Dos atos de improbidade administrativa em espécie

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas209-324

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16 Atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito
16. 1 Conceito de enriquecimento ilícito

A LIA procura evitar, no âmbito da Administração Pública, que uma pessoa obtenha vantagem em razão da violação de uma regra ou princípio constitucional. É o que vem definido no art. 9º:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...)

O enriquecimento ilícito é o aumento patrimonial obtido pelo agente público em ofensa a uma norma jurídica.

Importante destacar que a função pública só deve beneficiar a coletividade; em razão disso, o princípio da impessoalidade impede que o agente público realize atos em proveito próprio. Agindo dessa forma, cometerá ato de improbidade administrativa.

O enriquecimento que a norma procura impedir e punir é aquele que ocorre ao arrepio da lei, porque não havia autorização legal ou havia vedação legal (CF, art. 37).

16. 2 Distinção entre enriquecimento ilícito e enriquecimento sem causa

É importante deixar registrado e esclarecido que existe uma distinção básica entre o enriquecimento ilícito e o enriquecimento sem causa.

Muito embora Marcel Fernand Planiol tenha sustentado que o enriquecimento sem causa decorria de um ilícito268, hoje em dia é pacífico que cada um dos institutos tem autonomia própria.

Por enriquecimento ilícito devemos entender um ato praticado em desrespeito à lei. Já o enriquecimento sem causa não prescinde do ato ilícito e reclama apenas ausência de causa justa.

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Existe uma distinção entre ausência de causa e ato ilícito. No enriquecimento ilícito a vantagem auferida pelo agente tem causa: a ilicitude. No enriquecimento “sem causa” é essa “ausência de causa” que o subordina; consequentemente, ao contrário do enriquecimento ilícito, a restituição não se encontra atrelada à existência de ato ilícito.

Não é verdade, portanto, que o enriquecimento ilícito é sem causa porque não aprovado pelo Direito, já que o enriquecimento sem causa não tem qualquer causa justificadora da vantagem patrimonial obtida.

Podemos dizer que o enriquecimento sem causa, por não depender de ato ilícito, não é formalmente antijurídico, mas apenas substancialmente antijurídico269.

A reprovação e a injustiça são os seus elementos constitutivos270. O deslocamento patrimonial é inclusive válido, sendo apenas injusto, como bem esclarece Valle Ferreira271. Injusto ou reprovável é aquele decorrente da ausência de contraprestação.

O enriquecimento ilícito, ao contrário, é o vedado pelo ordenamento jurídico. Pressupõe, desse modo, a sua tipificação (CF, art. 5º, II)272. Não é irrelevante a prática de um ato ilícito ou lícito para a configuração da infração em comento, como parte da doutrina argumenta273. Pelo contrário, a ilicitude é o que o sustenta.

Importante, ainda, salientar que o enriquecimento ilícito previsto pela LIA não se confunde com o enriquecimento ilícito do Direito Civil.

A primeira distinção está no fato de o enriquecimento do Direito Civil ser representado por uma lesão patrimonial decorrente da prática de um ato ilícito. A lesão patrimonial, neste caso, é seu pressuposto, enquanto na LIA, ela é dispensável.

Estamos diante de dois institutos diferentes. O instituto do Direito Civil pressupõe uma lesão patrimonial da vítima, cuja sanção respectiva é a sua reparação. O enriquecimento ilícito previsto na LIA não pressupõe qualquer lesão patrimonial, seja ela de natureza particular ou pública. O bem jurídico tutelado são os valores administrativos relacionados com a função pública e a presença do Estado. Na maioria das vezes, quem tem a diminuição patrimonial em favor do enriquecimento ilícito do agente público ou de terceiro é o beneficiário direto do ato de improbidade administrativa, pois nem sempre o ato ímprobo causará lesão ao patrimônio público.

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No enriquecimento ilícito civil e no enriquecimento sem causa, apenas quem sofreu a lesão ou o empobrecimento tem legitimidade para exigir a reparação. Por isso que a sanção do enriquecimento ilícito previsto pela LIA é a perda de bens, cujo conteúdo destina-se a uma entidade pública que, com ele, obtém um aumento patrimonial em decorrência de uma ofensa a valores não patrimoniais (LIA, art. 18). Esse ato não é compensatório, mas punitivo, pois não estamos diante de uma reparação moral.

Há, dessa forma, uma distinção entre os institutos do enriquecimento sem causa, do enriquecimento ilícito do Direito Civil e do enriquecimento ilícito previsto pela LIA. As sanções previstas são, até mesmo, distintas para cada uma dessas situações.

16. 3 Requisitos gerais para configuração do tipo legal

Por requisitos gerais devemos entender os elementos necessários para a configuração de todo o tipo de ato de improbidade por enriquecimento ilícito. O caput do art. 9º da LIA traz os requisitos gerais para a configuração do tipo legal, que são:

- Auferir vantagem econômica vedada por norma jurídica; Vantagem econômica ilícita decorrente ou relacionada com o exercício de uma função estatal; Posse da vantagem ilícita; Comportamento doloso.

Requisitos gerais. Faremos apenas a presente observação, que deve ser utilizada para as demais figuras ímprobas estudadas. Requisitos gerais são tidos por nós como os elementos inscritos no tipo legal para a configuração de toda modalidade de improbidade administrativa. Vale dizer, qualquer conduta ímproba por enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação de princípios administrativos, para ser considerada como tal, deve estar impregnada desses elementos.

Temos como suplementos aos elementos gerais os chamados elementos especializantes, próprios dos tipos especiais274. Isso quer dizer que os elementos especializantes não excluem os elementos gerais, mas agregam a eles outros elementos. O tipo especial, desta forma, compreende os elementos gerais e os elementos especializantes que lhes são próprios. Os elementos conhecidos também como elementares ou circunstâncias são componentes da figura típica. As elementares são tidas como componentes gerais da conduta típica, por isso se localizam no caput. Daí chamarmos o caput de tipo fundamental, dando-lhe conotação de base, substância ou suporte.

Compreendem as...

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