (Capítulo V).
No Capítulo 7, estudamos os chamados direitos e deveres individuais e coletivos, ex-
pressamente estabelecidos pelo artigo 5º, da Carta Magna (Título II, Capítulo I), com exceção
dos chamados remédios constitucionais, que serão estudados no Capítulo 9 desta obra. Já
no Capítulo que ora se inicia, cabe-nos examinar os demais direitos e garantias fundamen-
tais em espécie, expressamente tutelados no Título II, de nossa Lei Maior. São eles: direitos
sociais; direitos relacionados à nacionalidade; direitos políticos; e direitos que envolvem a
criação e funcionamento de partidos políticos. É o que faremos a seguir.
8.2 DIREITOS SOCIAIS
No Capítulo 6, vimos que os direitos fundamentais surgiram com a necessidade de
proteger o homem do poder estatal, a partir dos ideais advindos do Iluminismo. Contudo,
vimos igualmente que, na atualidade, referidos direitos também têm outras funções, dentre
as quais a de garantir aos indivíduos as denominadas liberdades positivas, ou seja, o conjunto
de direitos que impõe ao Estado a prática de diversas ações, visando à obtenção da igualdade
substancial entre os indivíduos.
Com efeito, como já demonstramos, em outras oportunidades, os diversos Estados
internacionais têm ampliado consideravelmente o conteúdo de suas constituições, buscando
trazer para o corpo delas alguns temas que, à época do liberalismo clássico, não f‌iguravam
naqueles diplomas normativos. Esse fenômeno coincidiu com o surgimento do denomi-
nado Estado social (Welfare State), iniciado com a Constituição Mexicana de 1917, porém
notabilizado com a Constituição de Weimar (atual Alemanha) de 1919.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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Portanto, as cartas magnas de muitos países passaram a prever, de maneira cada vez
mais intensa, diversas hipóteses de intervenção estatal na vida privada. Ao invés de conter
apenas regras de regência do Estado e de proteção dos indivíduos contra o poder estatal,
passaram também a conter um conjunto de normas de ordem social, cultural e econômica,
tanto para a redução das desigualdades sociais, como também para incentivar o desenvol-
vimento nacional.
De fato, como já asseveramos em outras ocasiões, o simples reconhecimento de direitos
individuais nem sempre é suf‌iciente para que os indivíduos possam efetivamente gozá-los,
tamanha a desigualdade que ainda existe no meio social, tornando-se indispensável, portanto,
que o Estado também consagre um conjunto de direitos destinados justamente à obtenção,
tanto quanto possível, da igualdade material entre as pessoas. Estes são os chamados direitos
sociais, econômicos e culturais (também conhecidos como direito e garantias fundamentais
de segunda geração ou dimensão).
Assim, somadas às chamadas liberdades negativas, ou seja, ao conjunto de direitos con-
feridos aos indivíduos que os protegem contra eventuais arbitrariedades do poder estatal,
passaram também a integrar as diversas constituições, as denominadas liberdades positivas,
o conjunto de direitos que, amparados no princípio da dignidade humana, impõe ao Estado
a prática de diversas ações, visando à obtenção da igualdade substancial (não mais apenas
formal) entre os indivíduos.
Justamente por se tratar de ações (prestações positivas) que devem ser prestadas pelo
Estado, esses direitos são também chamados de direitos de promoção ou direitos prestacionais1.
Na lição de Alexandre de Moraes,2 os direitos sociais
“são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em
um Estado Social de Direito, tendo por nalidade a melhoria de condições de vida aos hipossucientes, visando à concretização
da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º,IV, da Constituição Federal.
Como mencionamos, os direitos sociais estão fortemente vinculados ao chamado
princípio da dignidade humana, apontado pela doutrina como a fonte primordial de todo
o ordenamento jurídico, e, sobretudo, dos direitos e garantias fundamentais, notadamente
os direitos sociais. O princípio da dignidade humana, em apertada síntese, exige que o
indivíduo seja tratado como um f‌im em si mesmo, que seja encarado como a razão de ser
do próprio ordenamento, impondo não só ao Estado, como também aos particulares, que
o respeitem integralmente, evitando qualquer conduta que degrade sua condição humana.
Os direitos fundamentais, e, por consequência, os direitos sociais, têm um caráter uni-
versal, destinando-se à proteção de todo o gênero humano, benef‌iciando não só os brasileiros,
como também os estrangeiros que se encontrem no território nacional. Entretanto, como
nos lembra Marcelo Novelino,3 a despeito de benef‌iciarem a todos os indivíduos, os direitos
sociais destinam-se precipuamente à proteção dos hipossuf‌icientes e dos mais fragilizados, estes
últimos podendo ser def‌inidos como os maiores de idade dependentes, em maior grau, das
prestações materiais promovidas pelo Estado.
1. Nesse sentido, por exemplo, é a lição de Marcelo Novelino: O atendimento a direitos como educação, saúde, trabalho,
moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados (CF, art.
6º) exige dos poderes públicos prestações positivas (direitos de promoção ou direitos prestacionais). Direito constitucional.
4. ed. Método, 2010, p. 469.
2. Direito constitucional. 26. ed. Atlas, 2010, p. 35.
3. Op. cit., p. 469-470.
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8 • dIREItoS SoCIAIS, dIREItoS dE NACIoNAlIdAdE, dIREItoS PolítICoS E PARtIdoS PolítICoS
Em se tratando de espécie do gênero direitos e garantias fundamentais, também se
aplica aos direitos sociais a regra geral do artigo 5º, § 1º, de nossa Constituição Federal, que
prevê a aplicabilidade imediata dos direitos desta natureza, sendo possível, por exceção, a
existência de direitos sociais que dependam da edição de lei regulamentadora para que possam
ser efetivamente aplicados, desde que o próprio texto constitucional assim o determine4.
No caso de omissão legislativa, que inviabilize o exercício de um determinado direito
social, será possível a impetração de mandado de injunção, tanto individual como coletivo
(vide Capítulo 9 deste livro). Ademais, também será possível falar-se na propositura de ação
civil pública, pelos seus diversos legitimados, para compelir o Poder Público a colocar em
prática políticas públicas que garantam o gozo daqueles direitos, notadamente naqueles
casos em que a própria Carta Magna ou a lei impõe a aplicação de certos percentuais de
receitas tributárias na consecução daqueles f‌ins, ou quando houver previsão orçamentária
para a sua implementação.
Conforme preceitua o artigo 6º, da Lei Maior, são direitos sociais: a educação, a saúde,
a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma do texto
constitucional.
Esclareça-se, nesta oportunidade, que o direito à moradia foi acrescentado ao dispo-
sitivo constitucional pela Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000; o direito
à alimentação, pela Emenda à Constituição 64, de 4 de fevereiro de 2010; e o direito ao
transporte, pela Emenda Constitucional 90, de 15 de setembro de 2015.
O direito social à educação é disciplinado, de forma mais detalhada, a partir do artigo
205, de nossa Constituição Federal. Nos expressos termos deste dispositivo constitucional,
a educação, que é direito de todos e dever do Estado e da família, deverá ser promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualif‌icação para o trabalho5.
O direito à saúde, por sua vez, encontra tratamento constitucional nos artigos 196
e seguintes, da Carta Magna. Segundo o artigo 196, de nossa Lei Fundamental, a saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, norma constitucional que
deixa claro, a um só tempo, que o Poder Público tem o dever de garantir a universalização
do serviço público de saúde, e que este serviço deve ter caráter não só recuperador, como
também preventivo, de modo a evitar que doenças e epidemias se instalem no corpo social.
O direito à alimentação, como mencionado anteriormente, foi acrescentado ao texto do
artigo 6º, da Constituição da República, pela Emenda Constitucional 64, de 4 de fevereiro
de 2010. Referido acréscimo, a toda evidência, teve por objetivo conceder status de direito
social (e, portanto, de direito fundamental) à chamada segurança alimentar, de maneira a
compelir o Estado a promover, em caráter permanente, políticas públicas afastem, de uma
vez por todas, o f‌lagelo da fome neste País, sobretudo em seus rincões mais pobres.
4. É o caso, por exemplo, do que dispõe o artigo 7º, inciso XIX, de nossa Lei Maior, nos seguintes termos: “São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: licença-paternidade, nos
termos f‌ixados em lei”.
5. Súmula vinculante 12, do Supremo Tribunal Federal: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola
o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”.
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