Do Homicídio (Art. 121)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas611-685
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 121
Capítulo 1
Do Homicídio (Art. 121)
1. Conceito
A Bíblia, mais precisamente em Gênesis, capí-
tulo 4, versículo 8, relata que o primeiro homicídio
registrado na história foi cometido por Caim contra
o seu irmão Abel. Em verdade, é possível dizer que
o homicídio é um dos crimes inaugurais da humani-
dade, de modo que é comum encontrar na doutrina
abalizada o raciocínio de que a história de tal tipo
penal pode ser confundida com a própria história do
Direito Penal.
Na doutrina brasileira, o grande mestre do Direito
Penal Nélson Hungria leciona que: “O homicídio é
o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto
culminante na orogra a dos crimes. É o crime por
excelência. É o padrão da delinquência violenta
ou sanguinária, que representa como que uma re-
versão atávica às eras primevas, nas quais a luta
pela vida, presumivelmente, se operava com o uso
normal dos meios brutais e animalescos. É a mais
chocante violação do senso moral médio da humani-
dade civilizada1030.”
Para Giuseppe1031, homicídio é a destruição
injusta de uma vida humana praticada por outro
homem.
Por sua vez, o festejado doutrinador Cléber Mas-
son1032 conceitua o tipo penal em estudo da seguinte
maneira: “É a supressão da vida humana extrauteri-
na praticada por outra pessoa. Esse conceito permi-
te uma importante conclusão: a eliminação da vida
humana não acarreta na automática tipi cação do
1030 Comentários ao Código Penal V. V/25, Forense, 1958.
1031 Apud
OLiVEirA,
Edmundo. Comentários ao Código Penal:
Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
1032 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Especi al
– Volume 2. 9ª edição. Pág. 58. São Paulo: Editora Método,
2016.
crime de homicídio. De fato, se a vida humana for
intrauterina estará caracterizado o delito de aborto.
Além disso, se já iniciado o trabalho de parto, a mor-
te do feto con gura homicídio ou infanticídio, depen-
dendo do caso concreto, mas não aborto. Se não
bastasse, ‘matar alguém’ pode resultar no crime de
infanticídio, se presentes as demais elementares ti-
pi cadas pelo art. 123 do Código Penal, quais sejam,
a vítima deve ser o lho nascente ou recém-nascido,
além de ser a conduta praticada pela própria mãe
durante o parto ou logo após, sob a in uência do
estado puerperal.”
RESUMO PRÁTICO
Todos os conceitos dos renomados autores su-
pracitados podem levar o concursando a um erro
grave: “matar alguém” não é o conceito de homicídio
doloso, isto porque o vocábulo “homicídio” vem do
latim homicidium, compondo-se de dois elementos:
homo e caedere. Homo signi ca homem e provém
de humus, que signi ca terra ou país. O su xo cídio
derivou de caedes, de caedere, matar. Portanto, temos:
hominis + excidium = matar um homem (obs.: homem
ou mulher, pertencente ao gênero humano).1033
Portanto, entendo que o homicídio doloso é a
injusta destruição, com animus necandi, (vontade
de matar) da vida humana extrauterina praticada por
outrem.
INDAGAÇÕES PRÁTICAS
1. Por que injusta destruição?
Resposta. Porque a destruição pode ser justa e,
neste caso, o fato não será antijurídico. Veja a matéria
“excludentes de ilicitude”, na Parte Geral.
1033 No sentido do texto: B
ONFiM,
Edílson Mougenot. Direito Penal
v. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 4.
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2. Por que com animus necandi?
Resposta. Porque, se o animus for diverso, haverá
outros crimes, como, por exemplo:
a) se é a mãe que mata o próprio lho em estado
puerperal, será infanticídio;
b) a morte provocada pela própria vítima caracteriza
o suicídio;
c) a destruição, com animus furandi, da vida humana
extrauterina praticada por outrem, caracteriza-se
latrocínio etc.
3. Por que vida extrauterina?
Resposta. Porque a supressão da vida intraute-
rina caracteriza o aborto. Veremos no item “O início
da vida” que há apenas uma exceção.
4. Por que praticada por outrem?
Resposta. Porque, se a destruição for provocada
por um animal, não haverá homicídio, exceto se o
animal for usado como arma na prática de homicídio.
RESUMO PRÁTICO
Em conclusão, entendo que o conceito completo
de homicídio doloso deve conter quatro elementos,
a saber:
a) injusta destruição;
b) animus necandi;
c) vida humana extrauterina;
d) ato praticado por outrem.
Obs.: se, na conceituação, faltar um dos elementos
supracitados, o delito não será o de homicídio.
2. Bem jurídico e fundamento constitucional
Bem jurídico é, em suma, toda realidade da vida
que permite ao ser a sua autorrealização em comu-
nidade, bem como tudo aquilo que faz parte da es-
trutura estatal que permite ao se gozar desses bens.
Algumas realidades da vida — como a própria vida
por óbvio — permitem a autorrealização e interação
do ser em comunidade. Desse modo, essas realida-
des que são importantes para que se viva em comu-
nidade e se autorrealize são bens jurídicos. Especi-
camente no caso do tipo penal de homicídio, a vida
humana extrauterina é o bem jurídico que se busca
proteger, valor superior que que, como diverso não
poderia deixar de ser, encontra-se consagrado no
berço constitucional do art. 5.º, caput, da CF/88,
como direito fundamental do ser humano.
3. Análise didática do tipo penal
3.1. Tipos de homicídio
a) homicídio simples;
b) homicídio privilegiado;
c) homicídio qualicado;
d) homicídio qualicado – privilegiado (com diver-
gência doutrinária);
e) homicídio culposo;
f) homicídio culposo majorado;
g) homicídio culposo no trânsito;
h) homicídio culposo majorado no trânsito;
i) homicídio hediondo;
j) homicídio doloso majorado.
k) homicídio preterdoloso
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Obs. 1: Agora você já pode resolver esta questão
elaborada do contexto forense prático: “Quais são
as modalidades de homicídios previstos no nosso
Cuidado: o homicídio qualicado – privilegiado
é uma criação doutrinária, e os homicídios dos itens
g” e “h” não são previstos no Código Penal.
Obs. 2: As denominações feminicídio e homicí-
dio funcional, em realidade, são qualicadoras do
homicídio.
3.2. Qualicadoras do homicídio
De início é importante registrar que qualicado-
ras são circunstâncias e não elementares. Nesse
sentido, alerta Rogério Greco1034 que “Os dados
que compõem o tipo básico ou fundamental (inse-
rido no caput) são elementares (essentialia delicti);
aqueles que integram o acréscimo, estruturando o
tipo derivado (qualicado ou privilegiado) são cir-
cunstâncias (accidentalia delicti). No homicídio, a
qualicadora de ter sido o delito praticado mediante
1034 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 11ª edição.
Página 480. Niterói: Editora Ímpetus, 2017.
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paga ou promessa de recompensa é circunstância
de caráter pessoal e, portanto, ex vi do art. 30 do CP,
incomunicável. É nulo o julgamento pelo Júri no qual
o Conselho de Sentença acolhe a comunicabilidade
automática de circunstância pessoal com desdo-
bramento na xação da resposta penal in concreto
(STJ, HC 78404/RJ, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª T.,
DJe 9/2/2009).”.
