Discricionariedade administrativa: O controle de prioridades constitucionais

AutorJuarez Freitas
CargoProf. Titular do Mestrado e Doutorado em Direito da PUCRS, Prof. Associado de Direito Administrativo da UFRGS, Pres. do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público
Páginas416-434
Juarez Freitas - Discricionariedade administrativa: o controle de prioridades ...
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ISSN Eletrônico 2175-0491
DiscricionarieDaDe
aDministrativa: o controle De
PrioriDaDes constitucionais
ADMINISTRATIVE DISCRETION: THE CONTROL OF CONSTITUTIONAL PRIORITIES
DISCRECIONALIDAD ADMINISTRATIVA: EL CONTROL DE PRIORIDADES CONSTITUCIONALES
Juarez Freitas1
RESUMO
A discricionariedade administrativa deve ser reconceituada para permitir novo controle sistemático das
políticas públicas, capaz de examinar o cumprimento das prioridades constitucionais. Assim, entende-se
que o conhecimento dos vieses e a estimativa de custos diretos e indiretos integram a nova abordagem
do controle.
PALAVRAS-CHAVE: Discriciona riedade administrativa. Controle. Prioridades constitucionais . Erros
cognitivos.
ABSTRACT
Administrative discretion must be reconceptualized to allow a new systematic control of public policies

biases and estimated direct and indirect costs are part of the new approach of the control.
KEYWORDS: Administrative Discretion. Control. Constitutional priorities. Cognitive errors.
RESUMEN
La discrecionalidad administrativa debe ser reconceptuada para permitir un nuevo control sistemático
de las políticas públicas capaz de examinar el cumplimiento de las prioridades constitucionales. Así, se
entiende que el conocimiento de los sesgos y la estimativa de costos directos e indirectos integran el
nuevo abordaje del control.
PALABRAS CLAVE: Discreciona lidad administrativa. Control. Prioridades constitucio nales. Errores
cognitivos.
INTRODUÇÃO
É inegável a debilidade do controle de prioridades e de consequências das políticas públicas,
seja na formulação, seja na implementação. Em parte, isso ocorre por culpa da concepção errônea e
voluntarista da discricionariedade. Dessa maneira, importa rever o tema, com o ânimo de aprimorar
a sindicabilidade das decisões administrativas. Como é incontendível, a discricionariedade, em nossa
1 Prof. Titular do Mestrado e Doutorado em Direito da PUCRS, Prof. Associado de Direito Administrativo
da UFRGS, Pres. do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público
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Revista NEJ - Eletrônica, Vol. 18 - n. 3 - p. 416-434 / set-dez 2013
Disponível em: www.univali.br/periodicos
cultura, revela-se altamente contaminada pelo patrimonialismo2 (com sua clientelista e perversa
confusão entre o público e o privado), que é exatamente o oposto do que almeja o controle das
decisões administrativas, nos termos aqui propostos.
Essencial, pois, que o escrutínio fundamentado dos atos administrativos, longe de se tornar
paralisante, esteja endereçado à materialização das prioridades relacionadas ao direito fundamental

cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade,
à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas.3 Assim,
toda e qualquer conduta administrativa que conspirar, frontal ou obliquamente, contra esse direito

Nesse prisma, quando houver margem para a escolha de consequências, conferida a sujeito
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margem não se coaduna com os tradicionais favorecimentos, as obras sem planejamentos, os riscos
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Logo, o ato administrativo, com o selo da discricionariedade legítima, será aquele praticado
com a justa apreciação de consequências diretas e indiretas (externalidades). Será legítimo se - e
somente se - guardar vinculação com as regras legais (atribuidoras da liberdade de escolha, sem
exorbitância) e, simultaneamente, com o sistema inteiro (conformador da liberdade como poder
atribuído ao agente para promover deliberadamente a universalização da qualidade de vida, em
consonância com as prioridades constitucionais).
É que não se admitem decisões administrativas que desatendam aos requisitos limitadores da
discricionariedade,4
acervo de direitos e interesses alheios.
Nessa altura, a tese mesmerizada pela suposta intocabilidade das decisões políticas merece ser
descartada, uma vez que o exame de consequências exige invariavelmente o contrapeso intersubjetivo
da sindicabilidade, com todas as ferramentas disponíveis, preservados os valores constitucionais.5
Para ilustrar: a decisão de licitar é discricionária, todavia o certame apenas será considerado
válido se revelar cuidados de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Em outras palavras, a
própria escolha terá de ser sopesada nos seus custos e benefícios diretos e indiretos (por exemplo:
é prioritário investir em transporte coletivo urbano em vez do transporte individual6), medidos com
parâmetros objetiva7 e qualitativamente estipulados.
Outro exemplo: nas licitações, é viável a discricionária revogação, contudo o sistema cuidou de
enquadrá-la, determinando que o agente público ofereça motivação calçada em fatos supervenientes,
2 Vide, sobre o patrimonialismo, Raymundo Faoro in O s donos do poder. Porto Alegre: Globo; São Paulo:
Edusp, 1975. Vide, em abordagem algo diversa (mais estritamente weberiana), Simon Schwartzman
in Bases do autoritarismo brasileiro. Rio: Campus, 1988. Vide, sobre o clientelismo, Victor Nunes Leal
in Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Editora
Alfa-Omega, 1975.
3 Vide Juarez Freitas in Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Admi-
nistração. 2. ed. SP: Malheiros, 2009, p 42 e ss.
4 Vide Aude Bouveresse in Le Pouvoir Discrétionaire dansl´ordre juridiquecommunautaire. Bruxelles:
ÉmileBruylant, 2010,p. 3“ Le pouvoir discrétionaire, en revanche, est astreint à l´observation de ré-
gles et de valeurs prédefenies, il ne peut jamais étre considéré comme juridiquement ilimité déslors
qu´ilpuise sob existence et qu´iltrouveses limites dans une sourcequilui est extérieure – la norme
habilitante – le caractérisant comme um pouvoir legal.”
5 Vide, apenas para mapear aspectos sobre discricionariedade, tensões regulatórias e valores constitu-
cionais, Karen Yeung in Better regulation, administrative sanctions and constitucional values,
Legal Studies, Journal of the Society of Legal Scholars, Vol. 33, Issue 2, 2013, pp 312-339.
6 
7 Vide, nessa linha, art. 4º, III, da Lei de RDC (Lei 12.462/2011): “Nas licitações e contratos de que trata
esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes: III - busca da maior vantagem para a administração
pública, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambien-
tal, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação
econômica e a outros fatores de igual relevância”. Exemplo promissor, nessa linha, veio com a Resolução


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