A disputa pela diversidade juridica nos tempos da globalizacao neoliberal. A proposito, podera o direito ser emancipatorio?/The dispute for legal pluralism in times of neoliberal globalization. On, can law be emancipatory?

AutorAndrade, Orlando Aragon

Introducao: Diversidade juridica, capitalismo trasnacional e pos-modernismo de oposicao

Durante a maior parte do seculo XX o tema da diversidade cultural foi considerado um problema serio por quase todos os Estados nacionais, especialmente os de America Latina, ja que se considerava como um obstaculo para a consolidacao das nacoes fortes. (1) Nao obstante, para finais de seculo esta situacao foi-se modificando, em parte pela pressao de movimentos populares como os indigenas e tambem pelas transformacoes estruturais que sofreu o sistema capitalista, (2) como a ruptura com seu velho aliado o nacionalismo homogenizador (Anderson, 2000) e a adocao neste rubro de discursos do liberalismo cosmopolita. (3)

O relativo sucesso das lutas sociais em pro do direito a diferenca combinado com o "uso manipulado" que dele fazem a maioria dos Estados nacionais latino americanos ocasionou a formacao de um discurso muito difundido, que me parece desembocou numa romantizacao da diversidade ou uma especie de fetichismo da diversidade. Longe parecem nos dias quando as denuncias dos movimentos indigenas, gays, feministas, entre outros escandalizavam e faziam tremer os alicerces das estruturas dos Estados latino americanos no periodo do capitalismo "fordiano". A maioria dos Estados latino americanos pois, com as duas notaveis excecoes de Bolivia e Equador (Santos, 2010), tem-lhas arranjado para travar as denuncias destas lutas sociais, baixo a forma de um multiculturalismo de "baixa tensao" (Hale, 2004 e Hernandez, Paz y Sierra, 2004).

A logica destas primeiras linhas leva-me a discordar com a corrente de pensamento que considera que a diversidade cultural por si mesma se opoe ao capitalismo neoliberal que na atualidade domina a orbita. Penso que hoje mais que nunca e necessario ter presentes advertencias como a que faz Alain Badiou sobre a natureza do capitalismo neoliberal no campo da arte:

"Since it is sure of its ability to control the entire domain of the visible and the audible via the laws governing commercial circulation and democratic communication, Empire no longer censures anything. All art, and all thought, is ruined when we accept this permission to consume, to communicate and to enjoy. We should become the pitiless censors of ourselves." (4) Vivemos, parece-me, num momento em que o capitalismo neoliberal mostra, talvez mais que nunca, uma grande capacidade de plasticidade e poder de trivializacao da diversidade cultural. Inclusive um se ve tentado a se perguntar, a partir da provocacao de Boaventura de Sousa Santos (2009b) (BSS) sobre China, se o capitalismo nao encontrou em sua mistura com alguns "valores culturais asiaticos" e o pragmatismo herdado do comunismo ao estilo Mao uma forma superior em depredacao e opressivo a ocidental. Este panorama exige, portanto, um olhar mais atento sobre as consideracoes "aprioristicas" ou "esencialistas" a respeito da diversidade cultural em nossos dias.

Que se pode dizer, entao, sobre o caracter ou natureza da diversidade juridica e a crescente aceitacao de algumas teorias pluralistas? Hoje, ainda que na maioria das faculdades de direito (pelo menos em America Latina) siga-se ensinando que este e so o que se produz pelo Estado ou por sua delegacao (o caso do direito internacional), a realidade socio-juridica apresenta um panorama abertamente discordante com a ideia do monismo ou centralismo juridico. De tal forma que junto ao direito estatal convivem diversas expressoes do fenomeno juridico que tem uma vida bastante independente da norma juridica estatal, estas vao desde os novos marcos regulatorios produzidos pelas integracoes comerciais dos Estados nacionais (Tratado de Livre Comercio de America do Norte, MERCOSUL, Comunidade Economica Europeia, etcetera.) e a arbitragem comercial internacional (ACI), ate os numerosos centros de mediacao que funcionam de forma dependente dos tribunais estatais e todo o leque de "auto-regulacao " ou direito macio de sectores dantes regulados pelo direito estatal (Teubner, 2005) Por conseguinte, a cada vez mais e com maior intensidade produzem-se novas zonas de contacto entre diferentes e desiguales expressoes de direito que, a sua vez, geram novos hibridos juridicos. Por suposto, sabe-se, gracas a sociologia e a antropologia juridica, que o pluralismo juridico nao e um fenomeno novo; no entanto, um elemento que mostra uma ruptura cualitativa com o passado e o grau de permisividade explicita ou implicita do direito estatal com outras manifestacoes do juridico. (5)

Ao respeito e iluminadora, desde minha perspectiva, a posicao que BSS sustentou em varios trabalhos com respeito a que no pluralismo juridico (6) nao ha nada em si emancipatorio; inclusive assinalou que ha direitos estatais menos despoticos e mais democraticos que algumas formas pluralismo juridico (Santos, 2009b). Portanto, a "manera en que el potencial del derecho evoluciona, ya sea hacia la regulacion o la emancipacion, no tiene nada que ver con la autonomia o reflexividad propia del derecho, sino con la movilizacion politica de las fuerzas sociales que compiten entre si" (Santos, 2009b: 53) assim se entende que "el concepto de pluralidad juridica no tiene un contenido politico fijo. Puede ser de utilidad para una politica progresista o reaccionaria" (Santos, 2009b: 74). (7) A posicao de BSS e clara e nao deixa lugar a duvidas; entao cabe a pergunta vale a pena discutir mais sobre o caracter emancipador? Ou regulador do pluralismo juridico? Parece-me que posso responder afirmativamente por tres razoes principais.

