Do procedimento de cumprimento de sentença previsto no CPC e sua aplicabilidade no processo do trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas267-288

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4.1. Do art 523 do CPC

Dispõe o art. 475-J do Código de Processo Civil/73:

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (Incluído pela Lei n. 11.232/05 - DOU de 23.12.05) § 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei n. 11.232/05 - DOU de 23.12.05) § 2º Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo. (Incluído pela Lei n. 11.232/05 - DOU de 23.12.05) § 3º O exequente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados. (Incluído pela Lei n. 11.232/05 - DOU de 23.12.05) § 4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante. (Incluído pela Lei n. 11.232/05 - DOU de 23.12.05)

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§ 5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte. (Incluído pela Lei n. 11.232/05 - DOU de 23.12.05)

O dispositivo acima mencionado alterou de forma significativa a espinha dorsal da execução por título executivo judicial no processo civil, que antes era um processo autônomo em face do conhecimento, tendo início com a petição inicial e terminando por sentença, para transformá-lo numa fase do processo, qual seja, a do "cumprimento da sentença". Desse modo, o CPC retornou ao chamado "sincretismo processual" ou "procedimento sincrético", em que as fases de conhecimento e de execução se fundem num único processo.

Atualmente, a questão está disciplinada no art. 523 do CPC, in verbis:

No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

§ 2º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante.

§ 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.

Como bem destacam J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral13,

(...) o acréscimo de uma multa de dez por cento sobre o valor da condenação, no prazo estabelecido pelo juiz, constitui mais uma tentativa de evitar que a execução se arraste por anos, quiçá lustros, ou décadas; se bem que, mau pagador é, sempre, mau pagador, em juízo ou fora dele, com multa ou sem ela. Embora resulte em benefício do credor, a imposição da multa independe de pedido da parte, devendo ser imposta de ofício pelo juiz.

Conforme o art. 523 do CPC, uma vez transitada em julgado a sentença líquida, ou fixado o valor a partir do procedimento de liquidação, o executado deve, independentemente de qualquer intimação, realizar o pagamento da quantia em 15 dias, sob consequência de multa de 10%, que será imposta, de ofício, pelo juiz.

Caso o devedor não realize o pagamento, haverá incidência da multa de 10% sobre o valor total da execução, e, mediante requerimento do credor, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação, prosseguindo-se a execução nos seus ulteriores termos.

Como bem adverte Luiz Rodrigues Wambier14, a sentença prolatada ex vi do CPC é dotada de duas eficácias executivas distintas: é sentença imediatamente executiva no

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que respeita à incidência da medida coercitiva; é sentença meramente condenatória, logo, mediatamente executiva, em relação à realização da execução por expropriação.

A multa de 10% tem natureza jurídica híbrida, tanto de astreinte, ou seja, de coerção pecuniária para cumprimento da obrigação, como de sanção pecuniária pelo não cumprimento espontâneo do pagamento. Portanto, a natureza da multa é inibitória (evitar que a obrigação não seja cumprida) e sancionatória (pena para o descumprimento da obrigação). O valor da multa será revertido para o exequente.

Nesse sentido, bem adverte Cléber Lúcio de Almeida15:

A multa aludida no texto legal em questão é imposta como medida de pressão psicológica, destinada a compelir o devedor a cumprir a sua obrigação de pagar quantia certa (trata-se de medida de coerção indireta, por incidir sobre a vontade do devedor). Se, mesmo diante da cominação da multa, a obrigação não for cumprida, a multa será cumulada ao valor do crédito (nesse momento, a multa assume a feição de sanção pecuniária pelo inadimplemento da obrigação imposta na decisão judicial).

4.2. Da aplicabilidade do art 523 do CPC ao processo do trabalho. Por uma mudança de mentalidade no caminho da efetividade e celeridade processuais

Diante do avanço do processo civil, ao suprimir o processo de execução, transformando-o em fase de cumprimento da sentença, com medidas para forçar o devedor a cumprir a decisão, há grandes discussões na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade de transportar o art. 523 do CPC para o processo do trabalho.

Autores de nomeada, como Manoel Antonio Teixeira Filho, respondem negativamente. Aduz o jurista16:

Todos sabemos que o art. 769 da CLT permite a adoção supletiva de normas do processo civil desde que: a) a CLT seja omissa quanto à matéria; b) a norma do CPC não apresente incompatibilidade com a letra ou com o espírito do processo do trabalho. Não foi por obra do acaso que o legislador trabalhista inseriu o requisito da omissão antes da compatibilidade: foi, isto sim, em decorrência de um proposital critério lógico-axiológico. Desta forma, para que se possa cogitar da compatibilidade, ou não, de norma do processo civil com a do trabalho é absolutamente necessário, ex vi legis, que antes disso, se verifique, se a CLT se revela omissa a respeito da material. Inexistindo omissão, nenhum intérprete estará autorizado a perquirir sobre a mencionada compatibilidade. Aquela constitui, portanto, pressuposto fundamental desta.

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No mesmo sentido, pronuncia-se Estêvão Mallet17: "No processo do trabalho, ante a natureza geralmente alimentar do crédito exequendo, sua rápida satisfação é ainda mais importante, o que ficaria facilitado pela aplicação da sanção agora inserida no texto do Código de Processo Civil. O art. 880, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, não se refere, porém, a nenhum acréscimo para a hipótese de não satisfação voluntária do crédito exequendo, o que leva a afastar-se a aplicação subsidiária, in malam partem, da regra do art. 475-J, do Código de Processo Civil, tanto mais, diante de seu caráter sancionatório. Solução diversa, ainda que desejável, do ponto de vista teórico, depende de reforma legislativa".

José Augusto Rodrigues Pinto acompanha o mesmo posicionamento. Assevera o jurista18:

(...) sendo norma impositiva de coerção econômica, há que ter aplicação restrita, forçando a caracterização do silêncio do legislador a ser suprida como impeditivo e não omissivo - e só esta última hipótese autorizaria o suprimento19.

Nesse sentido, há alguns acórdãos recentes do Tribunal Superior do Trabalho. São eles:

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 475-J DO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO. Ante possível violação ao art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do apelo denegado. II - RECURSO DE REVISTA EXECUÇÃO INAPLICABILIDADE DO ART. 475-J DO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO 1. Segundo a unânime doutrina e jurisprudência, são dois os requisitos para a aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho: i) ausência de disposição na CLT a exigir o esforço de integração da norma pelo intérprete; ii) compatibilidade da norma supletiva com os princípios do processo do trabalho. 2. A ausência não se confunde com a diversidade de tratamento: enquanto na primeira não é identificável qualquer efeito jurídico a certo fato a autorizar a integração do direito pela norma supletiva na segunda se verifica que um mesmo fato gera distintos efeitos jurídicos, independentemente da extensão conferida à eficácia. 3. O fato juridicizado pelo art. 475-J do CPC não pagamento espontâneo da quantia certa advinda de condenação judicial possui disciplina própria no âmbito do Processo do Trabalho (art. 883 da CLT), não havendo falar em aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho. 4. A fixação de penalidade não pertinente ao Processo do Trabalho importa em ofensa ao princípio do devido processo legal, nos termos do art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST - 3ª T. - Número único Proc.: RR - 765/2003-008-13-41. Relª. Minª. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - DJ 22.2.2008)

RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO. MEDIDA COERCITIVA NO PROCESSO DO TRABALHO DIFERENCIADA DO PROCESSO CIVIL.

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O art. 475-J do CPC determina que o devedor...

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