Divórcio consensual por escritura pública: questões polêmicas
Autor | Christiano Cassettari |
Páginas | 29-104 |
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DIVÓRCIO CONSENSUAL
POR ESCRITURA PÚBLICA:
QUESTÕES POLÊMICAS
1. O DIVÓRCIO CONSENSUAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015:
UMA ANÁLISE DOS SEUS REQUISITOS DE VALIDADE
A normatização do divórcio consensual por via administrativa era feita pelo art.
1.124-A do Código de Processo Civil de 1973, alterado pela Lei 11.965/2009.
Com o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015, a regra aplicável
é o artigo 733. Segue, no quadro abaixo, como era e como ficou a redação do citado
dispositivo:
COMO FICOU COMO ERA
Art. 733 do CPC/15. O divórcio consensual, a separação
consensual e a extinção consensual de união estável,
não havendo nascituro ou lhos incapazes e observados
os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura
pública, da qual constarão as disposições de que trata
o art. 731.
Art. 1.124-A do CPC/73. A separação consensual e
o divórcio consensual, não havendo lhos menores
ou incapazes do casal e observados os requisitos
legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por
escritura pública, da qual constarão as disposições
relativas à descrição e à partilha dos bens comuns
e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto
à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro
ou à manutenção do nome adotado quando se deu
o casamento.
§ 1.º A escritura não depende de homologação judicial e
constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem
como para levantamento de importância depositada em
instituições nanceiras.
§ 1.º A escritura não depende de homologação ju-
dicial e constitui título hábil para o registro civil e o
registro de imóveis.
§ 2.º O tabelião somente lavrará a escritura se os interes-
sados estiverem assistidos por advogado ou por defensor
público, cuja qualicação e assinatura constarão do ato
notarial.
§ 2.º O tabelião somente lavrará a escritura se os con-
tratantes estiverem assistidos por advogado comum
ou advogados de cada um deles ou por defensor
público, cuja qualicação e assinatura constarão
do ato notarial. (Alterado pela Lei 11.965, de 2009).
DISPOSITIVO SEM CORRESPONDENTE NO CPC/15
§ 3.º A escritura e demais atos notariais serão gratui-
tos àqueles que se declararem pobres sob as penas
da lei.
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DIVÓRCIO, EXTINÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL E INVENTÁRIO POR ESCRITURA PÚBLICA • CHRISTIANO CASSETTARI
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As modificações que foram introduzidas com o CPC15 foram:
• Inclusão do nascituro como fato proibitivo da lavratura escritura;
• Supressão da palavra “menores”, para deixar como fato proibitivo da lavratura
da escritura a existência de filhos incapazes, assim se termina com a discussão
quando há filho emancipado, que é menor, mas capaz.
• Supressão da expressão “do casal” no requisito dos filhos, dando início a uma
polêmica para saber se a mesma ocorreu por ser óbvio ou se a parentalidade
socioafetiva, reconhecida atualmente, traria importância se o filho incapaz não
fosse do casal.
• Inclusão expressa da união estável, para que sua dissolução formal passe pelos
mesmos requisitos do divórcio.
• Inclusão na norma da escritura ser título hábil, também, para o levantamento de
dinheiro nas instituições financeiras.
• Supressão, ao mencionar o advogado, da palavra “comum” e da expressão “de
cada um deles”, por se tratar de questão óbvia, considerando ser o ato consensual.
• Supressão do parágrafo da gratuidade da escritura, eixando dúvida se ela persiste
ou não.
Passaremos a fazer uma análise dos requisitos da lei vigente, mas comparando-a
com a lei anterior (11.441/2007), para que seja possível identificar o que mudou com
o Código de Processo Civil de 2015.
a) ser consensual, ou seja, as partes concordarem com a sua realização;
Iremos, no decorrer deste livro, examinar qual é o real significado da expressão “ser
consensual”, já que deve ser analisado se a consensualidade do casal está em querer pôr
fim à sociedade conjugal pelo divórcio, ou se está, também, no acordo sobre a partilha
de bens, na fixação da pensão alimentícia do cônjuge e da continuidade, ou não, do uso
do nome de casado.
