Disposições gerais e conceito de assédio sexual

AutorMaria De Lourdes Leiria
Páginas35-68
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2. Disposições gerais e
conceito de assédio sexual
Inicialmente, ressalta-se que o assédio é geralmente praticado por pessoas
que invocam em sua defesa sua respeitabilidade social e familiar, que praticam esta
violência laboral de forma oculta, encoberta muitas vezes pelo poder.
Conforme o Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss (2009: 203), assediar
significa “[...] perseguir com propostas; sugerir com insistência; ser importuno ao
tentar obter algo; molestar”. Por sua vez, assédio denota: “insistência impertinente,
perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém” e assédio
sexual: “abordagem com intenções sexuais”.
Encontra-se a denominação assédio sexual em vários idiomas: acoso sexual em
espanhol, sendo que no México e no Peru adotam a denominação de hostigamiento
sexual, harcèlement em francês, molestie sessuali em italiano, sexual harassment em
Inglês e accoso sexual em português (Portugal), sempre designando comportamento
sexual repelido.
Cita-se a definição apresentada por José Luis González de Rivera apud Olivares
(2006: 59):
El acoso sexual es una forma de abuso que incluye el hostigamiento reite-
rado y continuado de una persona con fines, métodos o motivaciones de
naturaleza sexual, ejercido desde una posición de poder, físico, mental o
jerárquico, generalmente en un contexto laboral, docente, doméstico o de
cualquier otra índole que implique subordinación del acosado o acosada.(6)
(6) “O assédio sexual é forma de abuso que inclui molestamento, importunação reiterada e continuada
de uma pessoa com fins, métodos ou motivações de natureza sexual, exercida a partir de uma posição de
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Para o autor, o assediado necessariamente há de estar subordinado ao assediador,
ainda que esta submissão decorra de poder físico ou mental. Este entendimento é
restritivo, não contempla o assédio sexual praticado por colega de trabalho, deno-
minado de assédio sexual ambiental, o assédio praticado por cliente do empregador
ou por qualquer pessoa que não seja superior hierárquico do assediado.
A OIT (2001: 5) conceitua assédio sexual como:
[...] toda conducta no deseada o inoportuna de carácter sexual, en el lugar de trabajo o en co-
nexión con el trabajo, que haga que una persona [...] se sienta humillada, coaccionada, discri-
minada o insultada. Puede considerarse acoso sexual el comportamiento sexual coercitivo uti-
lizado para controlar, influir o afectar al empleo, la carrera o la situación de una persona [...](7).
A definição da OIT contempla tanto o assédio sexual por chantagem quanto o
assédio ambiental. A reiteração da conduta não é imprescindível para ficar caracteri-
zado o assédio sexual, que pode exteriorizar-se por gestos, palavras ou contato físico.
Um único ato pode ser suficientemente grave para atingir a honra, a dignidade
e a moral da vítima, humilhando-a e tornando o ambiente de trabalho nocivo e
hostil. Verifica-se no direito estrangeiro, a exemplo da Lei uruguaia n. 18.561/2009
e da Lei costa-riquenha n. 7.476(8), a previsão expressa quanto à possibilidade de
assédio sexual por ato único quando o ato praticado for de natureza grave.
Para a OIT o termo “violência e assédio” no mundo do trabalho refere-se a uma
série de comportamentos e práticas inaceitáveis ou ameaças de tais comportamen-
tos e práticas, que se manifestem de forma pontual ou reiterada, que tenham por
objeto, resultem ou possam resultar em danos psicológicos, sexuais ou econômicos,
incluída violência e assédio em razão de gênero. A definição faz parte do art. 1o(9) da
Convenção sobre violência e assédio no mundo do trabalho (OIT, 2019c: art. 1o, a).
poder, físico, mental ou hierárquico, geralmente em um contexto laboral, docente, doméstico ou
de qualquer outra índole que implique subordinação do assediado ou assediada.” (Tradução livre da autora)
(7) Anexo n. 1. Convenção coletiva para prevenção e solução de reclamações em matéria de assédio
firmada entre a OIT e Sindicato. Art. 12 — n. 2.9b. “[...] toda conduta não desejada ou inoportuna de
caráter sexual, no local de trabalho ou em relação ao trabalho, que faça com que a pessoa [...] se sinta
humilhada, coagida, discriminada ou insultada. Pode considerar-se assédio sexual o comportamento
sexual coercitivo utilizado para controlar, influir ou afetar o emprego, a carreira ou a situação de uma
pessoa [...].” (Tradução livre da autora)
(8) Ver art. 3o da Ley n. 18.561/2009 de Uruguay, e art. 3o da Ley n. 7.476 de Costa Rica.
(9) A OIT realizou estudo para adoção de Convenção e Recomendação sobre violência e assédio no
mundo do trabalho. 85 países e organizações de empregadores e trabalhadores responderam ques-
tionário a respeito da adoção e conteúdo da Convenção e Recomendação “Sobre violência e assédio
no mundo do trabalho, o relatório foi apresentado na 107a sessão da Conferência Internacional do
Trabalho em junho de 2018 (OIT, 2018d). A Convenção e a Recomendação constituem o Anexo 6.
A convenção está citada nas referências bibliográficas como: OIT, 2019c.
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Não há necessidade de reiteração da conduta, não seria razoável subme-
ter a vítima a reiterados atos de violência, para só assim considerá-los ilegais.
Igualmente o silêncio da vítima não pode ser entendido como aceitação da con-
duta ofensiva ou descaracterização do assédio. O assédio e a violência laboral
constituem forma de discriminação, impedem a progressão funcional e muitas
vezes conduzem a vítima ao desligamento do emprego, gerando-lhe considerá-
veis danos econômicos.
Na doutrina encontra-se posicionamento no sentido da desnecessidade da
repetição para a caracterização do assédio sexual, in verbis:
[...] elementos configuradores do assédio sexual: que a conduta tenha cono-
tação sexual, que não haja receptividade, que seja repetitiva em se tratando
de assédio verbal e não necessariamente quando o assédio é físico — a cha-
mada apalpadela no bumbum, entre pessoas que não dividem intimidade
e com intenção sexual, é suficiente para configurar o assédio sexual, sem
necessidade de repetição — de sorte a causar um ambiente desagradável no
trabalho, colocando em risco o próprio emprego, além de atentar contra a
integridade e dignidade da pessoa, possibilitando pedido de indenização por
danos físicos e morais (JUCÁ, 1997: 175/176).
O assédio sexual não decorre da conduta da vítima, de seu comportamento
ou de sua vestimenta. O que caracteriza o assédio é a conduta e o comportamento
do agressor, mesmo que a vítima não tenha rechaçado de forma expressa, seja por
vergonha, desconhecimento de seus direitos, medo de perder o emprego ou qualquer
motivo que a leve a silenciar-se.
No assédio sexual não há reciprocidade, o que o distingue do comportamento
amistoso; no assédio, a conduta de natureza sexual é ofensiva e rejeitada.
Para Hirigoyen (2005: 100), o assédio sexual “não é mais do que uma evolu-
ção do assédio moral. Nos dois casos, trata-se de humilhar o outro e considerá-lo
um objeto à disposição. Para humilhar visa-se ao íntimo. O que há de mais íntimo
que o sexo?”
Pode-se considerar o assédio sexual como espécie do assédio moral. Não raro
as vítimas sofrem ambos: são assediadas sexualmente e não cedendo aos apelos
dos superiores hierárquicos, passam a ser moralmente assediadas, humilhadas,
discriminadas, tornando-se insuportável a vida dos trabalhadores, levando-os a se
desligar do emprego ou a renunciar eventual promoção diante do alto preço imposto
para alçarem-se ao posto.
Prevalece o assédio sexual vertical, praticado como demonstração de poder,
conforme alerta a OIT:

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