Do Planejamento urbano ao direito à cidade

AutorKarina Macedo Fernandes - Giovana Lima Michelon
CargoDoutora e Mestra em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) - Bacharela em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com período de mobilidade acadêmica em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade da Beira Interior (UBI), em Portugal
Páginas30-50
Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 30-50, 2021. 30
DO PLANEJAMENTO URBANO AO DIREITO À CIDADE: PERSPECTIVAS
JURÍDICAS E POLÍTICAS SOBRE A QUESTÃO URBANA NO BRASIL
From urban planning to the right to the city: legal and political perspectives on the urban issue in Brazil
Karina Macedo Fernandes
karimfernandes@gmail.com
Doutora e Mestra em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Ba-
charela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), com período de mobilidade
acadêmica na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL). Pesquisadora integrante
do Núcleo de Direitos Humanos da UNISINOS (NDH-UNISINOS). Servidora Pública no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS). Porto Alegre, RS, Brasil.
Giovana Lima Michelon
giovanalimamichelon@gmail.com
Bacharela em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com pe-
ríodo de mobilidade acadêmica em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade da
Beira Interior (UBI), em Portugal. Graduanda em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério
Público (FMP-RS). Pesquisadora associada do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Política (NU-
PERGS-UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil.
RESUMO
O presente artigo objetiva demonstrar que o direito à cidade é uma categoria jurídica e política fun-
damental à consolidação do planejamento urbano no Brasil, de maneira a responder em que medida
o planejamento urbano brasileiro o tem como aporte jurídico central. Ademais, o trabalho busca
apresentar o planejamento urbano no Brasil em perspectiva histórica, a reconstituição da trajetória
de implementação do que se conhece como direito à cidade no Brasil e o exame sobre como o direito
urbanístico se estabelece no Brasil em consonância às lutas sociais e ao reconhecimento da cidade como
um direito. Como resultado, verifica-se a ampliação de cidadania a partir da consolidação normativa
na qual se dispõe o dever de assegurar a participação direta dos cidadãos nos processos decisórios da
cidade. O direito à cidade se torna um ideal comum e balizador do desenvolvimento urbano em prol
da inclusão social e da erradicação da pobreza, um compromisso intergeracional de salvaguarda do
estoque de recursos ambientais disponíveis. A construção do direito à cidade no Brasil, estrategica-
mente direcionada à ampliação de direitos, do acesso ao espaço público e da construção democrática,
coletiva e plural da cidade, teve como grande conquista o seu reconhecimento jurídico orientado às
políticas públicas necessárias à política urbana. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica de
caráter exploratório, aliada à análise de textos legais e documentos oficiais acerca da questão urbana.
Palavras-chave: Direito à cidade. Planejamento urbano. Política urbana. Direito urbanístico.
Do planejamento urbano ao direito à cidade: perspectivas jurídicas e políticas sobre a questão urbana no Brasil
Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 30-50, 2021. 31
ABSTRACT
This work aims to demonstrate the right to the city as a fundamental legal and political category for
the urban planning consolidation in Brazil, to answer to what extent Brazilian urban planning has it as
a central legal contribution. Furthermore, the work seeks to present urban planning in Brazil under a
historical perspective, the reconstitution of the path of implementation of what is known as the right to
the city in Brazil and the examination of how urban planning is established in Brazil in line with social
struggles and the recognition of the city as a right. As a result, there is an expansion of citizenship from
the normative consolidation in which the duty to ensure the direct participation of citizens in the city’s
decision-making processes is available. The right to the city becomes a common ideal and guiding ur-
ban development towards social inclusion and poverty eradication, and intergenerational commitment
to safeguard the stock of available environmental resources. The construction of the right to the city
in Brazil, strategically headed for the expansion of rights, access to public space and the democratic,
collective and plural construction of the city, had as great achievement its legal recognition oriented
to public policies needed by the urban policy. The methodology used was the exploratory literature
review, combined with the analysis of legal texts and official documents about the urban issue.
Keywords: Right to the city. Urban planning. Urban policy. Urban Law.
1 INTRODUÇÃO
Do lançamento do conceito de direito à cidade por Henri Lefebvre (1968) ao reconhecimento do
direito à cidade como categoria situada no campo da política e no campo do direito, um longo cami-
nho foi percorrido no Brasil. Do lugar da discussão acadêmica ao lugar da luta política, a construção
do direito à cidade tem seu percurso histórico marcado pelas demandas dos movimentos sociais que
reivindicam o usufruto digno e equânime das cidades. Assim é porque, como afirma David Harvey
(2012), o direito à cidade deve ser um direito para reconstruir a cidade como corpo político socialis-
ta, de maneira a desafiar as forças hegemônicas de reprodução do capitalismo que se expressam na
produção dos espaços urbanos e que, paradoxalmente, destruíram a cidade porque destroem modos
plurais de vida e, em seu lugar, constroem segregação social.
No Brasil, os esforços acadêmicos, políticos e jurídicos para o reconhecimento do direito à cidade
alcançaram conquistas significativas, como o status de primeiro país no mundo a positivar o direito à
cidade e, com isso, a inaugurar uma doutrina jurídica em torno do reconhecimento da cidade como
direito. A Constituição Federal de 1988 previu em seu texto, pela primeira vez, um capítulo sobre a
política urbana, inaugurando uma nova estrutura normativa para o direito urbanístico, a qual incluía
o bem-estar da população e a necessidade de planejamento como elementos indissociáveis da organi-
zação do espaço urbano. O Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, regulamentou os artigos 182 e 183
da Constituição, normatizadores da política urbana, e promoveu princípios como a gestão democrá-
tica das cidades e a função social da propriedade, a fim de favorecer a inclusão territorial e diminuir
as desigualdades, presentes na maioria das cidades brasileiras. Para tornar o processo decisório mais
democrático e possibilitar a participação direta dos cidadãos, a legislação estabeleceu uma série de
instrumentos jurídicos-políticos (FERNANDES, 2006).

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