Do Recurso de Revista

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação da PUC/SP (Cogeae)
Páginas280-323

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1. Conceito

O Recurso de Revista, conforme nos traz a melhor doutrina, é um recurso de natureza extraordinária, ao lado do recurso especial (que é cabível ao STJ) e do recurso extraordinário (interposto perante do STF).

Como bem adverte Homero Batista Mateus da Silva213, "o recurso de revista faz no processo do trabalho o papel desempenhado pelo recurso especial no processo civil, destinando-se não ao reexame de fatos e provas, mas à uniformização de jurisprudência em âmbito nacional, inclusive em casos de violação à Constituição Federal. Esse tipo de remédio jurídico está diretamente ligado à dimensão continental brasileira, que se organização em sistema federativo e permite algum grau de autonomia às regiões, mas, ao mesmo tempo, pretende guardar padronização nacional em algumas matérias, como o direito do trabalho, para evitar o fratricídio e o tratamento desigual por trabalho de igual valor. Como o direito não é feito apenas no campo de elaboração das leis, de nada adiantaria a regra do art. 22, I, da CF, que atribui à União o monopólio da legislação trabalhista, se, depois, cada região pudesse fazer sua própria leitura. Daí a ligação direta entre o papel do TST, acessado via recurso de vista, e a promessa do art. 22".

Nos ensina Ives Grandra da Silva Martins Filho214:

As instâncias ordinárias correspondem ao direito do cidadão de ver sua causa apreciada por um juiz singular (juiz de direito, juiz federal ou juiz do trabalho) e reexaminada por um colegiado (Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal ou Tribunal Regional do Trabalho), tanto nos seus aspectos de direito quanto nos seus aspectos de fáticos. Já as instâncias extraordinárias dizem respeito ao direito do Estado Federal ter suas normas aplicadas e interpretadas de modo uniforme em todo o território nacional, quer se tratade de lei federal (cujos guardiões são o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho), quer se trate da própria Constituição Federal (que tem o Supremo Tribunal Federal como guardião máximo).

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Como destaca Estêvão Mallet215:

Enquanto os recursos ordinários prestam-se para corrigir qualquer injustiça contida na decisão - entendida injustiça como incorreta solução da lide - os de natureza extraordinária servem apenas para eliminar injustiças específicas (...). É de se repelir, portanto, a diferenciação dos recursos em ordinários e extraordinários conforme os efeitos que a interposição possa ter sobre a coisa julgada.

Podemos conceituar o Recurso de Revista, como sendo um recurso de natureza extraordinária, cabível em face de acórdãos proferidos pelos Tribunais Regionais do Trabalho em dissídios individuais, tendo por objetivo uniformizar a interpretação das legislações estadual, federal e constitucional (tanto de direito material como processual) no âmbito da competência da Justiça do Trabalho, bem como resguardar a aplicabilidade de tais instrumentos normativos.

A expressão dissídio individual a que se refere o art. 896, da CLT, deve ser lida como sendo o dissídio de competência originária do primeiro grau de jurisdição, uma vez que há ações de natureza coletiva como as envolvendo substituição processual e própria ação civil pública que se iniciam em primeiro grau, podendo ser objeto do recurso de revista. Já os dissídios coletivos previstos na legislação processual trabalhista (de natureza econômica, jurídica ou de greve) não se iniciam no primeiro grau de jurisdição e, portanto, não podem ser objeto de recurso de revista.

O Recurso de Revista é o recurso último, na Justiça do Trabalho, para impugnação de decisões proferidas em dissídios individuais, não obstante ainda haver a possibilidade de se questionar a decisão no Supremo Tribunal Federal, na hipótese de violação da Constituição Federal.

Trata-se de recurso técnico, com pressupostos rígidos de conhecimento e, portanto, não se destina a apreciar fatos e provas e tampouco avaliar a justiça da decisão, pois tem por objeto resguardar a aplicação e vigência da legislação de competência da Justiça Trabalhista.

Atualmente, muito se tem discutido sobre a necessidade e utilidade do recurso de revista no processo do trabalho, considerando-se os princípios da oralidade e também da necessidade de se imprimir celeridade ao processo trabalhista, pois é sabido que a tramitação do recurso de vista é lenta e enquanto não for julgado, como regra, a decisão não transita em julgado, impedindo a execuçaõ definitiva da decisão de segundo grau. Além disso, em nosso país de dimensões continentais, é necessária uma única interpretação do direito material e processual do trabalho diante das flagrantes diversidades culturais e socioeconômicas existentes entre os Estados brasileiros?

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A necessidade do recurso de revista, embora questionável, está manutenção da unidade de interpretação do direito do trabalho e também da necessidade de se dar eficácia igualitária dos princípios constitucionais trabalhistas em todo o território nacional.

Estêvão Mallet216 justifica a necessidade do recurso de revista, com os seguintes argumentos:

A revista não pode ser abolida porque isso levaria, em última análise, à desintegração do direito do trabalho federal. Diante da força criadora da jurisprudência, sobre a qual se falou no início do presente estudo, se não houvesse como unificar intepretações divergentes em torno do mesmo dipositivo legal, em pouco tempo o Direito do Trabalho nacional substituído, na prática, por diferentes versões locais, o que não parece desejável nem é pretendido por quem buscar tornar mais célere a tramitação das demandas trabalhistas. Por aí se vê que o recurso de revista desempenha função realmente relevante, não convindo sua eliminação: os prejuízos decorrentes não compensariam as vantagens obtidas, até proque a economia de tempo alcançada seria proporcionalmente pequena, em comparação com o tempo total do processo.

O recurso de revista deveria ser o último em matéria trabalhista, mesmo que seja constitucional, uma vez que o Tribunal Superior do Trabalho é um tribunal especializado em matéria constitucional trabalhista e é corte de natureza extraordinária. Portanto, de lege ferenda, em se tratando de dissídio individual do trabalho, o último recurso deveria ser o de revista e não o extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

Embora a jurisprudência tenha dificultado ao máximo o conhecimento de recurso extraordinários em causas individuais trabalhista, pensamos que não faz sentido no sistema recursal trabalhista e no sistema judiciário brasileiro, duas cortes de natureza extraordinária e constitiucionais apreciarem a mesma demanda.

Somente deveriam chegar ao Supremo Tribunal Federal discussões sobre controle concentrado de constitucionalidade das leis trabalhistas, mandados de injunção em matéria trabalhista ou demandas coletivas em ações civis públicas ou coletivas que tivessem repercussão geral.

2. Regramento Legal

O Recurso de Revista vem regulamentado pelo art. 896 da CLT, que assim dispõe:

Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:

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  1. derem ao mesmo dispositivo de lei federal interpretação diversa da que lhe houver dado outro Tribunal Regional do Trabalho, no seu Pleno ou Turma, ou a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, ou contrariarem súmula de jurisprudência uniforme dessa Corte ou súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal; (Alínea alterada pela Lei n. 13.015/2014 - DOU 22.7.2014)

  2. derem ao mesmo dispositivo de lei estadual, Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo, sentença normativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que exceda a jurisdição do Tribunal Regional prolator da decisão recorrida, interpretação divergente, na forma da alínea a;

  3. proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal.

§ 1o O recurso de revista, dotado de efeito apenas devolutivo, será interposto perante o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, que, por decisão fundamentada, poderá recebê-lo ou denegá-lo. (Parágrafo alterado pela Lei n. 13.015/2014 - DOU 22.7.2014)

§ 1º-A. Sob pena de não conhecimento, é ônus da parte: (Parágrafo inserido pela Lei n. 13.015/2014 - DOU 22.7.2014)

I - indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista;

II - indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho que conflite com a decisão regional;

III - expor as razões do pedido de reforma, impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte.

§ 2º Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de...

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