Do procedimento administrativo: A persecução do ilícito

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas355-399

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25 Formas de investigação
25. 1 Processo administrativo
25.1. 1 Conceito

Constitui processo administrativo o conjunto de atos ordenados à apuração de um fato jurídico de interesse. O processo administrativo, sobre tema em estudo, é aquele instaurado para averiguação de suposta subsunção aos ilícitos previstos na Lei nº 8.429/92.

Ele pode ser instaurado de ofício ou mediante representação (LIA, art. 14, caput). Segundo o § 1º do art. 14, a representação será escrita ou reduzida a termo e assinada, contendo a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento. Em seguida, dispõe a lei que a autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades exigidas. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 da Lei. Finaliza o legislador, estabelecendo: “Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos artigos 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares” (LIA, art. 14, § 3º).

São imperiosas algumas observações sobre as disposições citadas. A primeira delas é que a investigação pode ser iniciada de ofício. Na verdade, não só pode como deve, o que significa a desnecessidade de provocação. Contudo, havendo provocação, e sendo ela a fonte instauradora do processo administrativo, devem ser observadas essas disposições. Como a norma veda o anonimato410, pode a autoridade competente, com base nas informações prestadas, preservar a sua fonte e instaurar de ofício o processo administrativo411.

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Outro não foi o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, pacificando que a instauração de inquérito administrativo, ainda que resultante de denúncia anônima, não gera qualquer ilegalidade, sendo compatível com o estabelecido no inc. IV do art. 5º da CF412.

A segunda, é que não se aplica o disposto no art. 14, da LIA, aos servidores dos demais Estados-membros, Distrito Federal413e Municípios (CF, arts. 25-32). A norma disciplinou o procedimento com relação aos agentes públicos federais, sendo que, com relação àqueles vinculados aos demais entes políticos, aplica-se a norma administrativa respectiva.

Na doutrina, Wallace Paiva Martins Júnior leciona que não se deve confundir o processo administrativo disciplinar com o procedimento administrativo preparatório à ação de improbidade administrativa414. Para o autor, a norma refere-se apenas ao segundo. Importante ainda frisar que a expressão processo administrativo é gênero, do qual são espécies, por exemplo, o processo administrativo disciplinar, processo administrativo punitivo, processo administrativo licitatório e processo administrativo tributário ou fiscal. É interessante lembrar, ainda, que o processo administrativo representa um conjunto de atos coordenados a atingir um objetivo no âmbito estritamente administrativo.

Não é demais também alertar que todo processo administrativo tem um fim. Esse fim é previsto no ato que determina a sua abertura. Ora, o processo administrativo

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precisa ser inaugurado, e, como na Administração Pública esses atos são sempre escritos, há a necessidade de um ato administrativo (portaria ou decreto, p. ex.). Além da finalidade, deve constar no ato inaugural a autoridade encarregada pelo seu desenvolvimento (ou condução).

Outra observação é que, se o processo administrativo não é disciplinar, por que a referência do § 3º do art. 14 da LIA a dispositivos do estatuto federal, pertinentes à apuração desses fatos? Será que a apuração poderia ser dividida em dois momentos: um para legitimar a propositura da ação, e outro, disciplinar? Qual seria a razão justificável para a instauração de dois “processos” idênticos? A autoridade administrativa poderia dispensar a punição disciplinar e ingressar apenas com a ação de improbidade administrativa?

Quando a autoridade administrativa recebe informação acompanhada de fundados indícios415da prática de ato de improbidade administrativa, quer mediante representação (LIA, art. 14) ou por meio de requisição (LIA, art. 22), deve imediatamente instaurar um processo administrativo disciplinar, sob pena de responsabilidade (Lei nº 8.112/90, art. 143)416.

Devemos entender que, fosse o procedimento genérico, a referência seria a Lei nº 9.784/99, que estabelece normas básicas sobre processo administrativo. Também não estamos diante de um mero procedimento ou “processo” administrativo de expediente, consoante se pode concluir por uma rápida leitura do art. 22 da LIA417. É

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processo conforme, aliás, se verifica pela aplicação das regras pertinentes à apuração de falta disciplinar. Esse processo será desenvolvido em três fases: I) instauração; II) inquérito administrativo; III) julgamento (Lei nº 8.112/90, art. 151). O mero procedimento, ao contrário, não tem ritual fixado.

A instauração do processo administrativo ocorre por meio de decreto ou portaria baixada pela autoridade competente, que designará os integrantes da comissão de inquérito e indicará, dentre eles, o seu presidente418.

Ao contrário do inquérito civil e do inquérito policial, o processo administrativo, quer seja regulado pela Lei nº 9.784/99 (art. 2º), ou pela Lei nº 8.112/90 (art. 153), exige a implementação do contraditório e da ampla defesa, pois não há, no Brasil, processo sem a presença dessas garantias (CF, art. 5º, LV).

25.1. 2 Autoridade competente

Somente a autoridade administrativa competente está legitimada a instaurar o processo administrativo para apuração de ato de improbidade administrativa.

Mas quem é essa autoridade?

Só pode ser o seu superior hierárquico: a pessoa responsável pela chefia do órgão. No ápice da pirâmide hierárquica encontra-se o Chefe de Governo. O Presidente, os Governadores e os Prefeitos são os titulares do poder de administração. Contudo, a descentralização é necessária para o funcionamento da coisa pública, sendo, na medida de sua delegação, atribuída a outras pessoas. Nada impede que tais autoridades exerçam o direito de avocar essas prerrogativas.

Não dispõe o Delegado de Polícia de competência para instaurar processo administrativo contra funcionário faltoso. De igual forma o membro do Ministério Público. Consoante já assentou o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos419.

A autoridade competente, portanto, está ligada à ideia de subordinação funcional420. Em relação a tal competência, segundo a legislação federal (Lei nº 8.112/90, art. 141), as penalidades disciplinares serão aplicadas:

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- pelo Presidente da República, Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais, o Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;

- pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas acima, quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta) dias;

- pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias;

- pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição de cargo em comissão.

Em se tratando de servidores que não estejam sujeitos ao regime disciplinar da Lei nº 8.112/90, findo o processo, será remetida cópia ao órgão ou empresa a que estejam vinculados para fins de adoção das providências cabíveis de acordo com a respectiva legislação trabalhista (CLT).

25.1. 3 Legislação aplicável

O § 3º do art. 14 da LIA estabelece que, em se tratando de servidores federais, o processo administrativo terá o rito previsto nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112/90, ou, então, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares, in verbis:

§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos artigos 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor...

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