O doping e a nova normativa do Brasil

AutorGustavo Normanton Delbin
Páginas51-67

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1. Introdução

Neste artigo procurarei de forma sintética definir o doping ou dopagem1, com seu conceito legal e características etimológicas e históricas; a estrutura mundial relacionada ao controle de dopagem e a busca pelo esporte limpo; a estrutura brasileira atual, passando neste ponto pela situação legislativa e toda estrutura antidopagem, da ABCD até a Justiça Desportiva Antidopagem recém-estabelecida; e, por fim, as expectativas que vivemos na busca por competições livres de doping diante das importantes alterações que vem sendo realizadas em nosso ordenamento.

Convém salientar desde já que não busco encerrar o tema, muito pelo contrário. Minha intenção – talvez, pretensão, aspiração – no presente artigo é incentivar o estudo e fomentar o debate da matéria, que a cada dia ganha contornos mais dinâmicos e importantes, principalmente pelo fato de se ter a sensação que os avanços na ciência e na medicina, primeiro beneficiam – infelizmente – alguns atletas antiéticos e trapaceiros que buscam vantagens sobre outros competidores para, somente depois, conseguir chegar às organizações ocupadas e preocupadas com o controle da dopagem2.

O que se tem visto é uma constante luta das organizações antidopagem, governos e entidades de administração do desporto numa cruzada contra a ganância e a busca da vitória a qualquer custo, com o uso de drogas ou métodos proibidos na prática desportiva3.

Veremos que a briga é acirrada e que não se deve abandonar o difícil combate a favor de competições regulares, livres de trapaças e fraudes, em defesa da igual-dade entre competidores e, principalmente, pelo esporte e atletas limpos4.

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2. Doping – etimologia, histórico e conceito

A definição de doping tem sofrido constantes alterações, tornando-se mais simples, moderna e também abrangente ao longo do tempo.

Buscando em dicionários da língua portuguesa a palavra doping pude encontrar definições como “aplicação ilegal de estimulantes que aumentam a resistência e o desempenho muscular de atletas em competições esportivas5 e “aplicação ilegal de estimulante em um cavalo para lhe aumentar o rendimento. Emprego irregular de excitantes para melhorar o desempenho de um atleta”6.

Diante de tais definições, que diga-se não são técnico-desportivas, os termos ‘ilegal’, ‘competições esportivas’ e ‘melhorar o desempenho de um atleta’ nos indicam que o doping, em sua própria natureza, esta ligado intrinsecamente à pratica esportiva regular.

Não se sabe ao certo a etimologia da palavra doping e suas derivações, havendo alguns diferentes posicionamentos quanto à sua origem. Passo a citar algumas possibilidades, encontradas em artigos científicos de obras consultadas em pesquisa.

Inicialmente cito os argumentos de Ana Teresa Guazzelli Beltrami:

A origem do termo doping ainda é duvidosa. Existem relatos de sua utilização primordial na construção dos canais holandeses com a expressão “onder dopen”, que significa “submergir”; por outro lado, há quem sustente que sua origem está na expressão inglesa “to dope”, com o significado de “lubrificante”, utilizado para melhorar o desempenho dos cavalos de corridas. Foi também usada como gíria dos jóqueis franceses, com o significado de “estimulação ilícita dos cavalos”, e, por fim, oficialmente reconhecida pela Comissão Médica do Comitê Olímpico Internacional como originária de um dialeto falado no sudoeste africano. Assim, sua origem está na expressão “dop”, que significa “água da vida” e é um estimulante utilizado em cerimônias religiosas. A partir de então, o termo começou a ser usado para designar o ato de ministrar ou utilizar estimulantes em qualquer competição desportiva.7

Para Milena Queico Ishibashi Morishin, além dessas alegadas citações, ainda existe uma teoria sobre a origem do termo doping como advinda da “língua fran-cesa, da palavra duper, que significava trapaça, pequena fraude e confusão”.8

Da leitura da obra do advogado porto-riquenho Fernando Olivero Barreto9 tem-se quase todas as possibilidades dadas acima e ainda mais uma: ele acresce que “la utilización de la substancia dihidrofenilamina (DOPA), precursor de la dopamina, fue uno de los primeiros fármacos usados para mejorar el rendimento atlético. Para algunos autores, este es precisamente el origen de la palavra Dopaje. (...) Lo que se resulta innegable es que su derivación está vinculada precisamente al uso de substancias dirigidas a lograr esse estado físico o mental que pueda superar las limitaciones naturales del ser humano”.

Para este ponto, por fim, o português Sérgio Nuno Coimbra Castanheira afirma que “sem se encontrar ligada directamente ao desporto, a palavra doping surge pela primeira vez em 1889 no dicionário Inglês como a prática de dar aos cavalos ópio ou outras drogas. É a partir de 1933, no entanto, que a palavra doping é aceite a nível internacional, ainda que sempre considerada em termos gerais, extra-desportivos” 10.

Historicamente, há quem diga que o doping começou junto da prática desportiva informal, lúdica, ou ainda antes, nos primórdios da civilização, quando soldados se utilizavam de determinadas drogas que melhorassem sua performance em batalhas ou ainda como já citado, pelo uso de substâncias que diminuíam o cansaço de trabalhadores11. Não compartilho deste pensamento,

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não entendo que é deste tipo de situação que temos interesse em tratar ao estudar o doping.

Considero marco inicial histórico para o doping a existência de disputa esportiva com regras, de competição organizada e não a batalha onde guerreiros atuam sob o efeito de estimulantes para matar seus oponentes. Por mais que se possa utilizar tais argumentos como uma referência histórica, o que ocorria em guerras ou lutas, era o uso de drogas excitantes, substâncias estupefacientes, que sequer eram proibidas dentro daquele contexto e para aquele fim.

Deste modo, entendo que o doping deve ser estudado a partir da prática esportiva com regras claras, onde se deve verificar a igualdade de condições e a proibição do uso de determinadas substâncias e métodos entre competidores.

Neste contexto histórico desportivo, compartilho das alegações expostas pelo médico Francisco Radler de Aquino Neto, que retrata a história de forma peculiar, muito próxima da minha forma de pensar no assunto:

Em 800 a.C. os gregos incorporaram o esporte ao seu modo de vida em igualdade com as atividades culturais e religiosas. Os eventos esportivos envolviam, sob a égide dos deuses, a participação artística dos atletas, além da parte atlética voltada para a preparação de guerreiros. Mas já se delineava o uso dos jogos como forma de estabelecer a importância geográfica, política e econô-mica das regiões participantes. A “profissionalização” do esporte ocorreu a partir de 400 a.C., com prêmios elevados para os vencedores, resultando numa “casta” de desportistas muito bem pagos e prestigiados. Tomando por base relatos de Platão, pode-se atualizar esses valores para algo em torno de U$500.000,00 (500 mil dólares norte-americanos) para vencedores, além de moradia, alimentação, isenção de impostos e do serviço militar. Valores de tal monta levaram à profissionalização do esporte, resultando em sua comercialização, com a conseqüente corrupção do sistema. Os primeiros casos de dopagem são conhecidos: uso da estricnina (um veneno de triste memória) em doses adequadas (?!) usado como estimulante e cogumelos alucinógenos para reforçar a psique antes dos jogos. O período romano continuou a elevar o prestígio do esporte, mas elevou também sua violência. “Esportes” prediletos passaram a ser lutas de gladiadores e corridas de bigas. Com o conseqüente doping de cavalos para correrem mais e de gladiadores para aumentar a violência dos combates.12

Ou seja, a partir do momento que passou a existir competição organizada, no momento em que ocorreu a “profissionalização” do esporte – nos dizeres do professor Radler – alguns competidores passaram a se utilizar de drogas e substâncias para se sobrepor a seus adversários, visando resultados! Competidores passaram a disputar contendas esportivas em condições desiguais. Aí sim para mim, nasce o doping.

Entendimento semelhante, sobre a importância do esporte e a busca da vitória e resultados por esportistas e seu staff, governantes e stakeholders é verificado na doutrina de Carmen Chinchilla Marín, que assim sentencia:

La trascendencia política que en hoy en día tienen los Juegos Olímpicos, y que alcanza su máxima expresión cuando el COI, reunido en Asamblea, y ante la presencia de los Jefes de Estado y otras personalidades de los países de las ciudades candidatas, elige, entre todas ellas, a la que será ciudad sede de los Juegos, no resultó ajena a los Juegos Olímpicos de la Antigüedad. Antes al contrario, como de forma concluyente afirma F. García Romero, “el aprovechamiento del deporte con fines políticos, práctica habitual en nuestros tiempos, puede apreciarse ya en la Grecia clásica, continúa y se incrementa en época helenístico-romana y probablemente llegó hasta la misma desaparición oficial del atletismo griego”13 .

Sendo assim, embora não trate diretamente de doping, trata de esporte e sua importância, com a posição de destaque social, político, comercial aos que alcançam êxito no cenário desportivo, sejam eles países – vale lembrar do escândalo de doping recente da Rússia14 e a punição nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro – federações, clubes ou atletas, se encaixa perfeitamente no caso da busca de resultados a qualquer custo, sem ética, com trapaça e desvios de conduta, enfim, com doping.

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Para encerrar esta parte histórica, transcrevo mais um ponto – com ares poéticos...

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