Do colonialismo da 'superexploração' ao cosmopolitismo do 'dever de respeito' aos direitos humanos por empresas mineradoras na América Latina

AutorJânia Saldanha
CargoDoutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2004). Pós-Doutorado pelo Institut des Hautes Études sur la Justice, IHEJ, França (2014)
Páginas822-852
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v25n3.p822-852
DO COLONIALISMO DA “SUPEREXPLORAÇÃO” AO
COSMOPOLITISMO DO “DEVER DE RESPEITO”
AOS DIREITOS HUMANOS POR EMPRESAS
MINERADORAS NA AMÉRICA LATINA1
FROM THE COLONIALISM OF “OVEREXPLOITATION” TO THE COSMOPOLITANISM
OF “DUTY TO RESPECT” THE HUMAN RIGHTS OF MINING COMPANIES IN LATIN
AMERICA
DEL COLONIALISMO DE LA “SUPEREXPLOTACIÓN” AL COSMOPOLITISMO DEL
“DEBER DE RESPETO” A LOS DERECHOS HUMANOS POR EMPRESAS MINERAS EN
AMÉRICA LATINA
Jânia Saldanha2
PALAVRAS-CHAVES: América Latina; cosmopolitismo; direitos humanos; empresas transnacionais;
mineração.
ABSTRACT: The theme of this research is the internationalization of law, analyzing corporate responsibility
in transnational mining. It analyzes, in the Latin American context, whether transnational mining is encouraged
and whether this promotion occurs at the expense of human rights. For this, the article was divided into two
parts. In the rst part, the “curse of sources” was presented in three biases: a) the inadequacies of neoclassical
developmental responses to “emancipation” from the idea of progress through human capacities; b) cultural
colonialism intrinsic to the segment, dividing the Global North and South and promoting inequalities; and
c) mining in Latin America, from the description of industry statistics and criticism of regulatory asymmetry,
1 Este texto é, em parte, resultado de pesquisas feitas junto ao CEPEDISA-USP, quando a primeira das autoras lá esteve como pesquisadora
visitante no ano de 2018. No período, dedicou-se a analisar a atuação das empresas de mineração e o seu impacto sobre a saúde. Os demais
autores fazem parte do grupo de pesquisa CULTIS – Centro de Culturas jurídicas Comparadas, Internacionalização do Direito e Sistemas
de Justiça, vinculado ao PPG em Direito da UNISINOS. Eles também fazem parte do CDHE – Centro de Direitos Humanos e Empresas e a
contribuição para o texto resulta das atividades de pesquisa junto a esse órgão, sob a orientação da primeira autora.
2 Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2004). Pós-Doutorado pelo Institut des Hautes Études sur la Justice, IHEJ,
França (2014). Docente da Universidade Federal de Santa Maria, professora assistente II da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
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RESUMO: A temática da pesquisa está na internacionalização do direito, analisando
a responsabilidade corporativa na mineração transnacional. Depreende-se, no contexto
latino-americano, se a mineração transnacional é incentivada e se esse fomento ocorre à
custa dos direitos humanos. Para tanto, dividiu-se o artigo em duas partes. Na primeira,
a “maldição das fontes”, foi apresentada em três vieses: a) insuciências das respostas
desenvolvimentistas neoclássicas para “emancipação” da ideia de progresso pelas
capacidades humanas; b) colonialismo cultural ínsito ao segmento, dividindo Norte e Sul
Globais, e promovendo desigualdades; e c) mineração na América Latina, pela descrição
dos números da indústria e crítica à assimetria normativa traduzida na irresponsabilidade
das mineradoras. Na segunda, investigaram-se os efeitos na mineração transnacional
na América Latina, sobre os DESCA e a criminalização dos defensores dos direitos
humanos. Finalmente, apresenta-se a RSE, propondo-se a potencialidade cosmopolítica
do dever de respeito como uma possibilidade ao extrativismo responsável.
DOI: 10.14210/nej.v25n3.p822-852
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 25 - N. 3 - SET - DEZ 2020 823
reected in the irresponsibility of mining companies. The second part investigates the eects of transnational
mining in Latin America, the DESCA, and the criminalization of human rights defenders. Finally, CSR is
presented, proposing the cosmopolitical potential of the duty of respect as a possibility for responsible mining.
KEYWORDS: Latin America; cosmopolitanism; human rights; transnational companies; mining
RESUMEN: La temática de la investigación está en la internacionalización del derecho, analizando la
responsabilidad corporativa en la minería transnacional. Se destaca, en el contexto latinoamericano, si la
minería transnacional es incentivada y si el fomento se da a expensas de los derechos humanos. Para tanto,
se dividió el artículo en dos partes. En la primera, la “maldición de las fuentes”, fue presentada en tres sesgos:
a) insuciencias de las respuestas desarrolladas neoclásicas para “emancipación” de la idea de progreso por
las capacidades humanas; b) colonialismo cultural inherente al segmento, dividiendo Norte y Sur Globales,
y promoviendo desigualdades; y c) minería en América Latina, por la descripción de los números de la
indústria y crítica a la asimetría normativa traducida en la irresponsabilidad de las empresas mineras. En la
segunda, se investigaron los efectos en la minería transnacional en América Latina, sobre los DESCA y la
criminalización de los defensores de los derechos humanos. Finalmente, se presenta la RSE, proponiendo la
potencial cosmopolítica del deber de respeto como una posibilidad al extrativismo responsable.
PALABRAS CLAVE: América Latina; cosmopolitismo; derechos humanos; empresas transnacionales;
minería.
INTRODUÇÃO
Estudos apontam que as grandes corporações transnacionais do setor da mineração
incrementam o produto interno bruto de inúmeros Estados e contribuem, assim, para o acúmulo da
riqueza nacional. Contudo, o setor do extrativismo mineral, notoriamente, tem imposto ao longo do
tempo custos socioambientais e humanos a indivíduos e comunidades. Esses custos, antes de serem
desprezados, devem ser levados a sério, na medida em contrariam um amplo conjunto normativo
internacional de proteção dos direitos humanos.
Desde a colonização, a América Latina tem sido alvo da exploração da indústria da mineração.
Assim, o extrativismo não é um fenômeno novo. Entretanto, a partir dos anos setenta do século
passado, por inuência do modelo econômico neoliberal, a organização das empresas extrativistas
do setor passou a tomar a forma multinacional ou transnacional3, o que repercutiu imensamente
sobre a produção e aplicação do direito para limitar suas ações e impor-lhes responsabilidades.
Os estudos e os fatos demonstram4 que as grandes corporações do setor de mineração estão
entre as campeãs em violações de direitos humanos. Assim, esforços para que marcos normativos
3 A diferença consiste na presença de uma sede vinculada a um Estado Nacional, o que caracteriza a ideia de multinacional, ou a total
transnacionalização do investimento, que identica o modelo transnacional.
4 Da última entrega do GT da ONU para empresas e direitos humanos ao Secretário Geral, dentre outros, consta que, em 2018, 321 defensores
de direitos humanos foram atacados e mortos, em 27 países, pelo trabalho que desenvolvem. Desse número, 77% dos ativistas que perderam
a vida defendiam direitos territoriais, ambientais, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, no contexto das indústrias extrativistas
e dos megaprojetos aprovados conjuntamente com os Estados nacionais (NAÇÕES UNIDAS. Assemblea General. Grupo de Trabajo sobre
la cuestión de los derechos humanos y las empresas transnacionais y otras empresas. Nota del Secretario General. Genebra/SWZ. 19
jul. 2019. Disponível em: <https://undocs.org/es/A/74/198>. Acesso em: 29 mai. 2020).

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