Discriminação - Dano moral - Ônus da prova - Opção sexual

AutorJuiz João Forte Júnior
Páginas55-65

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SENTENÇA

Vistos, etc. - Relatório:

Adriana Sposito, parte já qualificada nos autos, aforou Reclamação Trabalhista em face de Millward Brown do Brasil Ltda., Spal Indústria Brasileira de Bebidas S/A, Itaú Unibanco S/A, Unilever Brasil Ltda. e Nestlé Brasil Ltda., aduzindo os fatos articulados na exordial às fls. 03/33, formulando as consequentes pretensões de fls. 30/33. Atribuiu à causa o valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) e juntou documentos.

Audiência realizada. Todas as reclamadas apresentaram defesa.

Foram apresentadas preliminares e foi contestado o mérito da demanda.

Foram ouvidos em depoimento pessoal reclamante e preposta da primeira reclamada.

Colhidos os depoimentos de uma testemunha trazida pela reclamante e duas trazidas pela reclamada.

Encerrada a instrução processual.

Razões finais remissivas.

Frustradas as tentativas conciliatórias.

É o relatório.

Passo a decidir.

- Fundamentação: Da inépcia:

Não se configuraram quaisquer dos requisitos previstos no art. 295, parágrafo único do Código de Processo Civil, pelo que não há falar em inépcia.

A petição inicial preenche os requisitos do art. 840, § 1 º da CLT, contendo um breve relato dos fatos dos quais resulta o dissídio.

Por fim importa atentar que a reclamada conseguiu se defender das pretensões do reclamante, pelo que sem prejuízo não há nulidade ao teor do art. 794 da CLT.

Rejeito.

Da carência de ação:

As condições da ação são requisitos mínimos, indispensáveis, para que seja exercido validamente o direito de ação, entendido como o pronunciamento de mérito.

São três as condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse processual e a legitimidade de partes.

Pedido juridicamente impossível é aquele cujo objeto é vedado na legislação pátria, o que não ocorre no caso em apreço.

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Nas lições de Nelson Nery Júnior, "o pedido é juridicamente possível quando o ordenamento não o proíbe expressamente. Deve entender-se o termo 'pedido' não em seu sentido estrito do mérito, pretensão, mas conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (CC 814 caput)"1.

Não havendo vedação no ordenamento, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido.

O interesse de agir, também chamado interesse processual é definido por Alexandre Freitas Câmara "como a utilidade do provimento jurisdicional pretendido pelo demandante"2.

Continua o autor afirmando que "o interesse de agir é verificado pela existência de dois elementos, que fazem com que esse requisito do provimento final seja verdadeiro binômio: 'necessidade da tutela jurisdicional' e 'adequação do provimento pleiteado'"3.

A necessidade da tutela jurisdicional tem por fundamento a proibição da autotutela, de sorte que, havendo resistência no cumprimento de eventual obrigação que a parte reclamante reputa fazer jus, é indispensável a atuação do Poder Judiciário.

Por sua vez, a adequação do provimento pleiteado diz respeito à correta escolha da via processual.

A parte reclamante escolheu a via adequada, buscando a ação própria para ver apreciados os seus reclamos e ainda, a própria resistência manifestada pelo réu demonstra a clara presença da necessidade da tutela jurisdicional.

A legitimidade ativa é a pertinência subjetiva para ajuizar a ação, para compor o pólo ativo da demanda. A parte reclamante é titular dos direitos vindicados na exordial, sendo patente sua legitimidade para eles.

A legitimidade passiva refere-se à pertinência subjetiva para que a parte possa figurar no pólo passivo da demanda. Consoante a teoria da asserção, a legitimidade deve ser aferida de forma abstrata, estando legitimado passivamente aquele em face de quem o direito é postulado, pela simples análise das alegações apostas na petição inicial.

Havendo alegação do autor no sentido de que houve relação empregatícia com a primeira reclamada e que as demais são tomadoras do serviço, pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício com a primeira reclamada e responsabilização das demais, são elas partes legítimas para figurarem na presente ação, sendo a responsabilidade matéria de mérito.

Portanto, presentes as condições da ação, não há que se falar em carência de ação.

Da prescrição:

Rejeito a prejudicial de prescrição arguida pela terceira reclamada, uma vez que a prestação de serviços que se discute na presente demanda ocorreu no lustro que antecede ao ajuizamento da demanda.

Do vínculo empregatício:

Alegou a reclamante que prestou serviços para a primeira reclamada na condição de empregada sem o respectivo registro em CTPS.

A primeira reclamada em defesa alegou que a reclamante realmente prestou serviços, porém na condição de autônoma como entrevistadora.

Admitindo a reclamada a prestação de serviços, atraiu para si o ônus de comprovar a autonomia do reclamante.

Nesse sentido:

"VINCULO EMPREGATÍCIO - ÔNUS DA PROVA. É do empregador o ônus de comprovar a natureza da relação jurídica havida entre as partes quando admitida a prestação de serviços e negado o vínculo empregatício. Entendimento jurisprudencial que se adota para reconhecer a existência do vínculo empregatício entre as partes. Recurso ordinário que se nega provimento." (TRT - 2a Região - Proc. 00723-2009077-02-00-0 - Ac. 20101192350 - 121 Turma - Rel. Des. Lilian Lygia Ortega Mazzeu - DOE 26.11.2010) "Vínculo de emprego. Inversão do ônus. Tendo a ré reconhecido a prestação de serviços, alegando fato obstativo do direito perseguido, relativo a configuração de vínculo empregatício entre as partes, desloca para ela o ônus de prová-lo, nos termos do art. 818, da CLT, c/c 333, II, do CPC." (TRT - 2ê Região

- Proc. 01815-2007-317-02-00-6 - Ac. 20101202908 - 33 Turma - Rel. Des. Silvia Regina Pondé Galvão Devonald

- DOE 26.11.2010)

Não há qualquer comprovação da autonomia da reclamante, ao revés, há clara presença dos requisitos da relação de emprego.

A onerosidade é clara, na medida em que tanto reclamante como preposta afirmaram que o serviço era prestado mediante contraprestação pecuniária.

Quanto à habitualidade, a preposta reconheceu que a reclamante trabalhou de outubro de 2009 a março de 2012 prestando serviços com orientação para trabalhar das 9h às 18h.

Também a pessoalidade restou plenamente presente porquanto a preposta afirmou "que a reclamante não poderia mandar outra pessoa para trabalhar em seu lugar", restando também claro que a reclamante prestava serviços enquanto pessoa física.

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Em relação à subordinação, embora a reclamada tenha alegado autonomia, a própria preposta reconheceu que havia "orientação" quanto aos horários de trabalho, o que não se coaduna com o conceito de autonomia.

Afirmou a preposta que há uma supervisão em relação ao trabalho da reclamante, sendo função dos supervisores "coordenar o trabalho".

Tais supervisores, conforme depoimento da reclamada, "têm a função de orientar e treinar os entrevistadores, bem como informar a cota, ou seja, o perfil do entrevistado".

Confirmou a preposta "que há uma meta por projeto; que os entrevistadores ficam sabendo da meta do projeto, mas não é passada nenhuma meta individual; que o supervisor controla a produtividade no dia-a-dia e se for necessário, indica ao entrevistador a quantidade de entrevistas necessárias".

Resta claro que indicar ao entrevistador a quantidade de entrevistas necessária implica em subordinação, não sendo crível que haja um autônomo com quantidade de trabalho diária estipulada pela reclamada.

A reclamada como afirmado pela preposta é uma empresa que atua na área de pesquisa de mercado e possui apenas dois entrevistadores registrados e em torno de quarenta "autônomos", ou seja, contrata tais pessoas para a sua atividade finalística.

Não é plausível que uma empresa que efetua pesquisas mediante entrevistas possua a imensa maioria de seus entrevistadores (atividade finalística essencial), correspondente a 95,24%, na qualidade de autônomos, da mesma forma que não é razoável que uma indústria metalúrgica com cem trabalhadores possua noventa e cinco operários de metalurgia autônomos.

Aliás, a preposta afirmou "que a única diferença entre o labor do entrevistador registrado e do autônomo é que o registrado marca ponto" e que "o entrevistador registrado é vinculado à mesma supervisão e recebe as mesmas orientações".

Portanto, constato que os empregados recebem as mesmas ordens dos empregados, já que empregados recebem ordens.

Falaciosa a alegação de que a diferença entre autônomo e registrado é a marcação de horários, posto que se tal fato fosse o diferenciador entre empregado e autônomo, não existiriam as hipóteses previstas nos incisos I e II do art. 62 da CLT.

Assim, presentes os requisitos da relação de emprego, reconheço o vínculo empregatício entre reclamante e primeira reclamada, no período de 6.10.2009 a 9.3.2012, incontroverso.

Em relação à função, também é incontroverso que a reclamante atuava como entrevistadora.

Quanto à remuneração, reconheço que a reclamante recebia o valor constante dos recibos de pagamento por ela própria juntados, devendo ser apurada mês a mês, também levando em consideração as relações de trabalhadores juntados pela reclamada em que consta logo abaixo da reclamante o valor mensal recebido. Prevalecerá o maior valor avaliado na comparação dos documentos.

Para a hipótese de ausência de documentos, reconheço que a reclamante recebeu R$ 2.400,00 como narrado na inicial, pois era ônus da reclamada trazer os recibos de pagamento faltantes.

Deverá a reclamada anotar o período contratual (6.10.2009 a 9.3.2012), função (entrevistadora) e salário (variável por entrevistas) na CTPS da reclamante.

Para viabilizar a anotação da sua CTPS, o autor deverá juntá-la aos autos em cinco dias após o trânsito em julgado da presente decisão.

Após tal ato, a reclamada será intimada para cumprir a obrigação de fazer no prazo de cinco dias.

Ainda...

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