Dois anos de avaliação biopsicossocial no INSS: uma análise crítica sobre a efetividade da aposentadoria do deficiente

AutorAdriano Mauss - Ivali Aparecida Gorgen
Páginas38-48

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1. Introdução

O presente artigo visa proporcionar ao leitor uma visão panorâmica de como ocorre a avaliação biopsicossocial no INSS, trazida pela publicação da Lei Complementar n. 142/2013. Essa lei foi regulamentada inicialmente pelo Decreto executivo n. 8.145/2013, que alterou dispositivos do Regulamento da Previdência Social. No que tange especificamente à matéria perícial foi a Portaria Interministerial n. 01/2014 que trouxe critérios de avaliação que o segurado deverá se submeter perante o INSS, a fim de que o instituto possa avaliar o grau de deficiência ao qual o segurado está acometido, seja ela uma patologia motora, intelectual ou psicológica. É com base nessa avaliação que o segurado do INSS terá acesso a uma aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade com critérios diferenciados, de acordo com o art. 201, § 1º da, Constituição Federal de 1988. Segundo os termos constitucionais, a Previdência Social deverá possibilitar aos seus filiados critérios diferenciados para acesso aos benefícios, conforme segue:

Art. 201, § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 47, de 2005)

Ocorre que a Portaria Interministerial n. 01/2014 criou um instrumento de análise de grau de deficiência ainda provisório, em razão da extrema complexidade que envolve a matéria. Esse instrumento que abrange os elementos básicos da análise estabelecidos pela CIF (Código Internacional de Funcionalidades) precisa ser aperfeiçoado, por tal motivo que o art. 2º, § 3º, da Portaria acima mencionada, estabelece o que segue:

Art. 2º, § 3º O instrumento de avaliação médica e funcional, destinado a avaliar o segurado, e constante do anexo a esta Portaria, será objeto de revisão por instância técnica específica instituída no âmbito do Ministério da Previdência Social, no prazo máximo de um ano, a contar da data de publicação deste ato normativo, podendo haver revisões posteriores.

Os dois anos de experiência do instrumento já foi ultrapassado. Assim, é necessário fazer uma reflexão sobre a correção do instrumento, bem como de aperfeiçoar os seus métodos de análise. Para isso, é fundamental traçarmos um raio-X dos pontos positivos e negativos do instrumento de análise do grau de deficiência utilizado pelo INSS nos protocolos de benefícios requeridos por deficientes.

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Será nesse intuito que o presente estudo se desenvolverá, fazendo uma análise crítica do mesmo. Antes, porém, é imprescindível entender os fundamentos da análise biopsicossocial, bem como a mecânica básica de atendimento do segurado na Agência da Previdência Social.

É evidente, no entanto, que, em um trabalho com o fôlego de artigo, não será possível trabalharmos à exaustão todos os aspectos que envolvem o tema. Certamente, o estudo será aprimorado com a análise e com a colaboração de todos os leitores.

2. Evolução do conceito jurídico da deficiência no direito brasileiro

Antes de se falar em conceito propriamente dito de deficiência, é necessário entender quais os principais aspectos legais relativos a essa questão. Inicialmente, é preciso conhecer um dos marcos legais precursores na proteção do deficiente. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, lavrada pela ONU em 1975, avança não somente no conceito, mas na compreensão do que seja deficiência. No seu primeiro artigo, entende como deficiente a pessoa "incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais". É este conceito que passa a ser, hodiernamente, trabalhado, como veremos no decorrer deste trabalho.

Pela Recomendação da OIT n. 99, de 1955, restou consignado que o procedimento de adaptação e de readaptação dos deficientes ao mercado de trabalho são instrumentos de reintegração e de diminuição das incapacidade que possuem.

A Recomendação n. 169/1984 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) também é um importante instrumento de proteção internacional da pessoa com algum tipo de deficiência, principalmente no que tange à política de proteção ao emprego. Esta norma recomenda aos Estados membros uma postura ativa na promoção do pleno emprego, bem como ao incentivo das atividades sociais, políticas e econômicas. Como anota Glaucia Gomes Vergara Lopes (2005, p. 32), encontramos neste documento internacional uma abrangência maior do que é deficiência. Isso porque:

Os portadores de deficiência são incluídos dentro da categoria de pessoas que apresentam frequentes dificuldades para encontrar emprego permanente. Elenca, também, nessa categoria, mulheres, trabalhadores jovens e idosos, desempregados por grande período e migrantes. Para estes grupos, reforça a necessidade de acesso à educação e a programas de orientação e formação profissional, de criação de um sistema de formação vinculado tanto ao sistema educativo como ao mercado de trabalho, serviços de orientação e empregos que facilite o ingresso no mercado de trabalho de acordo com suas qualificações, de programas de adaptação às mudanças estruturais (medidas de formação e requalificação permanente), fomento de programas de promoção de trabalho autônomo, familiar e de cooperativas de trabalho.

Feitas essas ponderações iniciais, cabe observar que a conceituação da "deficiência" não é empreita de pequena monta, muito embora o conceito, que encerra um determinado entendimento histórico da expressão, esteja espalhado em diversos diplomas e dispositivos que garantem, separadamente, inúmeros direitos.

Wladimir Novaes Martinez (2009), sempre atento a estas questões, chama à atenção para os múltiplos cenários que se apresentam, cada qual protegendo uma determinada realidade, conforme vimos nas várias normas que dispõem alguma proteção em dado sentido.

Na lista de instrumentos regulatórios que tem como escopo ampliar a oportunidade de acesso às pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como demais garantias de dignidade, frisa-se a Lei n. 13.146/2013, que "Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)". Uma lei recente que estabelece um marco

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regulatório abrangente que visa dar oportunidade para que essas pessoas possam tornar-se produtivas, do ponto de vista económico.

Antes disso, a Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei n. 8.213/1991), já tinha criado no seu artigo 93 possuía-se uma importante reserva de vagas para os deficientes, quando a empresa tem mais de cem empregados. Nos concursos públicos, igualmente, restou assegurado o percentual de 20% das vagas oferecidas, conforme preceitua o artigo 5º, em seu § 2º, da Lei n. 9.112/1990.

No esteio de manter as garantias básicas de dignidade para esse grupo de pessoas, a Lei Complementar n. 142/2013 foi também um significativo incentivo à formalização do trabalho, já que estabeleceu formas facilitadas de acesso aos benefícios previdenciários. Algo extremamente justo, diga-se de passagem, afinal, o trabalho realizado por alguém acometido de alguma deficiência é extremamente dificultoso. As dificuldades passam tanto pela questão das barreiras que o cidadão enfrenta para realizar o trabalho diante de suas limitações como pelas barreiras impostas pelas empresas para contratar essas pessoas. Assim, a criação de critérios diferenciados é sempre necessário.

Com relação à inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho Scheuermann (2017) traz um interessante retrato:

A inclusão do portador de deficiência no mercado de trabalho vem crescendo constantemente, segundo dados do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE), em 2009, do total de 41,2 milhões de vínculos de emprego ativos em 31 de dezembro, 288,6 mil foram declarados como pessoas com deficiência, representando 0,7% do total de vínculos empregatícios. Em 2010, dos 44,1 milhões de vínculos ativos em 31 de dezembro desse ano, 306,0 mil foram declarados como pessoas com deficiência, representando 0,7% do total de vínculos empregatícios - percebe-se que foi mantido esse peso relativo de trabalhadores com deficiência, representando um aumento de 6% no número de deficientes físicos com empregos formais.

Porém, ainda é preciso progredir ainda mais em aspectos tais como da cultura corporativa, quebra de preconceitos, como o da baixa produtividade do trabalho deste tipo de profissional, por exemplo, entre outros. No entanto, para avançar nesta discussão é necessário definir alguns conceitos, como mercado de trabalho e sua dinâmica, o perfil dos trabalhadores portadores de deficiência, as dificuldades práticas das firmas na contratação e as questões relativas ao setor de recursos humanos.

Além disso, segundo dados extraídos de estatísticas do IBGE de 2010, encontramos no Brasil cerca de 9 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência com idade para ser inseridas no mercado de trabalho. Considerando que temos um pouco mais de 300 mil pessoas trabalhando em empregos formais, há de se avançar muito neste aspecto. Muitas são as causas para que essas pessoas não sejam inseridas no mercado de trabalho (e não haveria espaço para discorrermos sobre elas nesse estudo), entretanto existe...

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