A primeira consiste numa necessidade pratica e urgente, ja que certas expressoes de pluralismo juridico sao parte hoje em dia da globalizacao hegemonica. Exemplos claros sao as medidas de informalizacao de justica (Nader, 2005), a lex mercatoria (Santos, 1998), bem como o ACI (Dezalay e Garth, 1996) que impulsionam diversos organismos e entidades trasnacionais (Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Agencia para o Desenvolvimento dos Estados Unidos, a Organizacao Mundial de Comercio, entre outros) atraves de medios como a promocao global da reforma judicial (Santos, 2009b y Nader, 2005). (8) Esta situacao traz como consequencia a necessidade de analise que permitam visualizar e combater; por tal motivo acho que independentemente, de que como assinala BSS o hegemonico e contra hegemonico podem-se entender dependendo do contexto da cada cultura (Santos, 2003a e 2009a), o caracter global destas iniciativas hegemonicas de pluralismo juridico convertem-no num fenomeno que tem que superar com urgencia uma avaliacao local para fazer parte dos terrenos em disputa entre a globalizacao hegemonica e a globalizacao contra hegemonica ou cosmopolitismo subalterno.

A segunda responde a utilidade que representa o arsenal analitico desenvolvido por BSS em varias de suas investigacoes para levar a cabo a anterior tarefa. Duas caracteristicas sao, a meu modo de ver, particularmente valiosas de sua proposta teorica; por um lado e um projecto analitico amplo e plural que procura dar conta das multiplas expressoes de pluralismo juridico (tambem de poder e conhecimento) (9) e pelo outro que possui a suficiente sofisticacao para o exercicio comparado entre diferentes manifestacoes de direito (Santos, 1988).

Finalmente, mas nao menos importante que as anteriores, a terceira razao se deriva do compromisso de tomar uma posicao politica clara, dentro de sua proposta teorico, a hora de estudar os fenomenos sociais. Esta questao e inherente por sua adesao a uma teoria critica, neste caso posmoderna. Este ponto parece-me particularmente valioso do "pos-modernismo de oposicao" (Santos, 2003b) em contraposicao ao "posmodernismo celebratorio" e outras perspectivas teoricas modernas convencionais. Longe de compartilhar as criticas sustentadas por alguns especialistas sobre que e reduccionista discutir se o direito e emancipador ou nao, porque na "realidade" os fenomenos socio juridicos nao se apresentam desta forma, (10) considero que esta interrogante reflete a dificuldade que entranha a atividade mesma do pensar. Em consequencia, nao participo da ideia de que a investigacao deva estar comprometida com "a complexidade" mesma dos fenomenos que se estudam, se esta situacao leva a sacrificar o posicionamento politico. (11) Acho que o desafio encontra-se mais bem em tratar de dar conta dessa complexidade e ao tempo pensa-la em termos politicos. Apesar de que a proposta critica posmoderna de BSS distancia-se, e em alguns pontos de forma radical, das teoricas criticas modernas (Santos, 2003b e 2006a); neste ponto (o de recusar a neutralidade da geracao de conhecimento e o de pensar este acto politicamente) considero que ha uma continuidade da tradicao critica, ainda que com asegunes (Santos, 2003b), que Max Horkheimer sintetizo de forma exemplar:

"Una ciencia que, en una independencia imaginaria, ve la formacion de la praxis, a la cual sirve y es inherente, como algo que esta mas alla de ella, y que se satisface con la separacion del pensar y el actuar, ya ha renunciado a la humanidad. Determinar lo que ella misma puede rendir, para que puede servir, y esto no en sus partes aisladas sino en su totalidad, he ahi la caracteristica principal de la actividad del pensar" (Horkheimer, 2003: 270271). O trabalho de BSS com o qual dialoga esta contribuicao, Podera o direito ser emanipatorio? Inicia recordando que vivemos em tempos de perguntas fortes e respostas debis (Santos, 2003a); ai mesmo realiza-se uma pergunta forte Podera o direito ser emancipatorio? e responde com uma afirmacao debil de um sim, condicionado. Em meu caso nao me farei uma pergunta forte nem responderei debilmente, tambem nao me farei uma pergunta debil (se nao e que a propria interrogacao. Pode o pluralismo juridico ser emancipatorio? Esta em si mesmo uma ma proposta por ser impossivel a responder nesses termos (12)), como ja assinalei atras, ja ha uma resposta sobre esta questao; em realidade o objetivo deste...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT