A dominação carismática em regimes democráticos

AutorRoger Laureano
CargoDoutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política (PPGSP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor Titular da FUCAP-Univinte
Páginas178-204
DOI: https://doi.org/10.5007/175-7984.2020v19n45p178
178178 – 226
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A dominação carismática
em regimes democráticos
Roger Laureano1
Resumo
O artigo busca analisar a possibilidade de conciliar o conceito weberiano de dominação caris-
mática com as democracias contemporâneas e com líderes que não rompem com as normas
institucionais. A partir da análise exegética de Weber, chegamos a uma denição de dominação
carismática que se baseia primordialmente na relação afetiva dos seguidores com o líder em
razão de seu caráter extraordinário. Contestando outras interpretações, argumentamos que essa
denição é compatível com líderes democráticos sem perder a eciência de sua aplicação a casos
subversivos. Finalmente, para além de Weber, apresentamos algumas possíveis aplicações do
conceito a partir de três elementos ideais-típicos: intensidade, difusão e direção do carisma. Esse
modelo pode incluir carismas autoritários e antiautoritários e explicar o comportamento dos se-
guidores em medidas que envolvam os líderes.
Palavras-chave: Dominação carismática. Democracia. Weber. Liderança.
1 Introdução
O conceito de carisma, tornado célebre nas ciências sociais pela obra
de Max Weber, já foi instrumentalizado de maneiras muito díspares.
A disputa existe na própria exegese de Weber; primeiramente se o clássico
alemão modicou o signicado de carisma ao longo de sua obra, depois
nas pleiteias hermenêuticas sobre a própria denição do conceito. Mas a
polêmica não se resume a uma disputa exegética. A popularidade difun-
diu o seu uso gerando atualizações, remendos e mudanças (SHILS, 1965);
1 Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política (PPGSP) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Professor Titular da FUCAP-Univinte.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 19 - Nº 45 - Mai./Ago. de 2020
179178 – 204
logo, angariou acusações de abuso do termo e anarquia conceitual. Alguns
chegaram a propor o seu abandono. Spinrad escreveu que “talvez seria salu-
tar a total eliminação do conceito de carisma”2 (1991, p. 319). Daniel Bell,
sociólogo responsável por popularizar o termo em um artigo de jornal em
1947, demonstrou arrependimento: “as pessoas não sabem o que signica.
Os sociólogos não sabem o que signica” (LINGEMAN, 1968, p. 28).
Alguns mais otimistas fazem um apelo epistemológico pela construção de
uma visão unicada do conceito de carisma (MIYAHARA, 1983). As pre-
ces, no entanto, não surtiram efeito.
Ainda que não seja um problema que tire o sono dos sociólogos, o
atual estado da arte do conceito de carisma é, na melhor das hipóteses,
polissêmico, e, na pior, anárquico. A raiz disso pode estar na sua própria
origem genética. Lindholm (2002) e Joosse (2014) apontam para a in-
uência do Übermensch, de Friedrich Nietzsche. Nesse caso, o conceito de
carisma teria sido desenvolvido a partir das análises históricas dos grandes
homens do passado. A obra de eodor Mommsen sobre os césares serve
como uma evidência que apontaria para essa direção. Mas o mais provável
– e aqui sigo muitos intérpretes (SCHLUCHTER, 1981; BENDIX, 1986;
EISENSTADT, 1968; SELL, 2018) – é que as fontes sejam teológicas,
mais especicamente o trabalho de Rudolf Sohm acerca do processo de
estruturação do cristianismo. Seja César, seja Paulo, as raízes conceituais
do carisma estão fundamentadas em lideranças pré-modernas, anteriores
ao desencantamento do mundo e às tendências políticas e econômicas às
quais a sociologia enfrentou ao se consolidar academicamente. O século
XX, apesar de suas turbulências sem precedentes, foi protagonista de um
forte processo de democratização do ocidente, que ainda é mais regra que
exceção. A sociologia não encontrou empecilhos para aplicar o conceito de
carisma aos seus momentos autoritários e totalitários, como Adolf Hitler
(LINDHOLM, 2002; LEPSIUS, 2007), Stálin (STRONG; KILLINGS-
WORTH, 2011) Fidel Castro (FAGAN, 1965) e Mao (SCHRAM, 1967),
mas não teve o mesmo grau de ecácia e consenso em relação a líderes
democráticos. De fato, Weber chegou a denir o carisma como “força
2 Em todos os casos em que a bibliograa citada está em outro idioma, a tradução é minha.

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