Disposições gerais

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas263-274

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147. Normas do processo de conhecimento

Processo de conhecimento e processo de execução não são figuras antagônicas e inconciliáveis. Ao contrário são instrumentos que se completam no exercício da função pública de jurisdição. Subordinam-se a princípios comuns e se destinam a um mesmo fim: manutenção efetiva da ordem jurídica.

O novo Código de Processo Civil adotou uma Parte Geral, comum a qualquer procedimento, e, na Parte Especial, tratou, no Livro I, "do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença" e, no Livro II, "do processo de execução".

Mas, determinou no art. 771, parágrafo único,1que se aplique subsidiariamente à execução as disposições que regem o processo de conhecimento (Livro I da Parte Especial).

Dentre estas podem ser, exemplificadamente, mencionadas as que se relacionam com a exigência de representação das partes por advogado (art. 103),2as relativas à substituição de partes e procuradores (arts. 108 a 112),3ao litisconsórcio (art. 113),4à assistência (art. 119),5intervenção do Ministério Público (arts. 177 a 181),6 regras gerais sobre competência (arts. 42 a 69),7sobre poderes, deveres e responsabilidade do juiz (arts. 139 a 148),8atribuições dos auxiliares da Justiça (arts. 149 a 175),9forma dos atos processuais (arts. 188 a 211),10sobre tempo e lugar dos atos processuais (arts. 212 a 217),11prazos (arts. 218 a 235),12comunicação dos atos (arts. 236 a 275),13

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nulidades (arts. 276 a 283),14distribuição, registro e valor dos processos (arts. 284 a 290),15formação e suspensão do processo (arts.312 a 315),16petição inicial e seus requisitos (arts. 319 a 331),17provas, recursos e tudo mais que, não tendo sido objeto de regulamentação específica no processo de execução (Livro II, da Parte Especial), possa ser cogitado e aplicado no curso da execução forçada e seus incidentes.

Em contrapartida, quando se trata de atos executivos praticados durante o desenvolvimento da relação processual própria do processo de conhecimento, como os que decorrem da tutela de urgência (arts. 294 a 302) e o cumprimento forçado da sentença (art. 513),18é o processo de execução (Livro II, da Parte Especial) que atua de forma subsidiária, no que couber, para complementação da disciplina do processo de conhecimento (art. 513).19A aplicação das normas do processo de conhecimento durante o desenvolvimento da execução forçada, entretanto, não tem a força de afastar as regras específicas do processo executivo, mas apenas desempenhar papel complementar. Incide tão somente para disciplinar atos processuais que têm de ser praticados e para os quais não há regra própria no Livro II da Parte Especial.

O parágrafo único do art. 771, entretanto, não será aplicado, nem mesmo na lacuna do Livro II, quando a regra do processo de conhecimento for incompatível com a natureza do procedimento executivo, comprometendo a tutela que lhe compete prestar. É o caso, por exemplo, da presunção de veracidade decorrente da falta de defesa do demandado (NCPC, art. 344) que não se pode aplicar à revelia do exequente na ação de embargos à execução.20

A previsão (constante do mesmo dispositivo legal) de que cabe aplicar as regras do processo de execução para efetivar atos ou fatos processuais a que a lei atribui força executiva, não equivale a admitir execução forçada sem o pressuposto do título executivo. O que a lei quer dizer é que sempre que houver, por previsão legal, necessidade de atuar concretamente sobre os bens ou o patrimônio da parte, a constrição ou a remoção se dará mediante observância subsidiária das regras do processo de execução. É o que se passa, v.g., com o sequestro, o arresto, a busca e apreensão, a interdição de estabelecimento, a exibição de coisa ou documento, etc. Não se trata de efetuar uma execução completa e definitiva, mas apenas de atuar concretamente nos

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limites do necessário para realizar a medida constritiva ou inibitória que a lei quer seja prontamente cumprida.

Observar-se-á, por exemplo, a penhorabilidade, ou não, de adoção do depósito judicial etc. Mas, o caráter mandamental das medidas de urgência reflete sobre a imediatidade do comando judicial, de sorte que não ocorrerá a assinatura de prazo para cumprimento voluntário, nem ensejo ao manejo de embargos do devedor. Cumpre- -se prontamente o mandado e, se a medida é incidental, qualquer defesa será feita pelo interessado, dentro do processo principal. Se a medida urgente for deferida em procedimento antecedente ao processo principal, a defesa acontecerá em contestação, no prazo de cinco dias (art. 306), observando-se, em seguida, procedimento comum (art. 307, parágrafo único), sem que isso interfira no cumprimento do mandado de execução da medida urgente.

148. Ação declaratória incidental

"Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender a decisão da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença" (art. 5º).

Com esses dizeres o Código de 1973 introduziu em nossa legislação processual a ação declaratória incidental, cujo alcance se completava com o art. 470 que fazia estender o manto da res iudicata à solução da questão prejudicial que tivesse sido objeto de pedido de declaração incidente.

Assim, o que quis o legislador, "através da declaratória incidente, foi justamente possibilitar o julgamento conjunto, em processo com cumulação de pedidos", resolvendo, numa sentença, tanto a lide como questões lógicas surgidas no curso do processo, recobrindo todo o julgamento da eficácia da res iudicata.21Como a execução forçada não se encaminhava para uma sentença de mérito, no processo de execução propriamente dito não havia lugar para a declaratória incidental.

Mas, ajuizada a ação de embargos do devedor, entendia Arruda Alvim, com procedência, que seria possível o manejo incidental da ação declaratória, na forma do art. 5º, do CPC de 1973.

Apresenta o referido processualista o seguinte exemplo para justificar a declaratória em incidentes de embargos: "suponhamos que um indivíduo é cobrado pelo Poder Público relativamente a uma relação jurídica de I.C.M., que o Poder Público entenda existir, e haver lançamentos, com periodicidade, entre ele e este contribuinte. Além de refutar aquele determinado título poderá o devedor solicitar a declaratória incidental negativa, da inexistência de crédito tributário do Poder Público em relação a ele. Se julgada procedente esta declaratória, ele torna-se beneficiário de tal efeito da sentença, revestido da coisa julgada, aí formada".22

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Teria o contribuinte, com isso, um instrumento hábil para evitar futuros lançamentos com base no mesmo fato gerador.

Havia sérias resistências na jurisprudência à admissão da declaratória incidental na execução forçada, e mesmo nos embargos do devedor23. Uma coisa, porém, era inconteste: a execução não embargada não daria ensejo à ação declaratória incidental24.

O novo Código pretendeu, no art. 503, abolir a ação declaratória, permitindo que a coisa julgada material se estendesse à solução da questão prejudicial decidida expressa e incidentemente no processo, desde que: (i) se apresente como antecedente lógico e necessário do julgamento do mérito da causa; (ii) tenha havido a seu respeito contraditório prévio e efetivo (não se aplicando ao caso o efeito da revelia); e (iii) tenha o juízo competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal (art. 503, § 1º).

No entanto, essa abolição não foi completa e radical, uma vez que em torno da arguição de falsidade da prova documental, que pode ser reconhecidamente objeto de ação declaratória (art. 19, II), o NCPC prevê, no parágrafo único do art. 430, duas maneiras de produzi-la incidentemente no processo: (i) como simples questão incidental, caso em que a solução que lhe for dada não se recobrirá da autoridade da coisa julgada; e (ii) mediante pedido de que seja decidida como questão principal, nos termos do inciso II, do art. 19; vale dizer, como objeto de ação declaratória, incidentemente proposta no curso da ação principal. Nesta última hipótese, a questão acrescida incidentalmente ao processo terá condição de provocar resolução configuradora de coisa julgada material, porque proposta pela parte e decidida pelo juiz, como "questão principal" (arts. 430, parágrafo único, c/c 503, § 1º).

Como a questão de falsidade documental pode surgir incidentalmente no bojo dos autos dos embargos à execução, persiste válida a doutrina já exposta, formada ao tempo do CPC de 1973, a respeito de cabimento de declaratória incidental, não só no processo de conhecimento, mas também na ação de embargos do devedor manejada no processo de execução.

149. Poderes do juiz no processo de execução

É inegável que na execução forçada ocorre um desequilíbrio processual entre as partes, pois o autor é reconhecido ab initio como titular de direito líquido, certo e

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exigível contra o réu: "O exequente tem preeminência" enquanto o executado fica em "estado de sujeição", no dizer do Ministro Alfredo Buzaid.25

Sem embargo dessa notória posição de vantagem do exequente, "a execução se presta a manobras protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa adimplir a prestação jurisdicional".26Daí ter o novo Código, na esteira do anterior, armado o Juiz da execução de poderes indispensáveis à realização da atividade executiva, poderes estes de forte conteúdo conciliador, ético e efetivo.27

Nessa esteira, é dado ao juiz, "em qualquer momento do processo" (NCPC, art. 772):28a) Ordenar o comparecimento das partes (inciso I). O objetivo é facilitar: (i) a autocomposição, ou o (ii) negócio jurídico processual, para estimular o cumprimento voluntário da obrigação. Com efeito, a...

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