Do impedimento de mandato cruzado de membro de conselho de administração de sociedade anônima: o conflito de interesses entre agentes econômicos em integração vertical no mercado

AutorGilberto Bercovici
Páginas449-491
449
DO IMPEDIMENTO DE MANDATO
CRUZADO DE MEMBRO DE
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DE
SOCIEDADE ANÔNIMA: O CONFLITO
DE INTERESSES ENTRE AGENTES
ECONÔMICOS EM INTEGRAÇÃO
VERTICAL NO MERCADO
CONSULTA
A empresa X, honra-me com a formulação da presente consulta
para elaboração de parecer sobre o tratamento legal aplicável no direito
brasileiro à participação cruzada de membro de Conselho de Adminis-
tração de empresas com interesses conflitantes. Reproduzo os termos da
consulta que me foi encaminhada:
X é acionista controlador indireto da Companhia Y (“CY”). O
acionista controlador direto da CY é a empresa Z S.A. (“Z”). O acio-
nista controlador precedente da CY, Sr. W, é acionista minoritário da
Z (da qual detém ações com direito de voto e determinados direitos de
veto). A relação entre X e W, na qualidade de acionistas da Z e CY está
regulada por determinadas avenças. sendo o Acordo de Acionistas da Z
(“AAZ”) o instrumento mais importante.
450
GILBERTO BERCOVICI
De acordo com o AAZ, atendidas certas condições, W tem o
direito de continuar a ocupar a presidência do Conselho de Adminis-
tração da CY, posição de que usufrui atualmente. Portanto, X encontra-
se obrigado a exercer seus direitos como acionista da Z, bem como
acionista controlador da CY, no sentido de assegurar a eleição de W
como Presidente do Conselho de Administração da CY, conquanto W
esteja mental e fisicamente apto para o exercício de suas funções, e en-
quanto a CY registrar níveis satisfatórios de desempenho.
Recentemente tornou-se pública a intenção de que W não apenas
pretende adquirir participação acionária relevante na empresa T S.A.
(“T”), mas também tornar-se presidente do Conselho de Administração
da Empresa, hipótese que se vislumbra provável com a formação de
chapa e indicação feita em 21 de Fevereiro de 2013.
No entanto, como é notório, as atividades da CY e da T estão
verticalmente integradas, sendo que entre ambas as empresas há intensa
relação comercial na forma fornecedor/cliente. De fato, a T fornece
extensa variedade de produtos que são adquiridos ou distribuídos tanto
pela CY quanto por outras companhias do seu Grupo.
De acordo com dados publicados na imprensa, a T seria a maior
fornecedora da CY, abastecendo 6% das compras feitas pelo grupo. Ademais,
dados noticiosos também informariam que a CY seria a maior cliente da
T no mercado brasileiro, alcançando montante próximo a 11% das vendas.
Na qualidade de acionista controlador da CY, X revela justifica-
da preocupação com os riscos decorrentes da eleição do presidente do
Conselho de Administração da CY – com mandato até a Assembleia
Geral Ordinária a ser convocada em 2014 – como membro do Conse-
lho de Administração da T, em virtude do conflito de interesses de
ordem comercial e estratégica que se configura entre as empresas.
Em vista do exposto, indaga-se:
1. De acordo com o direito concorrencial brasileiro, consideram-se
as atividades da CY e T verticalmente integradas? Na hipótese afirmativa,
e considerando que o sr. W possui participação acionária relevante na
451
DO IMPEDIMENTO DE MANDATO CRUZADO DE MEMBRO DE...
CY e Z, bem como ocupa a posição de presidente do Conselho de Ad-
ministração da CY, caso o sr. W adquira ações da T, qual seria o patamar
de aquisição necessário para exigência da notificação prévia da operação ao
CADE, e qual seria o foco da análise do órgão de defesa da concorrência?
2. Caso o sr. W, detentor de participação acionária relevante na
CY, e presidente do Conselho de Administração da CY, adquira parti-
cipação acionária inferior ao patamar indicado no item 1 acima, mas, no
entanto, venha a ser eleito presidente do Conselho de Administração da
T, o CADE teria competência para interferir no exercício de suas fun-
ções nos Conselhos de Administração da CY ou T? X tem o direito, na
qualidade de acionista majoritário da CY, de peticionar junto ao CADE
a intervenção do órgão para tutela dos interesses da CY?
3. O CADE tem competência para (i) impedir que W seja tanto
presidente do Conselho de Administração da CY quanto da T; ou (ii)
impedir que W seja concomitantemente membro dos Conselhos de
Administração da CY e T?
4. Caso W seja eleito para o Conselho de Administração da T e
mantenha sua posição no Conselho de Administração da CY, o CADE
tem competência para (i) impedir o exercício dos direitos conferidos a
W pelo AAZ na CY (incluindo impedimento de voto nos Conselhos
da Z e CY); ou (ii) determinar a W o desinvestimento em uma das
companhias; (iii) adotar qualquer outra medida?
5. A conclusão das questões anteriores seria alterada caso o sr. W
seja eleito para o Conselho de Administração da T e venha a renunciar
de seu cargo no Conselho de Administração da CY, mas ainda exerça
o direito de designar membros do Conselho de Administração da CY?
Neste caso, o CADE teria competência para (i) impedir que os membros
designados por W votem; ou (ii) impedir que W nomeie membros do
Conselho de Administração da CY?”
PARECER
1. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À CONCORRÊNCIA
E A ORDEM PÚBLICA ECONÔMICA

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT