A democratização do acesso à justiça

Páginas91-133

Page 91

CAPÍTULO III

A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

Assim dizia Olvídio Nasão, poeta romano:

Cura pauperibus clausa est” “O tribunal está fechado para os pobres”!129

3.1 Estado democrático de Direito

Um dos fundamentos sobre os quais se erige a república brasileira é o estado democrático de direito (art. 1º, caput, da Constituição Federal). Não é apenas de estado de direito que se cogita, mas de estado democrático de direito. Logo, não basta ter normas legais regulando as atividades do Estado e dos particulares. É necessário que esse estado de direito, legal, seja democrático, instituído e regulado por princípios que se traduzam no bem estar de todos, na igualdade e na solidariedade. É por isso que, no Brasil, se pode discutir a constitucionalidade de determinada lei sob fundamento de que não atende à letra ou ao espírito da Constituição. Contudo, para as atividades do Poder Judiciário, a manifestação do princípio do estado democrático de direito ocorre por intermédio do instituto da coisa julgada. Em outras palavras, a coisa julgada é elemento de existência do estado democrático de direito130.

129SILVA, José Afonso da, in: Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, 1999. p.588.

130NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal.
8. ed. Ver., ampl. E atual. Com as novas súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. São Paulo: Rt, 2004, p. 38.

Page 92

3.1.1 Princípios constitucionais e

democratização do processo

O termo “princípio”, em sua acepção clássica, é entendido como proposição superior, máxima ou sentença de natureza universal, lógico-verdadeira, que resultam da razão humana e de obrigatória observância.

São os princípios que informam a ordem, pois orientam a labor de interpretação e aplicação das leis.

Os princípios constitucionais são norteadores da atividade judicial. Porém, o conceito “princípio” sabe-se ambíguo. Assim, conforme ensina Afonso da Silva131, quando se fala em normas definidoras de princípio institutivo, a palavra “princípio” se apresenta na acepção própria de começo ou início, isto é, são normas que contêm o início ou esquema de determinado órgão, entidade ou instituição, deixando a efetiva criação, estruturação ou formação para a lei complementar ou doutrinária, como dá exemplo o art. 33 da Constituição:

“A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios”. Diferentes são as normas constitucionais de princípios gerais, ou normas-princípios (normas fundamentais ou princípios fundamentais). Tais são as normas fundamentais de que derivam logicamente (e em que, portanto, já se manifestam implicitamente) as normas particulares regulando imediatamente relações e situações específicas da vida social. Certas normas constitucionais não são propriamente fundamentais, mas contêm princípios gerais informadores de toda a ordem jurídica nacional, como as que consagram o princípio da isonomia (art. 5º e seu inciso
I), o princípio da legalidade (art. 5º, XXXVI), os princípios da organização partidária (art. 17). Mas essas normas-princípios e as de

131SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

92

Page 93

princípios gerais distinguem-se basicamente daquelas que denominamos normas constitucionais de princípio ou de esquema, pois estas são de eficácia limitada e de aplicabilidade indireta, isto é, dependentes de legislação ou outra providencia, enquanto aquelas são de eficácia plena e aplicabilidade imediata – auto-aplicáveis, na terminologia norte-americana.

Chama-se a Constituição a lei das leis: instrumento base e orientador de todo o sistema jurídico-normativo e, especialmente, do Direito Administrativo, devendo os seus princípios (princípios constitucionais) serem observados e invocados no processo de resolução de problemas.

É de pleno consenso a aceitação da Constituição como uma norma primeira, superior e fundamental do sistema prescritivo do direito, que contem princípios estruturais do sistema e da distribuição básica de competência entre seus diversos órgãos e sujeitos.

É, pois, a Constituição “que traça as bases que a Administração Pública será regida, determinando inclusive princípios que deverão ser integralmente respeitados, até como condição de validade dos atos praticados, sendo a própria „pedra angular‟ do direito administrativo”. Conforme o citado autor, não se pode dissociar o direito administrativo do constitucional, eis que não é permitido ato de autoridade investido de poder contrario ao Texto Mater, que é a viga de sustentação de toda manifestação dos três Poderes132.

