Do contrato de seguro

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29. 1 Introdução

Analisemos um exemplo elucidativo: Um menor desce do ônibus e tenta atravessar a rua para se encaminhar ao colégio em que estuda. Nessa ocasião é colhido por um veículo que trafega no mesmo sentido do ônibus.

A sindicância instaurada pela Polícia foi arquivada, não chegando a ser aberto o processo sumário por ter sido entendido, naquela oportunidade, que a prova testemunhal revelara exclusiva imprudência da vítima.

Indaga-se: Os sucessores da vítima têm direito a alguma indenização?

Sim, têm direito à indenização por força do seguro obrigatório contra acidente de trânsito, verdadeira assistência pública que o Estado tomou a seu cargo, para proteção do indivíduo (Decreto-lei n. 73, de 1.966).

Nesse caso, a ação deve ser proposta pelos sucessores contra a seguradora, porque o pagamento das indenizações fixadas nas apólices não fica na dependência da prova da culpa do causador do dano. A única averiguação a ser feita, para fins de

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indenização, será a existência do dano, por força da "teoria do risco", consagrada no retrocitado decreto-lei n. 73, regulamentado pelo decreto n. 61.867, de 1.967, com as modificações introduzidas pelo decreto-lei n.º 814, de 1.969. A propósito, o art. 5.º deste último decreto-lei, dispõe, in verbis:

"O pagamento das indenizações será efetuado mediante a simples prova do dano e independentemente da apuração da culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do proprietário do veículo".

Com base nesse preceito, o TJSP decidiu o caso supracitado no início, do seguinte modo: "O seguro obrigatório impõe a obrigação de pagar indenização fixada na respectiva apólice sem que se deva cogitar da existência ou não de culpa do motorista" (in RT 433/96). Em abono deste entendimento, evoque-se o seguinte aresto: "O sistema de seguro obrigatório de veículos automotores de vias terrestres busca estabelecer o princípio da universalidade, dando cobertura a todas as vítimas, independentemente da situação do causador do dano. Portanto, se o veículo ou sua seguradora não forem identificados, ou não tiver sido feito o seguro, ou ainda este estiver vencido na data do acidente de trânsito, o lesionado continuará a ter direito à indenização, acionando qualquer das sociedades seguradoras que obrigatoriamente participam do consórcio, nos termos do art. 7.º da Lei 6.194/74" (in RT 761/255). Interessante trazer à baila o aresto que segue, para completar o entendimento aqui exposto: "Não pode a seguradora se recusar a pagar a indenização proveniente de seguro obrigatório alegando a falta de pagamento do prêmio pelo proprietário do veículo causador do acidente, pois a lei não faz essa exigência, e, além do mais, aquela não terá qualquer prejuízo, pois poderá ingressar com uma ação regressiva, tudo nos termos da Lei 6.194/74, com a redação dada pela Lei 8.441/91" (in RT 743/300).

É também o caso do seguro obrigatório, em relação aos acidentes do trabalho, em que não se cogita a existência da culpa, mas, simplesmente, se o acidente ocorreu durante o trabalho.

Além do seguro obrigatório, que é um seguro de natureza social, por visar à proteção de determinadas "categorias de pessoas contra a velhice, a invalidez, acidentes do trabalho, desemprego etc., fornecendo-lhes aposentadoria, assistência ou indenização",260 há, ainda, os seguros privados, também chamados facultativos, aqueles feitos através de um contrato e que "visam ao interesse dos indivíduos ut singoli".261

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No momento, o que nos interessa é o estudo do contrato de seguro, localizado principalmente dentro do Código Civil.

29. 2 Definição de contrato de seguro

Antes da apresentação da definição do contrato de seguro, é absolutamente relevante conhecer o mecanismo do contrato de seguro. Essa matéria é excelentemente tratada pelo saudoso Prof. Sílvio Rodrigues do qual passo a transcrever a lição, ipsis litteris262: "Imagine-se que uma centena de proprietários de imóveis se unisse para dividir por todos os prejuízos que cada qual experimentasse com eventual incêndio de seu prédio. É improvável que todos os prédios se incendiassem, sendo possível que apenas um ou dois pegassem fogo. O prejuízo experimentado no sinistro seria dividido por todos, de modo que o prejuízo se atenuaria enormemente. O proprietário cujo prédio ficou ileso sofreria um desembolso por prejuízo que não afetou coisa sua e que, portanto, não teria de realizar se não se houvesse unido a seus companheiros. Entretanto, por meio desse negócio garantiu-se contra os riscos incidentes sobre o seu imóvel, pois, fosse ele a vítima do sinistro, em vez de seu prejuízo ser total, experimentaria perda apenas parcial.

Imagine-se, agora, que, em vez de serem cem as pessoas unidas por esse ajuste, sejam milhares e milhares os segurados. Estarão dividindo entre si os prejuízos experimentados por qualquer deles. É assim que operam as sociedades de seguros mútuos, pois nelas os associados dividem entre si os prejuízos que a qualquer deles advenham dos riscos por todos enfrentados". E conclui: "Mas é assim também que funciona qualquer negócio de seguro, pois a empresa seguradora privada nada mais é do que uma intermediária que, recolhendo os prêmios pagos pelos segurados, usa desses recursos, e só deles, para pagar as indenizações pelos sinistros ocorridos". E finaliza: "De modo que são os próprios segurados que pagam as indenizações devidas".263

O artigo 757 do CC proclama a definição de contrato de seguro, in verbis:

"Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".

Pela definição, o contrato de seguro visa garantir legítimo interesse do segurado. Aliás, o interesse apreciável objetiva o risco. Este é o acontecimento futuro

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e incerto previsto no contrato, suscetível de causar dano. Entrementes, o objetivo maior do contrato é o ressarcimento de um prejuízo por dano futuro e indeterminado ou contra riscos predeterminados.

Nos contratos de seguro por adesão, os riscos predeterminados indicados no art. 757, parte final, devem ser interpretados de acordo com os arts. 421, 422, 424, 759 e 799 do Código Civil e 1º, inc. III, da Constituição Federal (Enunciado n. 370)264.

29. 3 As partes do contrato de seguro

Pela definição oferecida pelo Código Civil (art. 757), quem assume a obrigação de ressarcir o prejuízo tem o nome de segurador; aquele pagará a importância do prêmio265, em troca do risco que o segurador assume, é denominado segurado.

O segurador, para poder explorar o ramo de seguros privados, deve ser uma entidade legalmente autorizada. É o que se depreende do parágrafo único do art. 757 do CC, in verbis:

"Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada".

Portanto, somente pessoas jurídicas que têm autorização administrativa poderão atuar ou figurar no ramo de seguros. A essa altura, é relevante o aviso dado pelo do art. 777 do CC: "O disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias".

Foi o Código Civil de 1.916 quem regulou o seguro terrestre, detalhadamente, nos arts. 1.432 a 1.465, e, depois do advento deste Código, surgiu uma série de leis, decretos-leis e decretos, traçando normas especiais sobre as várias modalidades de seguros. Mas, é no Código Civil atual que está o alicerce das regras disciplinadoras do contrato privado de seguro, razão pela qual vamos estudá-lo.

Em suma, nossa legislação não permite que um indivíduo ou pessoa física contrate como segurador. Este só pode ser uma sociedade anônima previamente autorizada pelo Governo Federal (Decreto-lei n. 2.063, de 1940, art. 1º). Há exceções: as sociedades mútuas, cooperativas e entes estatais podem ser a seguradora, desde que autorizados pelo governo. "As Sociedades Cooperativas operarão unica-

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mente em seguros agrícolas, de saúde e de acidentes de trabalho" (parágrafo único do art. 24, do Decreto-lei 73, de 1966).

A sociedade seguradora, quando for um empresário ou sociedade anônima, não fica sujeita à falência nem pode impetrar concordata (Decreto-lei n. 73, art. 26); sua liquidação se promove por forma especial, prevista em lei. Mas, suas operações podem cessar voluntariamente, por decisão dos acionistas, em assembléia geral, ou compulsoriamente, por ato do governo.

29.3. 1 Agentes de seguros

A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão (Enunciado n. 185 CJF)266.

Os agentes de seguros são pessoas, naturais ou jurídicas, devidamente autorizadas pelo segurador, que se dedicam a angariar contratos de seguros. Presumem-se serem eles representantes do segurador "para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem" (CC, art. 775). Confira-se pelo seguinte aresto: "É válida a quitação de pagamento de prêmio de seguro outorgada por empresa de corretagem (o CC fala em agente), pois patente a relação de representatividade existente entre a seguradora e a corretora, eis que a contratação da garantia, via de...

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