Para Paulo Luiz Netto Lôbo,1 “diferentemente do divórcio e da separação judiciais,
a partilha dos bens comuns não poderá ser feita posteriormente. A lei determina ex-
pressamente sua inclusão na escritura pública, tendo em vista que a via administrativa
pressupõe acordo do casal sobre todas as questões decorrentes da separação, não podendo
haver pendências remetidas à decisão judicial”.
Já para o Colégio Notarial do Brasil e para alguns Tribunais de Justiça de vários
Estados é possível fazer a partilha de bens, a fixação dos alimentos e a normatização
quanto ao uso do nome posteriormente, judicial ou extrajudicialmente.
1. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Divórcio e separação consensuais extrajudiciais. Disponível em: .cnj.gov.
br/index.php?option=com_content&task=view&id=2724&Itemid=129>. Acesso em: 18 jun. 2007.
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3 • DIVÓrCIo CoNSENSuAL Por ESCrITurA PÚBLICA: QuESTÕES PoLÊmICAS
Defendemos2 que a consensualidade exigida pelo art. 733 do Código de Processo
Civil de 2015 está na concordância das partes em pôr fim à sociedade conjugal pelo
divórcio.
Não podemos misturar as coisas, sob pena de obrigar duas pessoas, que não mais
nutrem o mínimo de afeto uma pela outra, a permanecer casadas somente pela diver-
gência na partilha dos bens, na fixação dos alimentos ou na questão do uso do nome.
Entendemos que, havendo o consenso das partes em pôr fim à sociedade conju-
gal, a escritura deverá ser feita, mencionando que, por exemplo, a partilha de bens será
efetuada posteriormente, ou por escritura pública, ou por ação judicial, ou até mesmo
por arbitragem.
Porém, no caso disso ser feito dessa forma, a futura escritura apenas de partilha
terá que ter, obrigatoriamente, a assistência do advogado, pois, mesmo não existindo
mais o vínculo de direito de família, o ato é um desdobramento daquele normatizado
pelo art. 733 do CPC, que exige a participação do causídico.
Cumpre destacar que, até que a partilha de bens seja realizada, os bens comunicáveis
ficarão em condomínio, trazendo as regras desse instituto previstas no Código Civil,
nos artigos 1.314 a 1.330, que impõe, inclusive, divisão nas despesas que os mesmos
geram, tais como IPTU, IPVA, contribuição condominial etc.
E, ainda que já divorciados, pendente a partilha dos bens os divorciados não pode-
rão escolher o regime de bens em um novo casamento, pois será imposto as regras da
separação obrigatória (art. 1.641 CC), que poderá ser modificado após a sua realização
(art. 734 CPC), mediante ação judicial.
b) não haver lhos incapazes e nem nascituro (do casal?), hipótese em que a via
judicial é obrigatória;
O CPC73 permitia a adoção do procedimento somente quando não houvesse filhos
menores ou incapazes do casal. Como o legislador era abrangente, entendíamos que a
emancipação voluntária dos filhos maiores de 16 e menores de 18 anos (inciso I do
vórcio pudesse ser realizado por escritura pública, já que nesse caso haveria a aquisição
da capacidade de direito, mas não da maioridade, que se dá aos 18 anos (idade em que
se alcança a maioridade civil, segundo o art. 5.º do Código Civil). Ao ser emancipado
voluntariamente pelos pais, o filho se torna capaz, mas continua sendo menor até com-
pletar 18 anos.
A relevância do assunto se deve ao fato de não vermos a emancipação como algo bom
para o menor, em regra, visto que ele deixa de contar com a proteção que a dependência
dos pais estabelecida na Lei determina. Em razão disso, temíamos que vários casais, no
2. CASSETTARI, Christiano. A abrangência da expressão “ser consensual” como requisito para a separação e para o
divórcio extrajudiciais: a possibilidade de realizar escritura pública somente para dissolver o casamento e discutir
judicialmente outras questões. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 41, p. 15-24, abr.-maio
2007.
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