Do Crime (Arts. 13 a 25)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas173-299
Tratado Doutrinário de Direito Penal
173
Arts. 13 a 25
1. Conceito de delito
Existem posições doutrinárias, conceituando o
crime sob aspectos distintos.
1. ASPECTO ANALÍTICO: conceitua crime, anali-
sando os elementos ou requisitos e características
que integram o conceito de infração penal.
DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA
Diverge a doutrina sobre o conceito analítico de
crime, com as seguintes posições:
a) crime é um fato típico e antijurídico, sendo a
culpabilidade apenas um pressuposto de aplicação
da pena (René Ariel Dotti, Damásio de Jesus, Júlio
Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, Flávio Augus to
Monteiro de Barros, Capez, entre outros);
b) crime é um fato típico, antijurídico, culpável e
punível (Basileu Garcia, Muñoz Conde, Hassemer,
Battaglini, entre outros);
c) crime é um fato típico e culpável, estando a anti-
juridicidade ínsita ao próprio tipo (Miguel Reale
Júnior, entre outros adeptos da teoria dos ele-
mentos negativos do tipo).
d) crime é um fato típico, antijurídico e culpável:
(Bitencourt, Régis Prado, Heleno Cláudio Fragoso,
Aníbal Bruno, Nélson Hungria, João Mestieri,
Magalhães Noronha, José Cirilo de Vargas, Jair
Leonardo Lopes, João José Leal, Roque Brito
Alves, Rogério Greco, Mougenot, Assis Toledo,
Juarez Tavarez, Pierangeli, Zaffaroni, Fernando
de Almeida Pedroso, Fernando Galvão, Custódio
da Silveira, Frederico Marques, Nucci, entre
outros.).
e) Para teoria da responsabilidade normativa formulada
por Roxin o crime seria formado pela tipicidade +
antijuridicidade + responsabilidade. Aprofundare-
mos melhor o tema no capítulo da culpabilidade.
Obs.: alguns autores denominam esse conceito
como “conceito tripartido”, “conceito dogmático de
crime”, “conceito clássico ou tridimensional”.
f) Luiz Flávio Gomes209 discorda de todas as teorias
formuladas, a rmando:
Com a devida venia, nem uma coisa nem outra
podemos acolher. Não existe crime no Direito Penal
brasileiro se o fato não for formalmente (legalmente)
ameaçado com pena (leia-se: não há crime quando
não há punibilidade abstrata, quando não há amea-
ça legal de pena). De outro lado, a culpabilidade não
integra o conceito de crime; ao contrário, é juízo de
reprovação ao agente do crime, é o elo que coliga o
delito com a pena. Para se impor uma pena, depen-
demos então (a) de um fato materialmente típico, (b)
contrário ao Direito (antijuridicidade), (c) ameaçado
formalmente com pena (punibilidade abstrata), (d)
praticado por agente culpável (culpabilidade) e (e)
desde que a pena seja concretamente necessária
(em termos preventivos – Roxin).
g) Minha posição: com a adoção da tipicidade “con-
globante ampla” e o reconhecimento do princípio
da insigni cância como excludente de tipici dade
material, entendo que o conceito de crime foi sen-
sivelmente afetado, passando a ser:
Um fato conglobalmente típico e antijurídico”.
Obs. 1: O fato conglobalmente típico é composto
por:
a) Tipicidade formal: Subtrair, para si ou para outrem,
coisa alheia móvel. Tipicidade formal, art. 155
b) Tipicidade material: É a veri cação da lesão ao
objeto jurídico no caso concreto.
209 GOMES, Luiz Flávio. Direito PenalParte Geral, Teoria
Constitucionalista do Delito. São Paulo: RT, 2004, p. 15.
Capítulo 3
Do Crime (Arts. 13 a 25)
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 173 08/02/2018 14:46:11
Francisco Dirceu Barros
1 74
175
Arts. 13 a 25
EXEMPLO PRÁTICO
No caso anterior, Tício subtraiu apenas R$ 1,00.