Princípios são proposições fundamentais e generalíssimas do sistema, verdadeiros alicerces do sistema jurídico que ajudam e orientam os processos de interpretação, e integração do direito. Mas, devido à tamanha relevância, uma corrente positivista (muito

132GOMES DE MATTOS, Mauro Roberto. A Constitucionalização das Regras da Administração Pública e o Controle do Poder Judiciário. A & C. Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 4, n. 18, out/dez. 2004. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 93.

Page 94

próxima da teoria Kelseniana) atribui aos princípios um papel decisivo na pesquisa e interpretação do direito, sendo que, em ambas as dimensões (teoria e prática) apresentam-se os princípios, como mero recurso metodológico, abusando do método lógico, quer dedutivo quer indutivo, com o intuito de invocar e relacionar princípios, normas e regras. Eis aí o que podemos chamar de análise principiológica do direito (principialismo jurídico).

Assim, os princípios jurídicos constituem-se em objeto de diversas teorizações dogmáticas, sendo, que para alguns, há uma nova “idade de ouro dos princípios”, não apenas no âmbito da Filosófica do Direito, como da própria Ciência Jurídica. Durante muito tempo, a temática referente aos princípios ocupou os debates entre juristas e operadores jurídicos, iniciando-se com as concepções jusnaturalistas, segundo as quais os princípios jurídicos eram compreendidos como verdadeiros axiomas, portadores de verdades morais inquebrantáveis.

Não tardou em consolidar-se a migração dos princípios para os sistemas codificados, adotando-se uma dimensão jusprivatista, mas com reconhecido caráter normativo, muito embora ainda legitimados como fonte subsidiária do Direito. Finalmente, faz-se mister referir o fenômeno do constitucionalismo, determinante para a inserção de princípios nos textos constitucionais, passando-se a falar em “pós-positivismo”, concepção dotada de uma positividade mais de caráter aberto e axiológico133, calcadas nas grandes constituições do século XX134.

Os princípios constitucionais e, em especial, o princípio da moralidade administrativa são, de fato, orientadores dos atos estatais: administrativo, legislativo e jurisdicional. Eles “funcionam

133Axiológico= Ver página 48

134OHLWEILER, Leonel, Os Princípios Constitucionais da Administração Pública a Partir da Filosofia Hermenêutica: Condições de Possibilidade para Ultrapassar o Pensar Objetificante. A & C. Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 4, n. 18, out/dez. 2004. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 114, 116.

94

Page 95

como normas fundamentais para a boa gestão da coisa pública, sendo certo, que constitui ato de improbidade135administrativa quem violar, por ação ou omissão, os respectivos princípios consoante prescrição do art. 11, da Lei n. 8.429/92136.

Assim, todo e qualquer ato administrativo está, necessariamente, condicionado aos princípios constitucionais. Por, por exemplo:

1. Dignidade da pessoa humana (artigos 1º, III; 226 § 7º da CF).

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos:

I- a soberania;

II- a cidadania;

III- a dignidade da pessoa humana;

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V- o pluralismo político.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 7º “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

135Ímprobidade= Desonestidade, maldade, perversidade.

136GOMES DE MATTOS, Mauro Roberto. A Constitucionalização das Regras da Administração Pública e o Controle do Poder Judiciário. A & C. Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 4, n. 18, out/dez. 2004. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 95.

Page 96

Junto à cidadania, a dignidade da pessoa humana é, geralmente, considerada categoria de corte axiológico constitucional (princípio supremo) e base dos sistemas jurídicos modernos.

É a dignidade da pessoa humana um princípio reitor do ordenamento jurídico. Eis que a violação desta condição ou princípio implica a negação do reconhecimento do status de pessoa e a agressão da liberdade, da igualdade e a não realização da justiça social.

3.1.2 A cidadania social

Certamente, a CF é o instrumento jurídico fundamental que serve como referência ao processo. Isto porque as garantias inerentes às fases do processo estão formalmente tuteladas pelas normas constitucionais.

Na mesma linha, a atuação da Administração Pública é também objeto de regulação na Constituição de 1988, na qual se prescreve, expressamente, no artigo 5º inciso LIV o devido processo legal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; no inciso LV assegura-se o contraditório e a ampla defesa: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT