Os dois principais sistemas jurídicos ocidentais e os precedentes judiciais

AutorGustavo Marinho De Carvalho
Páginas33-72
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OS DOIS PRINCIPAIS SISTEMAS
JURÍDICOS OCIDENTAIS E OS
PRECEDENTES JUDICIAIS
Em uma rápida pesquisa sobre os precedentes no Direito brasileiro,
notamos com facilidade o número cada vez maior de autores que se
dedicam ao tema. Mas este fenômeno não é exclusivamente brasileiro,
pois outros países que pertencem à família romanista, tais como Espanha,
França, Argentina, Colômbia e Peru, também têm se dedicado ao estudo
da aplicabilidade da teoria dos precedentes em seus ordenamentos jurí-
dicos. Tais estudos não se restringem aos tradicionais e por todos conhe-
cidos precedentes judiciais, mas também incluem o objeto deste livro: os
denominados precedentes administrativos.
Os últimos anos foram fundamentais para o estímulo do estudo
dos precedentes em nosso país. As modificações legislativas introduzidas
(constitucional e infraconstitucional), tais como a súmula vinculante
(art. 103-A da Constituição Federal), a repercussão geral (art. 1.035 do
Código de Processo Civil de 2015), recursos repetitivos (art. 1.036 do
Código de Processo Civil de 2015), incidente de resolução de demandas
repetitivas (art. 976, Código de Processo Civil de 2015), aliadas ao cres-
cente aumento do prestígio dos princípios constitucionais da igualdade
e da segurança jurídica, que são os alicerces dos precedentes judiciais e
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GUSTAVO MARINHO DE CARVALHO
administrativos, formaram o cenário ideal para que debates se iniciassem
sobre o ponto nodal dos precedentes: casos iguais devem ser decididos da
mesma maneira. Dois motivos foram fundamentais para o início destes de-
bates: (i) realizar no plano da aplicação da norma os princípios menciona-
dos (igualdade e segurança jurídica); (ii) obter maior celeridade, eficiência,
coerência e uniformidade das decisões estatais, provenham elas do exercí-
cio da função judicial ou da função administrativa.
É possível afirmarmos que o Brasil ruma para uma posição interme-
diária entre os dois principais sistemas jurídicos do mundo contemporâneo:
o romano (civil law) e a common law. Esta situação é reflexo da aproximação
entre estes dois sistemas jurídicos, também notada em países tradicionalmen-
te filiados à família da common law, como, por exemplo, a Inglaterra e os Es-
tados Unidos. Nestes países, cresce a cada dia a influência da lei (statue law).7
Se, por um lado, a produção legislativa tem crescido consideravel-
mente nos países da common law,8 conhecidos pela origem jurisdicional
do Direito (case law), por outro o respeito aos precedentes tem angariado
espaço cada vez maior nos países de tradição romanista, especialmente em
razão da constatação de que a lei não é suficiente para proporcionar o
respeito integral aos princípios da igualdade e da segurança jurídica.9
7 “Países de direito romano-ger mânico e países de common law tiveram uns com os outros,
no decorrer dos séculos, numerosos contatos. [...] A common law conserva hoje a sua estru-
tura, muito diferente da dos direitos romano-ger mânicos, mas o papel desempenhado pela
lei foi aí aumentado e os métodos usados nos dois sistemas tendem a aproximar-se; sobre-
tudo a regra de direito tende, cada vez mais, a ser concebida nos países da common law como
o é nos países da família romano-germânica”; DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito
Contemporâneo. 4. ed., São Paulo, Martins Fontes, 2002, p. 26)
8 Circunstância esta que não diminui a importância dos precedentes judiciais (stare decisis),
na medida em que estes precedentes judiciais fixam a interpretação das leis editadas pelo
Poder Legislativo.
9 Com muita propriedade, assim constatou Michel Fromont: “Théoriquement, les règles
non écrites ne jou entunrôle important que dans les pays de common law. En effet, dans les
pays de droit romaniste, le droit est fondamentalement un droit écrit: la coutume a
pratiquement cessé d’être une source du droit. Dans la pratique, la diference subsiste certes,
mais elle est moindrequ’on ne le prétend généralement. D’une part, dans les pays de common
law, la loi et le règlement ont prisune importance considérable. D’autre part, les pays
romanistes, applés pays de droit écr it par les anglo, voient aujourd’hui dans la jurisprudence
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PRECEDENTES ADMINISTRATIVOS NO DIREITO BRASILEIRO
Outrossim, em função da aproximação entre estes dois sistemas
jurídicos,10 é natural que, ao estudarmos o tema dos precedentes admi-
nistrativos, vejamos, ainda que brevemente, a maneira pela qual se estru-
tura o sistema de precedentes judiciais nos países da common law – prin-
cipal fonte do direito desta família – e, poster iormente, nos países filiados
à tradição romanista.
Esta rápida visita ao sistema jurídico da common law, que será pre-
cedida pela análise também breve do sistema romano, contribuirá, indu-
bitavelmente, para a melhor compreensão da teoria dos precedentes
administrativos. Cremos que, ao final deste capítulo, conseguiremos
demonstrar que a teoria dos precedentes não é adágio da common law,
porquanto plenamente aplicável nos países de tradição romanista.
Nosso propósito na análise que se seguirá não é o de apontar qual
destes dois sistemas jurídicos é o melhor. O que desejamos, em verdade,
é compreendermos um pouco mais o funcionamento destes dois sistemas
jurídicos, a fim de que possamos extrair conclusões mais embasadas ao
longo deste estudo.
Passemos então à análise destes dois sistemas jurídicos, com o
objetivo de melhor compreendermos a teoria dos precedentes.
1.1 O CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO DA
FAMÍLIA ROMANISTA E DA COMMON LAW
Antes de ingressarmos na análise mencionada no item anterior,
cumpre-nos registrar que todo sistema jurídico, seja ele pertencente à
família da common law ou à família romanista (os dois principais sistemas
jurídicos do mundo contemporâneo), possui três objetivos essenciais,
une véritable source du droit”; Droit administratif des États européens. Paris, Presses
Universitaries de France, 2006, p. 79.
10 Neste sentido, vide: Mario G. Losano; Os Grandes Sistemas Jurídicos, São Paulo, Martins
Fontes, 2007, p. 345, e Patrícia Perrone Campos Mello. Precedentes, o desenvolvimento judicial
do direito no constitucionalismo contemporâneo. São Paulo, Renovar, 2008, p. 13.

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