Solução jurídica:
1. Há tipicidade formal (art. 155 do Código Penal).
2. Após vericar a relevância da lesão ao objeto jurí-
dico no caso concreto, chegaremos à conclusão
de que o fato é atípico, pois não há tipicidade
mate rial.
c) Tipicidade antinormativa: consistente nos atos
não autorizados e tam bém não incentivados pelo
direito. É a tese da tipicidade conglobante desen-
volvida pelos amigos Pierangeli e Zaffaroni a qual
estudaremos em item próprio.
A proposta da teoria da imputação objetiva é
dinamizar os diversos ramos do direito, partindo
da premissa da unidade do ordenamento jurídico.
Assim, para se concluir pela tipicidade penal, é
imprescindível vericar não apenas a subsunção
formal (fato-tipo) e a relevância da lesão ou perigo
de lesão, mas também se o comportamento é anti-
normativo, ou seja, se não é incentivado pelo próprio
ordenamento jurídico.
Obs. 2: Antijuridicidade é todo fato contrário
ao ordenamento jurídico.
Obs. 3: Por uma questão de ordem ética e para
seguir o objetivo deste livro, que é preparar você
para prática forense, informo que minha posição
é minoritária. Hoje, o conceito predominante de
crimeéotripartidoclássicoeédenidocomo:
FATO TÍPICO, ANTIJURÍDICO E CULPÁVEL
Conforme lições de Esíquio Manuel Sánchez
Herrera:
“Hoje, a maioria dos códigos penais do mundo moderno
reproduzem na denição de delito a grande conquista
dogmática: o delito é um comportamento típico, antiju-
rídico e culpável. Sem embargo, isso nem sempre foi
assim; foi necessário um longo processo de desenvol-
vimento dogmático que concretizou somente em 1906
esse conceito tripartido de delito. Desde esse momento
dito progresso é irreversível”. 210
210 SÁNCHEZ HERRERA, Esiquio/Esíquio Manuel. La
dogmática de la teoria del deito – Evolución cientíca del
sistema del delito, p. 79
2. ASPECTO MATERIAL OU SUBSTANCIAL: crime
é uma lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-
-penal, ou seja, conceitua-se crime a conduta
que viola os bens jurídicos mais importantes.
3. ASPECTO FORMAL OU NOMINAL: crime é toda
conduta que colide com a lei editada pelo Estado.
Observação: o mais importante é o conceito
analítico de crime, pois o formal e o material não
traduzem com precisão o que seja crime, nem quais
são seus requisitos. Coloquei todas as eventuais
divergências para enriquecer uma futura dissertação
em uma prova subjetiva.
As correntes que denem a sistemática do delito
estão assim divididas:
a) Finalistas. Assis Toledo, Damásio, Heleno Fragoso,
Juarez Tavares, José Henrique Pierangeli, Eugenio
Raúl Zaffaroni, Fernando de Almeida Pedroso,
Jair Leonardo Lopes, Cezar Roberto Bittencourt,
Luiz Regis Prado, Rodolfo Tigre Maia, Chaves
Camargo, Jorge Alberto Romeiro, Reinhart Mau-
rach, Heinz Zipf, Claus Roxin – este último com
um sistema próprio –, entre outros.
b) Causalistas. Nélson Hungria, Frederico Marques,
Aníbal Bruno, Magalhães Noronha, Paulo José
da Costa Júnior, Vicente Sabino Júnior, Salgado
Martins, Euclides Custódio da Silveira, Baumann,
Mezger, entre outros.
c) Teoria social da ação, que se propõe a ser uma
tentativa de ajuste, num só quadro, dos principais
aspectos do causalismo e do nalismo (Jesche-
ck, Wessels, Schmidt, Engisch, Wolff, entre ou-
tros).
d) Teoria constitucionalista do delito: defendida
por Luiz Flávio Gomes,211 conceitua conduta
como a realização voluntária de um fazer ou não-
-fazer (ação ou omissão), dominado ou dominável
pela vontade. O dolo e a culpa constituem as
duas formas de realização da conduta. Pertencem
à tipicidade penal, mas não são valorados dentro
da conduta (e sim, em outras etapas da análise
da tipicidade).
211 GOMES, Luiz Flávio. Direito PenalParte Geral, Teoria
Constitucionalista do Delito. São Paulo: RT, 2004, p. 43.
