Ditadura militar na Argentina e justiça de transição: democracia, pluralidade e violência jurídica

AutorÁlvaro Gonçalves Antunes Andreucci/Frederico da Costa Carvalho Neto
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo/Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP
Páginas69-101
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DITADURA MILITAR NA ARGENTINA E
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: DEMOCRACIA,
PLURALIDADE E VIOLÊNCIA JURÍDICA1
álVaRo gonçalVeS antuneS andReucci2
fRedeRico da coSta caRValho neto3
RESUMO
O presente artigo aborda algumas características da ditadura militar
na Argentina (1976 – 1983) e, principalmente, sua posterior justiça
de transição para a democracia. Cada experiência especíca dessa
transição nos diversos países com um passado de governos autoritá-
rios, traduz uma tentativa feita pelo governo e sociedade, no perío-
do pós-militarismo, de reconstruir rumos políticos mais democrá-
ticos e de se estabelecer uma justiça, uma memória e uma verdade
sobre este passado. Podemos desta forma conhecer opções jurídicas
1 O presente artigo é fruto dos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em Me-
mória, Verdade e Justiça de Transição: análise das Lutas Políticas no Brasil de 1964 a 1985,
registrado no CNPQ, é formado por professores e estudantes da área jurídica e outras ans
da UNINOVE, PUC/SP e USP e Coordenado pelo Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira e
pela Professora Dra. Samantha Ribeiro Meyer-Pug.
2 Doutor e Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo. Professor e pesqui-
sador do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
Professor Doutor em História do Direito. E-mail: bareska@gmail.com
3 Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP. Professor do programa e Mestrado em Direi-
to da Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e professor assistente doutor na PUC/SP.
E-mail: fredericoccn@gmail.com
Experiências de justiça de transição: aspectos relevantes
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de condução política e democrática utilizadas nestas sociedades,
bem como os argumentos que foram usados para legitimar as ações
tomadas por estes Estados na atualidade. Estes embates e diálogos
ocorridos nos períodos de transição, essências do jogo político, re-
velam também como a população destes países buscaram resgatar
e efetivar o que julgavam ser de direito e expressão de uma justiça,
necessária para o reconhecimento de uma nova etapa na história
desses países. Em outras palavras, estudar a justiça de transição na
Argentina, possibilita uma reexão sobre os possíveis caminhos
atuais para a democracia.
Palavras-chave: Ditadura Argentina; justiça de transição; violência
jurídica
INTRODUÇÃO
A Argentina, que enfrentou uma ditadura violentíssima no período
de 1976 a 1983, teve – e tem – uma experiência com a transição para a de-
mocracia e com o resgate de sua memória que deve ser analisada.
O século XX na Argentina foi marcado por grandes disputas polí-
ticas, que se desdobraram em sucessivos golpes de Estado ocorridos nos
anos de 1930, 1943, 1955, 1962, 1966 e 1976.
De uma maneira geral podemos indicar que os quatro primeiros gol-
pes instalaram regimes provisórios, enquanto que os dois últimos estabele-
ceram ditaduras permanentes que se propuseram a ocupar efetivamente as
instituições estatais e modicar o rumo político do país.
Mesmo assim é possível observar entre eles semelhanças nos discur-
sos e nas justicativas para os golpes e, também, na ideia de legitimidade,
auto-atribuída pelos militares para os quais a gênese do Estado Argentino
estaria no próprio exército, sendo este o símbolo da construção nacional.
Desta forma, a justicativa dada desde o golpe de 1930, é semelhante
às posteriores e, em todas, a ênfase de que se estava evitando o caos, preser-
vando as tradições da pátria, da liberdade e dos direitos; para se preservar
a democracia4.
4 Na obra Memoria y Dictadura: Un espacio para la reexión desde los Derechos Humanos,
produzida pela Comisión de Educación de la Asamblea Permanente por los Derechos Humanos
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Ditadura militar na Argentina e justiça de transição: democracia, pluralidade e violência jurídica
Outro traço marcante nestes períodos é a disseminação da violência
e de práticas genocidas contra os dissidentes e, particularmente, contra a
classe trabalhadora.
Cada experiência especíca dos diversos países com um passado re-
cente de governos autoritários, traduz uma tentativa feita pelos governos
no período pós-militarismos e revela as negociações pelas quais os diversos
atores procuraram expressar suas convicções sobre o tema. Ao mesmo tem-
po, proporciona diversas opções jurídicas de condução política e democrá-
tica utilizadas para estas sociedades, bem como os argumentos que foram
usados para legitimar as ações tomadas pelo Estado atual. Estes embates e
diálogos, essências do jogo político, revelam também como a população
destes países buscam efetivar o que julgam ser de direito e expressão de
uma justiça que, na verdade, não é tardia, mas, sim, propõe a marca de um
presente que se responsabiliza pela consolidação de uma prática democrá-
tica que reinstaure o debate. É a proposta de uma abertura para a verdade.
Procuramos neste breve artigo apontar para algumas características
da ditadura e da justiça de transição que foram implantadas na Argentina,
visando com isso contribuir para uma melhor fundamentação e avaliação
dos rumos que os novos governos e nações decidam tomar. Um desao
importante a se compreender é como o papel da justiça, na retomada de-
mocrática deste passado, poderá se congurar como um mecanismo de
segurança social e não de violência; de pluralismo jurídico e não de autori-
tarismo de Estado5.
na Argentina, é possível encontrar alguns trechos de discursos realizados por militares após
os golpes com o objetivo de legitamar tais ações. A obra também identica este discurso co-
mum apresentado pelas forças militares na Argentina. Comisión de Educación de la Asam-
blea Permanente por los Derechos Humanos (Prof. Ana Chanfreau; Prof. Francisca Di Car-
lo; Lic. Bella Friszman; Prof. Yolanda Funes; Prof. Alicia Herbón ; Lic. Eugenia Rubio; Dr.
Carlos Schröder María Cecilia Azconegui; Cecilia Durantini Florencia Girola; Paula To-
passo; Mariana Vera). Memoria y Dictadura: Un espacio para la reexión desde los Derechos
Humanos. APDH, 2011. Disponível em: .apdh-argentina.org.ar/publicaciones/
archivos/MemoriayDictadura_4ta.edicion.pdf>. Acesso em: 09/04/2013.
5 É importante registrar que, enquanto escrevemos este artigo, aqui no Brasil assistimos a
um amplo movimento social de indignação que sai às ruas protestando contra a corrupção
e ao descaso do Estado para com as questões públicas, herança patrimonialista presentes na
América Latina. Ao mesmo tempo, em contrapartida, vivenciamos uma reedição da violên-
cia e brutalidade dos braços armados deste Estado, despreparado para a democracia e que
reprime o movimento com a truculência e a violência das armas.

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