Do outro lado do atlântico: as relações políticas e econômicas entre o Brasil e os países africanos desde o século XX

AutorElga Lessa de Almeida
CargoProfessora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), com Doutorado e Mestrado em Administração pela Universidade Federal da Bahia e graduação em Direito pela UFBA. É pesquisadora do Laboratório de Análise Política Mundial - LABMUNDO/UFBA e do Centro de Estudos Internacionais - CEI/IUL. E-mail: elgalessa@gmail.com
Páginas191-222
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 445-476, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO: AS RELAÇÕES POLÍTICAS E
ECONÔMICAS ENTRE O BRASIL E OS PAÍSES AFRICANOS
DESDE O SÉCULO XX
From the other side of the Atlantic: Political and economic relations between
Brazil and African countries since the 20th century
Elga Lessa de Almeida
Professora Adjunta da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB), com Doutorado e
Mestrado em Administração pela Universidade
Federal da Bahia e graduação em Direito pela UFBA.
É pesquisadora do Laboratório de Análise Política
Mundial - LABMUNDO/UFBA e do Centro de
Estudos Internacionais - CEI/IUL.
E-mail: elgalessa@gmail.com
Informações do artigo
Recebido em 02/05/2017
Aceito em 23/05/2017
Resumo
A análise dos últimos anos das relações políticas e
econômicas entre o Brasil e os países africanos
mostram uma tendência para repetição de um
padrão presente ao longo de todo o século XX
curtos períodos de aproximação seguidos por
períodos maiores de afastamento. A importância da
herança africana para a formação da sociedade
brasileira não se tem refletido na construção de
relações estáveis com alguns desses países ou que se
dinamizem e se aprofundem ao longo do tempo. Este
artigo procura apresentar essa dinâmica de
aproximação-afastamento que tem caracterizado
essas relações, trazendo elementos que possibilitem
compreender a manutenção desse padrão.
Palavras-chave: Brasil. Países africanos. Relações.
Dinâmica.
Introdução
A análise dos últimos anos das relações políticas e econômicas entre o Brasil e os
países africanos mostram uma tendência para repetição de um padrão presente ao longo de
todo o século XX curtos períodos de aproximação seguidos por períodos maiores de
afastamento. A importância da herança africana para a formação da sociedade brasileira não
se tem refletido na construção de relações estáveis com alguns desses países ou que se
dinamizem e se aprofundem ao longo do tempo. No âmbito diplomático, diferentes
correntes se alternam sobre a importância de se investir nas relações com o continente como
alternativa para promoção de uma melhor posição brasileira na política internacional e para
conquista de mercado ou se, ao contrário, o continente africano não representa nenhum
ganho político ou econômico.
O momento atual é de resfriamento das relações após uma década de intensa
promoção dessas relações no governo de Lula da Silva (2003-2010). Nos dois mandatos do
governo Lula, as relações com os países africanos ganharam visibilidade e se refletiram no
aumento de número de embaixadas, de viagens presidenciais, da cooperação internacional
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 445-476, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
446
Do outro lado do Atlântico: as relações políticas e econômicas entre o Brasil... | Elga Lessa de Almeida
para o desenvolvimento, da balança comercial e de investimentos brasileiros no continente.
Essa política é, em alguma medida, abandonada no governo de Dilma Rousseff (2011-2016)
e, principalmente, nos discursos dos representantes do atual governo Michel Temer , a
tendência ao distanciamento do continente é reforçada, resultando na queda da corrente de
comércio de R$28.533.453.431, em 2013, ápice da corrente de comércio na década, para
R$12.433.516.567, em 2016, além das notícias recorrentes sobre o fechamento de
embaixadas.
É nesse contexto de mudança de orientação na política para o continente africano que
se evidencia a necessidade d e discutir os desafios presentes nessas relações, que
demonstram a existência de fragilidades ainda não superadas desde a segunda metade do
século XX. Nesse sentido, este artigo procura apresentar essa dinâmica de aproximação-
afastamento que te m caracterizado essas relações, trazendo elementos que possibilitem
compreender a manutenção desse padrão.
A dinâmica aproximação-afastamento nas relações entre o Brasil e os países africanos
Para compreender como se estabeleceu esse padrão nas relações entre o Brasil e os
países africanos, entende-se necessária uma recapitulação histórica dessas relações. Podem
ser observados sete períodos para compreender a intermitência da PEB em relação à África:
da abolição da escravatura até o governo Juscelino Kubitschek; os governos Jânio Quadros e
João Goulart (1961-1964); o início da ditadura militar (1964-1969); os governos Médici e
Geisel (1969-1979); período democrático (pós-1988); o governo Lula da Silva (2003-2010); e
o governo Dilma Rousseff (2011-2016). Apesar de muitos fatos históricos repercutirem em
mais de um período, ficará claramente identificada a dinâmica de afastamento-aproximação
de cada período, além dos fatores domésticos e externos que motivaram a mudança de rumo
da política externa brasileira.
Da abolição da escravatura ao governo de Juscelino Kubitschek: afastamento
Historicamente, a relação entre o Brasil e o continente africano iniciou-se no século
XVI com a chegada dos primeiros africanos escravizados vindos da costa ociden tal -
inicialmente de Angola e do Congo e, depois, das regiões da Nigéria, Gana, Daomé e Togo
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 445-476, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
447
Do outro lado do Atlântico: as relações políticas e econômicas entre o Brasil... | Elga Lessa de Almeida
(RODRIGUES, 1964, a). Até a abolição da escravatura, essa relação limitou-se à escravidão e
ao tráfico atlântic o de escravos dela d ecorrente, caindo em absoluta insignificância a partir
desse momento, motivada pela intenção deliberada do governo brasileiro em afastar-se do
continente africano para a construção de uma imagem de sociedade moderna e ocidental. As
relações comerciais permaneceram irrelevantes dado que a maioria dos países af ricanos
continuava sob o jugo colonial e a política dos colonizadores impedia a abertura do comércio
(SARAIVA, 2012).
Com o processo de industrialização no pós-Segunda Guerra, a África passou a ser
incluída na agenda brasileira: primeiro, porque o protecionismo europeu aos produtos de
suas colônias (e, agora, a algumas ex-colônias) africanas poderiam prejudicar as exportações
brasileiras; e, segundo, porque os foros internacionais constrangiam a adoção de algum
posicionamento sobre o colonialismo na Á frica. Já na década de 1930, a constatação de que
os produtos agrícolas oriun dos da África estavam em franca expansão no mer cado e
concorriam com produtos brasileiros despertou a atenção do governo para a questão do
mercado privilegiado que se constituía entre as metrópoles europeias e suas colônias.
Principalmente, produtos como o algodão, cacau, café e açú car sofriam uma alta
concorrência: Uganda produzia mais algodão que Pernambuco, maior produtor nacional;
Gana produzia mais cacau que a Bahia; e a produção de açúcar e café era crescente nas
colônias portuguesas, principalmente em Angola (RODRIGUES, 19 64, a; GONÇALVES,
2003).
Aliada à expansão agrícola africana, a criação do Mercado Comum Europeu, em 1957,
foi outro entrave para as exportações dos pr odutos primários brasileiros. Sob a liderança
francesa, os territórios ultramarinos foram incluídos no sistema fechado de comércio seletivo
em que se constituía esse Mercado. Poster iormente, com a independência de algumas
colônias, os novos Estados puderam associar -se em um sistema que estabelecia regime
preferencial, um fundo de desenvolvimento, a não discriminação entre os Seis (França,
Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) e seus associados e um
Conselho de Ministros e uma Corte de Just iça próprios. Na prática, a participação de países
africanos significou o acesso de seus produtos a esse mercado sem a incidência de tarifas
aduaneiras, o que barateava o preço dos mesmos e gerava, por sua vez, uma concorrência
desleal para os produtos brasileiros (RODRIGUES, 1964b; SARAIVA, 2012).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT