A distribuição do ônus da prova no processo do trabalho à luz da reforma trabalhista e sua semelhança com o tratamento adotado pelo CPC/2015

AutorVítor Nogueira de Oliveira
Páginas353-365

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1. Introdução

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, que ganhou a alcunha popular de “reforma trabalhista”, trouxe inúmeras alterações para o ordenamento jurídico pátrio, tanto no plano de Direito Material do Trabalho, quanto na processualística juslaboral.

As modificações promovidas pela reforma trabalhista entraram em vigor1 em novembro de 2017. Contudo, os debates acerca dos efeitos práticos que a nova legislação trará para as relações de trabalho e, igualmente, para os processos judiciais que tramitam perante a Justiça do Trabalho, há muito já tomam conta não só do meio jurídico, mas dos mais diversos setores da sociedade civil.

A maioria das inovações levadas a cabo pela reforma causa sensações que oscilam entre a esperança, para alguns, calcada, principalmente, em argumentos de ordem econômica e sob o fundamento da viabilização da criação de mais empregos formais, e a preocupação aflitiva, para outros, consubstanciada no temor da precarização do trabalho humano e na perda de direitos sociais historicamente tutelados na ordem jurídica trabalhista brasileira.

Em meio a este contexto de dúvidas e expectativas diante da nova lei, uma das modificações menos propagada foi a que alterou o art. 818 da CLT, que regula a distribuição dos encargos probatórios no âmbito do processo do trabalho.

É justamente sobre esta nova disciplina atinente ao ônus da prova no âmbito da CLT que o presente artigo irá se debruçar adiante.

2. Ônus da prova
2.1. Conceito e noções fundamentais

Antes de adentrar nas inovações legislativas em matéria de ônus da prova levadas a cabo com a edição das Leis ns. 13.105/2015 — Novo Código de Processo Civil e 13.467/2017 — reforma trabalhista, importante tecermos algumas considerações sobre o que se deve compre-ender da expressão “ônus da prova”.

A palavra ônus tem origem latina, deriva de onus, oneris, cujo sentido etimológico é de peso, fardo. No âmbito jurídico, contudo, o vocábulo ônus é constantemente utilizado de maneira equivocada, sendo, inúmeras vezes, confundido com o conceito de obrigação2.

Porém, apesar de uma análise perfunctória permitir essa confusão terminológica, as figuras do ônus e da obrigação gozam de autonomia conceitual plena, e, portanto, não se mesclam.

O conceito de obrigação está intimamente ligado à ideia de sujeição, de subordinação. Em linhas gerais, a obrigação é “o vínculo jurídico em razão do qual uma pessoa pode exigir da outra uma determinada prestação, economicamente apreciável ou não”3. O não cumprimento dá uma obrigação geral para aquele que a descumpre uma sanção jurídica.

Precisa a lição de Carnelutti sobre os conceitos ora examinados:

Falamos de ônus quando o exercício de uma faculdade é posto como condição para obter certa vantagem. Por isso, o ônus é uma faculdade, cujo exercício é necessário para a consecução de um

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interesse. Daí o parentesco entre os dois conceitos. Obrigação e ônus têm em comum o elemento formal, consistente no vínculo da vontade, mas diferem entre si quanto ao elemento substancial, porque o vínculo é imposto, quando há obrigação para a tutela de um interesse alheio, enquanto, havendo ônus, a tutela é um interesse próprio. Correlativa à ideia de ônus está, portanto, a ideia de risco, não a ideia de subordinação ou sujeição4.

Apesar das variações encontradas em âmbito doutrinário e jurisprudencial, o conceito de ônus probatório encontra-se, pois, sempre atrelado à noção de faculdade posta à disposição da parte como meio de obtenção de uma vantagem. Por conseguinte, as partes não são obrigadas a produzir prova, ou, como diria o mestre Humberto Theodoro Júnior5:

[...] não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional.

Conclui-se, portanto, que o ônus probatório não gera sanção àquele que o descumpre, mas, sim, um prejuízo de ordem processual, pois a parte que não se desincumbir deste encargo perde a condição vantajosa que poderia criar para si dentro do contexto da lide. E, em regra, tal situação (não cumprimento do encargo probatório) gera à parte inerte a sucumbência, a perda da demanda.

De maneira sintética e objetiva, ônus da prova é, pois, a atribuição probatória que toca a parte que deseja ver reconhecido em juízo a procedência do pleito apresentado (sob a ótica do autor/reclamante) ou, no prisma oposto, a improcedência do requerimento adverso (neste caso, sob o ponto de vista do réu/reclamado).ç

2.2. Função processual do ônus da prova

Delineado o conceito do instituto, mister analisar a finalidade e os destinatários das regras de distribuição do ônus da prova. Afinal, quais as funções do ônus da prova na sistemática processual?

As regras de distribuição do ônus probatório são destinadas a todos os sujeitos do processo — autor/ reclamante, juiz e réu/reclamado, exercendo, contudo, funções distintas para o julgador e para as partes. Por possuir essa funcionalidade dúplice, a doutrina pátria majoritária costuma seccionar o ônus da prova em ônus subjetivo e ônus objetivo.

O ônus subjetivo é o aspecto, a faceta do ônus probatório que “distribui entre demandante e demandado o encargo de produzir as provas dos fatos necessários ao julgamento da ação, apontando quais os fatos que devem ser provados por cada qual, com vistas a obter uma decisão favorável6.

O ônus subjetivo é, portanto, regra de conduta para as partes, critério orientador que aponta a quem compete provar determinado(s) fato(s) e, por conseguinte, as consequências daí decorrentes: lograr êxito, caso cumpra com o encargo que lhe é posto ou sucumbir, caso não consiga se desvencilhar do ônus probatório que lhe fora atribuído.

O ônus objetivo, por sua vez, atua como regra de julgamento, indicando ao magistrado como deve proceder ao final da demanda, ou seja, quem deve ser indicado sucumbente e vencedor da lide posta sob sua apreciação, tendo em vista os encargos probatórios que lhe competiam e a desincumbência ou não de tais atribuições.

Nesse viés, a quase totalidade da doutrina reduz o aspecto objetivo do ônus da prova às situações em que determinada parte frustrou o encargo probatório que lhe cabia e, por isso, deve sucumbir. Nesse sentido, assevera Cleber Lúcio de Almeida que “somente no caso de dúvida invencível é que o juiz deverá recorrer às normas sobre o ônus da prova7. Na mesma direção, Carlos Alberto Reis de Paula chega a denominar a doutrina do ônus da prova como “a doutrina da decisão sobre o fato incerto8, para em seguida afirmar que o regramento dos encargos probatórios é, para o julgador, “uma regra de julgamento, porque indica a ele como deve sentenciar quando não encontre a prova dos fatos9. Esse é, como dito, o pensamento quase unânime dos doutrinadores, tanto no âmbito do processo civil quanto na seara processual trabalhista.

Apesar do respeito e admiração que os renomados juristas merecem, ouso dissentir desse posicionamento. As normas determinadoras do ônus probatório das partes atuam, em verdade, em todos os processos (à exceção daqueles extintos sem julgamento de mérito ainda no seu nascedouro), tanto para o juiz como para as partes.

Para os litigantes, atua como norteador sobre quais fatos lhes cabem produzir prova, sob pena de provável

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insucesso na demanda. Para o juiz, contudo, mesmo nos processos em que as provas apresentadas se mostram suficientes para formar seu convencimento acerca dos fatos controvertidos, acaba o julgador por recorrer, ainda que intuitivamente, às regras de distribuição do ônus da prova.

A título exemplificativo, vejamos a situação em que o juiz profere uma decisão reconhecendo que o reclamante A manteve, de fato, relação de emprego com a reclamada B, sob o fundamento de que “os documentos acostados aos autos comprovam a existência do vínculo empregatício”. Não estaria aqui o magistrado afirmando, em outras palavras, que o autor cumpriu com seu encargo de apresentar provas do(s) fato(s) constitutivo(s) do seu direito, conforme determinam os arts. 818 da CLT e 373 do CPC? Não há dúvidas de que a resposta é afirmativa. É exatamente por ter cumprido seu encargo probatório que o reclamante teve seu pleito declaratório deferido.

O simples fato de o juiz não mencionar expressamente em sua decisão os dizeres ônus da prova ou encargo probatório não tem o condão de desqualificar a importância das regras sobre o ônus probatório em sua tomada de decisão, pois se a parte conseguiu efetivamente provar o que esperava, nada mais fez do que cumprir o que determina o mandamento do art. 373 do CPC e/ou art. 818 da CLT.

Sobre o tema, não se pode ignorar o posicionamento e a lucidez de Marinoni, para quem as regras de distribuição do ônus probatório, em especial o art. 373 do CPC, não atuam, quando direcionadas ao juiz, meramente como normas decisórias, mas, também, como regras elementares para a formação do convencimento judicial10:

Na fase de convicção, e, portanto, antes de ter chegado a uma eventual dúvida, o juiz deve...

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