Diversidade cultural e reconhecimento no quadro de políticas de comunicação e cultura no Brasil: desafios e perspectivas para concretização da Convenção da Unesco de 2005

AutorSayonara Leal
CargoDoutora em Sociologia. Professora Adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília
Páginas94-131
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p94
94 94 – 131
Diversidade Cultural
e Reconhecimento no Quadro
de Políticas de Comunicação e
Cultura no Brasil: desaf‌ios
e perspectivas para concretização
da Convenção da Unesco de 2005
Sayonara Leal1
Resumo
Este trabalho discute as políticas de comunicação e cultura no Brasil voltadas para radiodifusão,
especialmente para a televisão e o audiovisual (cinema), em (des)compasso com o princípio de
diversidade cultural, conforme a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais da Unesco de 2005. Partimos de uma ref‌lexão acerca da diversidade cultural
como um problema construído no seio das sociedades multiculturais onde as demandas por
reconhecimento operam a partir tanto da ideia de estima de si e respeito mútuo como daquela
de justiça social, desembocando em lutas sociais permanentes dos membros das sociedades em
suas rotinas de vida. Em seguida, vislumbramos o problema da diversidade cultural em cenários
de monopólios dos meios de comunicação de largo alcance, como é o caso do Brasil, onde
elementos de uma ética democrática como a liberdade de expressão encontram resistências em
função da vigência de um modelo cultural hegemônico e reif‌icante de produção e comercializa-
ção da cultura e da comunicação. Neste sentido, advogamos que a concretização dos princípios
democratizantes do fazer cultural postos pela Convenção da Unesco de 2005 exige reformas em
nosso marco legal para as Comunicações a partir do tripé cidadania, reconhecimento e diversi-
dade cultural. A emergência de um espaço simbólico cosmopolita que envolva a visibilidade das
narrativas e formas estéticas do universal e do particular que habitam a nossa diversidade cultural
depende de amparo institucional e da rotinização do “reconhecimento normativo” como prática
em nosso agir no mundo da vida.
Palavras-chave: Diversidade cultural. Reconhecimento. Políticas de comunicação e cultura no
Brasil. Convenção da Unesco.
1 Doutora em Sociologia. Professora Adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).
Email: sayoleal@gmail.com
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 35 - Jan./Abr. de 2017
9594 – 131
Introdução
Este trabalho trata das políticas de comunicação e cultura no Brasil vol-
tadas para radiodifusão, especialmente para a televisão e audiovisual (cinema),
na perspectiva do princípio de diversidade cultural, conforme a Convenção
sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da
Unesco de 2005. A categoria de diversidade cultural aparece em documentos
governamentais e na agenda dos movimentos sociais no Brasil como princípio
norteador de políticas públicas de cultura, comunicação e educação para o
fortalecimento de práticas cidadãs. A Convenção da Unesco de 2005 nos leva
a reetir sobre a importância de se pensar reformas em nosso marco legal para
as Comunicações a partir do tripé cidadania, reconhecimento e diversidade
cultural. A diversidade cultural não pode ser realizada, em nossa perspectiva,
sem a passagem obrigatória pelo reconhecimento de diferenças culturais, (in)
visibilizadas pelos meios de comunicação, porque essas caracterizam forte-
mente a composição da sociedade brasileira e nos remete ao princípio demo-
crático da cidadania cultural.
No Brasil quando falamos de diversidade cultural referimo-nos às mi-
norias étnicas, etárias, de gênero, mais precisamente, a cerca de 230 povos
indígenas que falam cerca de 180 línguas (DUPPIN, 2008); 2.000 comunida-
des quilombolas; 6.329 comunidades urbanas (favelas), 6.914 comunidades
ribeirinhas (BRASIL, 2012d); 291 comunidades ciganas, além de uma forte
presença de orientações sexuais não convencionais, representadas pelos movi-
mentos LGBT. Diante desse quadro, falar de diversidade cultural no sentido
das políticas de comunicação e cultura no Brasil é um desao em termos
de realização da Convenção da Unesco. Assim, gostaríamos de ressaltar três
orientações presentes na Convenção que são vistas como vias normativas para
as políticas de fomento à diversidade cultural nos países signatários: apoio à
produção de conteúdos culturais que retratem a diversidade estética, opina-
tiva, étnica, religiosa do país; implementação de meios e veiculação para dis-
tribuir essa produção e participação social na gestão das políticas públicas de
promoção de projetos e ações de diversidade cultural. Daremos mais atenção,
neste texto, a uma das barreiras mais efetiva que enfrentamos para realizar a
Convenção da Unesco de 2005, no caso brasileiro, qual seja, o cumprimento
Diversidade Cultural e Reconhecimento no Quadro de Políticas de Comunicação e Cultura no Brasil: desaf‌ios e perspectivas para
concretização da Convenção da Unesco de 2005 | Sayonara Leal
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do segundo princípio da Convenção, isto é, a distribuição de conteúdos pro-
duzidos na lógica da diversidade cultural, de forma que seja independente ou
coordenada com a indústria cultural estabelecida no país.
Trata-se de dar visibilidade à diversidade de expressões culturais nacio-
nais, como também de outros países, como forma de existência pública destas,
sendo, assim possível ser visto e ser ouvido pelos “outros” (VOIROL, 2005).
Estamos falando de levar a sério a essencialidade da visibilidade como disposi-
tivo de reconhecimento de diferenças sociais e culturais como parte integrante
de políticas de comunicação e cultura circunstanciadas na diversidade cultural
como problema que remete a um quadro complexo de justiça social e justiça
cultural/simbólica (FRASER, 2005). Quando tratamos da visibilidade como
política de reconhecimento, admitimos que isso requer suportes simbólicos,
ou seja, infraestrutura mediatizada, como a radiodifusão/audiovisual, os quais
detêm poder de publicização, de reprodução em larga escala de referentes sub-
jetivos de uma expressão cultural própria ao mundo comum de formas de
vida. Isso nos remete, por outro lado, à determinação daquilo que gura na
ordem do visível, atingindo grandes públicos, e, também, o que é excluído
desse circuito.
Sustentamos que o Brasil, assim como muitos países no mundo, não
pode se limitar à adoção de um modelo igualitarista abstrato para garantir a
igualdade entre os indivíduos, uma vez que nos encontramos inscritos em um
formato de governo democrático pautado, ao menos, normativamente, no sis-
tema de igualdades chamado cidadania2, ao qual acrescentamos como reforço
o reconhecimento de presenças sociais e culturais distintas. O que chamamos
de “crise do modelo republicano” nos remete, na verdade, a um problema
democrático fundamental, ou seja, o reconhecimento da desigualdade de re-
lações de poder entre grupos sociais e seus pontos de vistas, o que também re-
vela uma ambivalência recorrente entre ethos igualitarista da cidadania e ethos
agonístico da negação de direitos e reconhecimento ao qual as minorias, em
geral, experimentam. Embora ocultadas ou minimizadas nos debates públicos
2 A ideia original da cidadania enquanto sistema de igualdade encontra-se, do ponto de vista sociológico,
originalmente elaborado por Thomas Humphrey Marshall (1893-1981), que entende o exercício dos direitos
de cidadania como remédio ef‌icaz contra o alargamento das desigualdades sociais como marca fundamental
das sociedades de classes sociais. (MARSHALL, 1967).

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