Roberto Lira divide as qualicadoras da seguinte
forma: “as circunstâncias qualicativas do homicídio
(art. 121, § 2º) resultam dos motivos (nº I e II), dos
meios (nº III), da forma (nº IV) e da conexão (nº V) e
sempre revelam maior periculosidade, embora não
sejam as únicas em condições de caracterizar a
temibilidade.”1035
Já nesse momento é preciso que se traga a lume
a relação do homicídio qualicado aqui previsto
com a Lei dos crimes hediondos, uma vez que diga
que todo homicídio qualicado (qualquer que seja a
qualicadora) é, consequentemente, crime hedion-
do expressamente previsto no rol taxativo da Lei nº
8.072/1990. É o que consta do art. 1º, inciso I, da Lei
nº 8.072/1990. De acordo com o escólio de Cléber
Masson é “Importante destacar que, ao entrar em
vigor, a Lei 8.072/1990, em sua redação original,
não previa o homicídio qualicado, nem o homicídio
simples praticado em atividade típica de grupo ex-
termínio, ainda que por um só agente, como crimes
hediondos. Essa modicação ocorreu em razão da
Lei 8.930/1994 (Lei Glória Perez). Atualmente o ho-
micídio qualicado e o homicídio simples praticado
em atividade típica de grupo de extermínio, ainda
que por um só agente, consumados ou tentados,
revestem-se da hediondez.”1036
O homicídio será qualificado quando for
cometido:
a)Primeiraqualicadora: Homicídio doloso pra-
ticado mediante paga ou promessa de recompensa,
ou por outro motivo torpe.
Torpe é o motivo baixo, abjeto, desprezível, re-
pugnante, vil, ignóbil, que repugna a coletividade.
É uma qualicadora subjetiva.
1035 Noções de Direito Criminal, Parte Especial, 1.944. v. I, p. 53
e 54.
1036 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte
Especial – Volume 2. 9ª edição. Pág. 69. São Paulo: Editora
Método, 2016.
A vingança pode ou não constituir motivo torpe,
temos que analisar os fatos de origem. Fernan-
do de Almeida Pedroso arma que “a vingança,
como sentimento de represália e desforra por
alguma coisa sucedida, pode, segundo as cir-
cunstâncias que determinam, congurar ou não
o motivo torpe, o que se verica e dessume pela
sua origem e natureza”.1037
O ciúme também, por si só, não pode ser equipa-
rado a motivo torpe, é o mesmo entendimento de
Celso Delmanto.1038
• Com relação à promessa de recompensa,
entende Bento de Faria1039 que se faz mister,
porém, “que o matador proceda já ciente da
recompensa, mas não com esperança de ob-
ter o que não lhe foi prometido.”
• Naverdade,oquehádefundamental,paraqua-
licaro crime,é achamada ganânciado lucro
(cupidez), o extinto mercenário do assassino.
Por isso que Soler defende que “não é necessá-
ria a efetivação do pagamento uma vez que a lei a
equipara, em gravidade, com a promessa de recom-
pensa, assim como não é necessário, tampouco, o
cumprimento da promessa”.1040
É a mesma lição de Cuello Calón, que defende
a existência do crime ainda quando toda a impor-
tância prometida não tenha sido paga, e também
quando só uma parte foi cobrada.1041
Cléber Masson1042, por sua vez, leciona que “Na
paga o recebimento é prévio. O executor recebe
a vantagem e depois pratica o homicídio. Incide
a qualicadora se o sujeito recebe somente parte
do valor acertado com o mandante. Já na pro-
messa de recompensa o pagamento é conven-
cionado para momento posterior à execução do
crime. Nesse caso, não é necessário que o sujei-
to efetivamente receba a recompensa. É sucien-
te a sua promessa. E também não se exige que
tenha sido a recompensa previamente denida,
podendo car à escolha do mandante.”
1037 PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio – participação
em suicídio, infanticídio e aborto. São Paulo: Aide, 1995,
p. 114.
1038 Op. cit., p. 255.
1039 Obra já citada.
1040 SOLER, Sebastian. Op. cit., v. III, p. 46.
1041 CALóN, Cuello. Derecho Penal, 1949, v. II, p. 449 e 450.
1042 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte
Especial – Volume 2. 9ª edição. Pág. 70. São Paulo: Edito-
ra Método, 2016.
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