Dos bens considerados em si mesmos

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas217-233

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14. 1 Apresentação

Uma classificação visa agrupar todas as espécies de bens compreendidos na categoria estabelecida e, considerando os bens em si mesmos, ou seja, observando-os independentemente de qualquer relação com os outros, o legislador brasileiro apresenta o seguinte elenco:

  1. DOS BENS IMÓVEIS E MÓVEIS;

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  2. DOS BENS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS;

  3. DOS BENS CONSUMÍVEIS E NÃO CONSUMÍVEIS

  4. DOS BENS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS;

  5. DOS BENS SINGULARES E COLETIVOS

    Pondera-se, ainda, que o nosso legislador deixou de incluir nesta subdivisão legal os bens corpóreos e incorpóreos e, para que a classificação fique completa, seguiremos, também a orientação dos demais autores, incluindo-os na categoria.

14. 2 Bens corpóreos e bens incorpóreos

Interessante trazer à baila a análise do instrumento da atividade do empresário, o estabelecimento ou fundo de comércio e, para tanto, lembremos a definição fornecida pelo mestre Oscar Barreto Filho: o estabelecimento comercial é um "complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante146para a exploração de determinada atividade mercantil".147Diante desse quadro, não seria preciso maior esforço para se concluir que o estabelecimento comercial é composto por bens corpóreos e incorpóreos.

Bens corpóreos são os bens materiais que têm corpo, existência física, que podem ser tocados, perceptíveis pelos nossos sentidos. São os bens materiais, que podem ser vistos ou que possuem forma exterior, como os imóveis, os móveis, as mercadorias. os balcões existentes em um estabelecimento comercial.

Bens incorpóreos são os imateriais, de existência abstrata, aqueles que não têm forma exterior, não podem ser tocados pelo homem, como por exemplo, o crédito, os direitos à sucessão aberta, o nome de um estabelecimento, a propriedade literária. É claro que para serem objeto de direito devem ter valor econômico para o homem.

Por oportuno, têm-se que os bens corpóreos podem ser objeto de contrato de compra e venda, enquanto que os incorpóreos se transferem pelo contrato de cessão; os corpóreos podem ser objeto de tradição e usucapião, ao passo que os incorpóreos não.

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14. 3 Bens imóveis e móveis

Antes de caracterizarmos os bens imóveis e os móveis, vejamos a importância da distinção entre eles na vida real.

Consideremos a aquisição de um bem imóvel, como por exemplo, um terreno. Se a aquisição for feita à vista, o negócio jurídico da venda deve ser realizado por escritura pública (CC, art. 166, V).

Portanto, a escritura pública sendo da substância do ato, faz com que este não se efetive enquanto ela não estiver lavrada. Se realizado por instrumento particular, o negócio será nulo (CC, art. 166, IV).

A escritura pública de compra e venda de um imóvel representa um contrato realizado perante o tabelião. Mas, somente o contrato não basta ao sistema brasileiro para transferir a propriedade do imóvel. É necessário, ainda, o registro dele no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) competente e, "em caso de duplicidade de venda do mesmo imóvel, - decidiu certa vez o Tribunal - prevalece aquela que primeiro for levada à transcrição" (in RT 518/226).

O sistema adotado pelo Brasil é o mesmo da Alemanha, aquele em que, após o título aquisitivo (o contrato), segue a solenidade do registro, diferente do sistema franco-italiano, onde o contrato, por si só transfere a propriedade.

Em conclusão: para adquirir um imóvel no Brasil é mister que o contrato (escritura pública) seja inscrito no CRI148competente.

Tratando-se de bem móvel, é preciso, além do contrato, a tradição. Tal é a regra do art. 1.267 do Código Civil, que assim dispõe:

"A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".

Tradição significa entrega da coisa. É uma solenidade complementar do negócio jurídico e imprescindível para transferir a propriedade de um bem móvel.

Para melhor esclarecimento, eis um caso concreto, que foi publicado na Revista dos Tribunais, volume 398, página 340: Um automóvel foi vendido e o comprador pagou o preço mediante recibo e respectivo endosso do certificado de propriedade, porém a entrega do veículo ficou para dentro de 10 dias. Aconteceu que, seis dias após o contrato de compra e venda, um incêndio

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provocado por um curto circuito ocasionou a perda total do auto que não estava assegurado. Discutiu-se sobre quem deveria suportar o prejuízo: o comprador ou o vendedor. No caso do perecimento do bem, ocasionado por força maior ou caso fortuito, quem sofre o prejuízo é o dono do bem. A Justiça decidiu que o vendedor deveria suportar o prejuízo, devolvendo o dinheiro que recebera, porque não houve a tradição e, conseqüentemente, não se operou a transferência da propriedade do veículo, conforme está no referido artigo 1.267.

Confiram outras decisões em torno do assunto, entre as quais grifamos as seguintes: "A venda do veículo se aperfeiçoa com a tradição, nos termos do artigo 620 (atualmente art. 1.267) do Código Civil, e não com o endosso do certificado de propriedade" (in RT 391/359). "É de se admitir nas presunções juris tantum, ser proprietário do veículo aquele em cujo nome está registrado no Departamento de Trânsito - decidiu o Tribunal. Ilidida149, porém, a presunção, com a prova da venda e da tradição do veículo, não há como conceber sua responsabilidade. A mudança do nome no registro do trânsito é providência que cabe ao adquirente, e não tem sentido que o vendedor seja responsabilizado por omissão do comprador" (in RT 684/104).

Existem outras tantas situações em que a distinção dos bens em apreço se faz também necessária, como por exemplo, na aquisição de bens imóveis por usucapião, em que o lapso de tempo (10 ou 15 anos, CC art. 1.238 e par. ún. e art. 1.442) é maior do que na aquisição de bens móveis pelo mesmo modo (3 ou 5 anos), ou no caso em que o vendedor do bem é pessoa casada. Se for imóvel, a alienação só se tornará perfeita com a anuência do outro cônjuge (CC, arts. 1.647 e 1.648), qualquer que seja o regime de bens, exceto no regime da separação absoluta (CC, art. 1.647); se for móvel, qualquer um dos cônjuges é livre para aliená-lo (CF, art. 226, § 5º), por mais valioso que seja. Acresça-se, aqui, o caso dos bens do menor sob poder familiar. Se forem móveis, o pai poderá aliená-los livremente sem necessidade de alvará judicial; se forem imóveis, é imprescindível o alvará do juiz para tanto.

Perante todas essas situações, conclui-se ser importante o reconhecimento dos bens imóveis em relação aos móveis, lembrando que o nosso legislador esquivou-se em definir os bens imóveis. Ele apenas os enumerou e os classificou.

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14.3. 1 Regime dos bens imóveis

Analisemos, pois, a classificação fornecida pelo Código Civil com relação aos imóveis com o fim de reconhecê-los.

De acordo com o Código, existem três categorias de imóveis:

  1. POR NATUREZA;

  2. POR ACESSÃO FÍSICA;

  3. POR DISPOSIÇÃO DA LEI.

    14.3.1.1 Imóveis por natureza

    Os imóveis por natureza são conceituados por Clóvis Beviláqua como "as coisas que se não podem transportar, sem destruição de um para outro lugar".150O único bem imóvel por natureza é o terreno, o solo. Nesse sentido o art. 79 do CC, in verbis:

    "São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente".

    O que se extrai do preceito legal é que a árvore, por exemplo, mesmo plantada pelo homem, quando deita suas raízes no solo, é um imóvel. Ou seja, as árvores em pé e seus frutos são considerados acessórios do solo e, caso alguém adquira o imóvel, adquire também as árvores nele contidas, "salvo se a escritura de compra e venda dispuser expressamente de modo contrário" (in RT 572/219). Contudo, se as árvores forem vendidas para serem abatidas, adquirem a natureza de móveis, pois nesse caso o contrato é considerado como de venda de móveis por antecipação, conforme entendimento de nossa jurisprudência (in RT 548/179, 514/202). Veja o magistério de Washington de Barros Monteiro: "as árvores, enquanto ligadas ao solo, são bens imóveis por natureza. Entretanto, se se destinam ao corte, para a transformação em lenha ou carvão, ou outra finalidade industrial, convertem-se em móveis. O fim que se tem em vista, na compra e venda de mata, é, pois, decisivo. Destinada à derrubada, o que se vende é a árvore abatida, a madeira cortada. Não se trata, assim, de imóveis, mas de bens móveis por antecipação".151 Vale, a respeito, ter presente a seguinte decisão: "Efetuada a venda de árvores, separadamente do solo, consideram

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    antecipadamente como móveis, desde a data em que concluído o contrato" (in RT 707/169).

    A propriedade do solo abrange também o espaço aéreo e o subsolo. Há, contudo, restrições:

    1) O art. 1.229 do CC determina que: "A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las". Portanto, o espaço aéreo pertencerá ao proprietário do solo até a medida de sua utilização;

    2) O decreto-lei n. 852, de 11.11.38, chamado Código de Águas, dispõe que "as quedas e outras fontes de energia hidráulica são bens imóveis considerados como coisa distinta do solo em que se encontrem. Assim, a propriedade superficial não abrange a água, o álveo do curso no trecho em que se acha a queda d?água, nem a respectiva energia hidráulica, para o efeito de seu aproveitamento industrial" (art....

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