Doença - Atividades repetitivas - Concausal - Indenização

AutorJuiz Cassio Colombo Filho
Páginas33-39

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SENTENÇA

Vistos e etc.

Trata-se de demanda proposta por Adriana Alberti, qualificada à fl. 02, em face de Associação da Vila Militar.

Alegou ter sido admitida em 05.10.2004, para laborar na função de auxiliar de costura.

Pediu o pagamento de pensão vitalícia, indenização por danos materiais e morais em decorrência de doença ocupacional; horas extras e reflexos; adicional de insalubridade; FGTS. Postulou, ainda, o pagamento de honorários advocatícios, requereu os benefícios da justiça gratuita, protestou por provas, atribuiu à causa o valor de R$ 21.000,00 e juntou documentos.

Regularmente notificada, a reclamada apresentou contestação às fls. 47/58, na qual impugnou os pedidos formulados na inicial. Protestou por provas e juntou documentos.

O reclamante manifestou-se quanto aos documentos que acompanharam a contestação (fls. 178/179).

Foi ouvida a preposta.

Foi determinada realização de perícia para apurar as condições de trabalho (insalubridade e doença), de cujo laudo e complemento as partes tiveram vista.

Sem outras provas a produzir, encerrou-se a instrução processual.

Razões finais remissivas.

Inconciliados.

É o relatório.

DECIDO

1. PRESCRIÇÃO

Acolho a arguição da reclamada no tocante à prescrição para declarar inexigíveis as pretensões deduzidas anteriores à 16.6.2005, ou seja, ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação (16.6.2010), porquanto sobre elas operou-se a prescrição prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição da República.

2. CONTRATO DE TRABALHO

É incontroverso que a reclamante foi contratada em 5.10.2004 para exercer a função de auxiliar de costura IV.

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3. DOENÇA OCUPACIONAL - PENSÃO VITALÍCIA - INDENIZAÇÕES

A reclamante alegou que, em virtude de realizar atividades repetitivas como passar roupas, desenvolveu LER/DORT. Juntou exames e atestados médicos que fazem referência a enfermidades nos membros superiores. Requereu o pagamento de pensão vitalícia, indenização por danos materiais e morais.

A reclamada negou que houvesse nexo entre as atividades desenvolvidas na empresa e as doenças que a reclamante alegou portar, pois as atividades que realizava não eram repetitivas, sendo respeitadas as normas de segurança e ergonomia inerentes à sua função.

Para avaliação do local de trabalho e nexo causal foi determinada a realização de perícia.

Segundo o perito, Dr. JOSÉ LEOCADIO REZENDE HULLMAN, não há nexo entre as atividades desenvolvidas pela autora e as suas enfermidades:

"(...) Então, conclui-se que NÃO HÁ NEXO DE CAUSALIDADE, no que tange aos problemas de saúde conforme requisitados na inicial, pois as sequelas requeridas têm apenas relação direta com as condições orgânicas próprias do paciente e não têm relação direta com o seu contrato laboral".

Nos termos do art. 436 do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

O expert descreveu da seguinte forma as atividades da reclamante:

"Suas tarefas constavam passar roupas (fardas militares), bem como outros tecidos. Também ao passar com ferro a vapor, deveria abastecer 2 a 3 vezes por dia uma pequena caixa de água, a qual ficava sobre a mesa de passar. Manipulava também rolos de tecidos para corte e costura. Também fazia as medições destes tecidos para auxiliar no corte. Eventualmente usava uma prensa (tipo calandra) de passar. Colava cós e frisava túnicas e calças".

No caso, há exames e declarações médicas demonstrando a existência de doenças nos membros superiores da reclamante. Como indicou o histórico elaborado pelo perito, foram mencionadas as seguintes enfermidades nos documentos juntados aos autos (fls. 234/237): síndrome de colisão do ombro (M75.4), síndrome do manguito rotador (M75.1), síndrome do túnel do carpo (G56.0), outras sinovites e tenossinovites (M65.8), cervicalgia (M54.2), dor em membro (M79.6), dor articular (M25.5).

O perito nomeado pelo juízo chegou a mencionar expressamente que concordava com os diagnósticos indicados nas fls. 06/09 (fl. 265), ressalvando, contudo, que tais doenças decorriam das condições próprias orgânicas da reclamante.

Além disso, há nos autos CAT expedida pela própria reclamada, em 18.9.2008, em que consta a lesão na parte do corpo "ombro", sendo agente causador "ferro de passar" e a natureza da lesão "inflamação de articulação, tendão ou músculo" (fl. 14).

Ao contrário do que afirmou o perito médico, todavia, os afastamentos concedidos pelo INSS (conforme cartas de concessão de fls. 16 e 31), tiveram a espécie "91", ou seja, "auxílio-doença por acidente do trabalho" e não simplesmente "auxílio-doença previdenciário". Se a reclamante teve outro afastamento anterior em virtude de cirurgia nasal, conforme relatou o expert, não foi o caso dos benefícios concedidos conforme documentos acima, que indicam o afastamento de agosto a dezembro/2008.

Da análise conjunta destes elementos, entendo que a atividade diária de "passar roupas" é notoriamente repetitiva, primeiramente, pelos movimentos constantes de vai e vem do braço direito, no caso da reclamante, que é destra. Além disso, é muito difícil imaginar que a reclamante executava as tarefas de colocar os tecidos sobre a mesa, de erguê-los, de segurá-los para que formassem ou não vincos, de abrir e fechar a calandra, de dobrar as fardas etc. com um só braço, sendo forçoso concluir que também usava o braço esquerdo de forma contínua.

Note-se que nas fotografias que demonstram a forma de execução das tarefas, fica claro que a reclamante trabalhava com pedaços grandes de tecido, o que implica no uso de ambos os braços para erguer a peça, firmá-la para o corte e estendê-la sobre a mesa para passar.

Considerando que exercia estas atividades desde 2004, é perfeitamente possível concluir que os movimentos repetitivos de auxílio nas tarefas corriqueiras agravaram problemas que advinham de suas condições orgânicas.

Com essa conclusão, afasto o parecer do perito. Por um lado, o expert lembrou que as enfermidades da reclamante podem ter origem orgânica. Por outro, é inegável que suas tarefas diárias incrementaram o desenvolvimento da doença a que estava predisposta, o que leva à conclusão de concausa, uma vez que o nexo causal relativo às doenças ocupacionais pode funcionar como elemento de agravamento, sem que necessariamente constitua o único elemento gerador da patologia, em especial diante do conceito de concausa.

Sobre a concausa, SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA, afirma que:

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"O nexo concausal aparece com freqüência no exame das doenças ocupacionais. A doença fundada em causas múltiplas não perde o enquadramento como patologia ocupacional, se houver pelo menos uma causa laboral que contribua diretamente para a sua eclosão ou agravamento, conforme prevê o art. 21, I, da Lei n. 8.213/91. Diante dessa previsão legal, aplica-se na hipótese a teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non, como ocorre no Direito penal, pois tudo o que concorre para o adoecimento é considerado causa, pois não se deve criar distinção entre causa e condição. Não há necessidade de se precisar qual das causas foi aquela que efetivamente gerou a doença, como ocorre na aplicação da teoria da causalidade adequada, pois todas as condições ou causas têm valoração equivalente. É necessário apenas que a causa laboral contribua diretamente para a doença, mas não que contribua decisivamente."*1'

A responsabilidade da reclamada advém justamente da ausência de fornecimento de meios adequados para exercício do trabalho para garantir a higidez do trabalhador que atua sob riscos.

A CLT atribui às empresas a obrigação de observar as normas de segurança, bem como orientar e fiscalizar o seu efetivo cumprimento, tal como estabelece o seu art. 157, verbis:

"Art. 157. Cabe às empresas:

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;

IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente".

É direito fundamental e social de todo e qualquer trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio da adequação do ambiente de trabalho às normas de saúde, higiene e segurança. A Constituição Federal de 1988 prevê que a dignidade da pessoa humana não pode ocupar plano secundário, subjacente à atividade empresarial, de modo que a omissão da ré, em fornecer ao reclamante todos os meios de segurança necessários para o desempenho de suas...

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