Disciplina Jurídica da Flora Brasileira

AutorRaul Miguel Freitas de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor Doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP, na cadeira de Direito Administrativo, Ambiental e Sanitário
Páginas15-137

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1. 1 Conceito de flora e floresta

A proteção ou preservação da flora e, consequentemente, das florestas encontra-se explicitada no texto da Constituição Federal em dois dispositivos, o inciso VII do artigo 23, e o inciso VII, do § 1º, do artigo 225, nos seguintes termos:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
(...)

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. [grifo nosso]

Na redação do inciso VII, do artigo 23 supratranscrito, denota-se que o legislador constitucional utilizou as palavras “florestas” e “flora”, levantando dúvida quanto aos seus significados, ou seja, se esses termos designam ou não um mesmo objeto da preservação decorrente do exercício da competência material dos entes da federação.

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A doutrina é profícua nessa discussão, tanto que, para Wellington Pacheco Barros1, “Flora é o conjunto de espécies vegetais que compõem a cobertura vegetal de uma determinada área”, enquanto “florestas, consideradas em si mesmas, são áreas com alta densidade de árvores”. Para tal doutrinador, ainda, “a uma pequena floresta também se dá o nome de mata”.

Paulo Affonso Leme Machado2cita que a Medida Provisória nº
2.166-67/2001 define floresta como “vegetação cerrada constituída de árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de terreno”. Entretanto, não se localiza no texto da última publicação da aludida norma essa definição.

Celso Antonio Pacheco Fiorillo3entende que os termos flora e floresta não possuem o mesmo significado na Constituição Federal, pois “o primeiro é coletivo que engloba o conjunto de espécies vegetais de uma determinada região”, sendo a floresta “um dos conteúdos do continente flora”.

Lembra o doutrinador que o Anexo I, da Portaria nº 486-P do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal - IBDF, definia floresta como “formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa”.

O Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal - IBDF era uma autarquia, vinculada ao Ministério da Agricultura, que foi criada pelo Decreto-Lei nº 289, de 28 de fevereiro de 1967 e extinta pela Medida Provisória nº 28, de 15 de janeiro de 1989, convertida na Lei nº
7.732, de 14 de fevereiro de 1989.

Na definição de Eliana Goulart Leão de Faria4, flora é um “conjunto das espécies vegetais de uma determinada localidade” e “floresta é uma espécie, caracterizada por vegetação densa, com árvores de grande porte, que cobre extensas áreas”.

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Luís Paulo Sirvinskas5conceitua flora como “conjunto de plantas de uma região, de um país ou de um continente” e ressalta seu caráter de ecossistema sustentado, composto pela interação entre seres vivos, fatores energéticos e materiais que a compõem.

O mesmo doutrinador, para explicar floresta, assim se refere ao conceito de Luiz Regis Prado6: “um tipo de vegetação, formando um ecossistema próprio, onde interagem continuamente os seres vivos e a matéria orgânica e inorgânica presentes”, conceito este que se assemelha àquele por ele usado para definir a flora.

Para José Augusto Delgado7, “o conceito jurídico de floresta está concentrado na afirmação de que é uma formação vegetal geralmente densa, em que predominam as árvores ou espécies lenhosas de grande porte”.

Teresa Cristina de Deus8entende que flora é gênero do qual a floresta é uma espécie, ressaltando em relação à primeira a sua função ecológica:

(...) o vocábulo flora deve ser conceituado como o “conjunto das espécies vegetais de um país ou de determinada localidade” onde cada planta tem uma importância fundamental na biocenose, participando com maior ou menor intensidade de diferentes cadeias tróficas. Esse conceito é coletivo, pois engloba florestas, caatingas, cerrados, brejos, mangues, vegetações forrageiras nativas que cobrem os campos naturais, etc. Em outras palavras, a flora é composta de todas as formas de vegetação que, de uma forma ou de outra, são úteis à terra que revestem e mantêm o equilíbrio de determinado ecossistema. [grifo nosso]

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Na mesma linha, para Américo Luís Martins da Silva9realça as interações biológicas existentes na floresta:

Floresta, bosque ou mata (...) é um ecossistema complexo, no qual as árvores são a forma vegetal predominante que protege o solo contra o impacto direto do sol, dos ventos e das precipitações. (...) Portanto, por floresta deve-se entender qualquer sociedade de seres vivos (tanto vegetal como animal) na qual os habitantes mais importantes são as árvores; mais importantes e não necessariamente os mais numerosos (...) [grifo nosso]

José Afonso da Silva10destaca que o termo flora é sempre usado no singular, enquanto floresta é usado no plural, o que reafirma o fato de o primeiro dever ser entendido como um coletivo referente “ao conjunto de espécies vegetais do país ou de determinada localidade”, enquanto o segundo, a floresta, “é um tipo de flora” que se diferencia dos outros tipos por possuir uma característica própria de ser constituída por “vegetação razoavelmente densa e elevada”, compreendendo “formações de grande ou pequena extensão”.

De todas as definições perfiladas, em relação ao termo flora é inegável que deve ser compreendido como um coletivo, um conjunto de espécies vegetais ou plantas.

Portanto, tal coletivo ou conjunto é formado por um objeto bem definido: plantas ou espécies vegetais.

Além do elemento objetivo, no conceito de flora deve-se considerar também o elemento espacial: sempre se refere a determinada região, área, país ou continente.

A definição completa de flora é, assim, de uma coletividade de plantas de determinado território, daí seu caráter também genérico.

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Em relação a floresta, a conclusão é que as definições referem-se ao fato de ser ela, em relação à flora, uma espécie. Se a flora é conjunto de vegetação de determinado território, a floresta é um dos tipos de vegetação que a compõem. Por exemplo, são evidentes as diferenças entre uma floresta e a caatinga, cada qual com suas peculiaridades.

O próprio Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, em seu artigo 1º-A, inciso I e artigo 2º, “caput”, confirmam tal fato pelo uso da expressão “florestas existentes no território nacional e demais formas de vegetação nativa” em suas redações, ou seja, as florestas são uma espécie de vegetação entre tantas outras existentes no território nacional.

Na conceituação de floresta também são adotados elementos descritivos, ou seja, a floresta é:

  1. um tipo de vegetação cuja característica principal seria possuir alta densidade de árvores, geralmente de grande porte;

  2. tais árvores serem os indivíduos mais importantes, sob o ponto de vista biológico;

  3. tal vegetação estar sobre um terreno razoavelmente extenso.

Mesmo tecnicamente se denota que o conceito de floresta é descritivo, conforme confirma a definição abaixo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE11:

Floresta: termo semelhante à mata no sentido popular, tem conceituação bastante diversificada, mas firmada...

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