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 174 08/02/2018 14:46:11
Tratado Doutrinário de Direito Penal
175
Arts. 13 a 25
Minha posição: teoria nalista, hoje, francamen-
te majoritária. Veremos posteriormente no item “A
condutaeateorianalista”.
INDAGAÇÃO PRÁTICA
1. Matar alguém é crime?
Resposta: Não. Matar alguém é um fato típico
(art. 121 do CP). Para que seja crime, é preciso,
também, ser antijurídico. O agente pode matar e
não ser crime? Exato. Quando se mata alguém em
legítima defesa, temos um fato típico, porém não
antijurídico.
Ao contrário de alguns autores, não entende-
mos correta a inclusão da punibilidade no
conceito de crime, porque aquela não faz parte
do crime, constituindo somente uma consequên-
cia.212 Como ressalta, acertadamente, Assis Tole-
do,“apenacriminal,comosançãoespecícado
Direito Penal, ou a possibilidade de sua aplicação,
não pode ser elemento constitutivo, isto é, estar
dentro do conceito de crime”.213 Dessa forma, a
eventual exclusão da punibilidade, quer por falta de
uma condição objetiva, quer pela presença de uma
escusa absolutória, não exclui o conceito de crime
já perfeito e acabado.
Como já relatei, entendo que o crime é “Um fato
conglobalmente típico e antijurídico”. A culpabilidade
não pode ser requisito do crime, pelos motivos a
seguir elencados:
a) é incorreto afirmar que a culpabilidade não é
requisito do crime porque a mesma “é pressu-
posto de aplicação da pena”, pois a tipicidade e
a antijuridi cidade também são pressupostos para
aplicação da pena. Na realidade a cul pabilidade
não é requisito do crime porque é o elo que liga
o delito à pena;
b) estudaremos em capítulo próprio que a culpabi-
lidade é juízo de reprovação, que recai sobre o
agente do fato punível, portanto, pertence à
punibilidade, tornando-se um verdadeiro elo
entre o crime e a pena;
212 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito, p. 1.
213 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito
Penal, p. 81.
c) Código Penal quando trata dos inimputáveis, ou
seja, aqueles a quem não se pode atribuir culpa,
usa claramente a expressão “é isento de pena
(veja os arts. 26 e 28, § 1º, do Código Penal), se
a culpabilidade fosse requisito do crime, o Código
Penal, ao tratar dos inimputáveis, diria “não há crime
quando o agente (...)”. Da leitura do Código Penal,
concluímos que o inim putável comete crime, fato
conglobalmente típico e antijurídico, mas “é isento
de pena”. Não teria a mínima lógica o Código Penal
usar a expressão é isento de pena”, se não estives-
se se referindo a pessoa que comete crime. Leia-se
se a pessoa não comete crime, não precisaria dizer
que ela é isenta de pena”;
d) quando se trata de inimputáveis menores de 18
anos, o art. 103 da Lei nº 8.069/1990, preconiza:
Considera-se ato infracional a conduta descrita
como crime ou contravenção penal”. Ora, para
cometer o ato infracional o menor tem que reali-
zar um fato conglobalmente típico e antijurídico
(crime);
e) o Código Penal ainda indica outras pistas sobre
a sua opção de deixar a culpabilidade fora do
crime. Um exemplo bem claro é o art. 180, § 4º,
in ver bis: “A receptação é punível, ainda que des-
conhecido ou isento de pena o autor do crime de
que proveio a coisa”, repita-se: “isento de pena
o autor do crime”, ou seja, não há culpabilidade,
mas há crime.
A sistemática do nosso Código Penal é bem clara
quanto às consequências dos atos ilícitos:
a) imputáveis cometem crime e contravenção penal,
e são punidos com penas;
b) inimputáveis, maiores de 18 anos, cometem
crime e contravenção penal, mas são “isentos de
pena”, recebem medida de segurança;
c) inimputáveis, menores de 18 anos, cometem
crime e contravenção penal – é o que a lei
denomina ato infracional – e recebem medida
socioeducativa.
Observação: informo, novamente, que para a
corrente majoritária, os inimputáveis não cometem
crimes, porque o delito é um fato típico, antijurídico
e culpável.
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 175 08/02/2018 14:46:11

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT