Dos bens reciprocamente considerados

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas234-244

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15. 1 Apresentação

Depois de termos estudado os bens considerados em si mesmos, passemos à análise dos bens reciprocamente considerados, ou seja, uns em relação aos outros.

Neste capítulo analisaremos a distinção entre coisas principais e coisas acessórias, as diversas classes de bens acessórios e, finalmente, as benfeitorias com as suas espécies.

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15. 2 Distinção entre bens principais e bens acessórios

Consideremos as seguintes situações:

  1. Um imóvel é vendido e no contrato de compra e venda só se menciona o terreno. Contudo, existe um barracão construído sobre o terreno;

  2. Por ocasião da venda de um prédio, o contrato de venda omite a existência de um aparelho telefônico.

Indaga-se: a quem pertence o barracão? E, quanto ao telefone (linha), a obrigação de entregar o prédio induz a de transferir o aparelho nele instalado?

Para a solução desses casos precisamos conhecer a regra geral que norteia a matéria. Ela se encontra expressa no Código Civil de 1.916, no seu art. 59, princípio omitido no presente Código, mas considerado um dos princípios gerais do direito, in verbis:

"Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal".

Em regra, o acessório segue a sorte do principal (Accessorium sequitur suum principale), mas a própria lei admite que o acessório pode não seguir o principal, quando o contrato assim dispuser. Exemplo: compro um carro contendo um rádio. Se não ficar pactuado, expressamente, que este não faz parte do negócio, o acessório acompanha o principal em seu destino.

Em razão deste canon162 o nosso legislador escreveu no mesmo Código diversas regras. Uma delas está no art. 1.209 que assim diz: "A posse do imóvel faz presumir, até a prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem".

Tito Fulgêncio, a propósito, escreve que a presunção estabelecida no art. 1.209 do Código Civil não é mais que uma aplicação do princípio geral de que o acessório acompanha o principal, os móveis e objetos achados no imóvel, que não é o principal, acompanham o imóvel para serem abrangidos pelo laço da relação possessória.163

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Não somente o objeto corpóreo pode ser acessório, mas também os direitos, como é o caso da cláusula penal constante de um contrato. Por exemplo, um contrato de compromisso de compra e venda é coisa principal existindo por si mesmo; a cláusula penal figurante do citado contrato é coisa acessória, não existindo senão em função do mesmo contrato, tanto que, se for nulo o contrato, nula será também a cláusula.

É importante, pois, distinguir a coisa principal da coisa acessória.

A coisa principal é aquela que tem existência isolada, independente de qualquer outra, ou como diz a lei: "Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente;..." (CC, art. 92).

Exemplificando: o aval é uma garantia acessória da dívida, imantada no título de crédito; sendo a dívida (principal) extinta, obviamente, o acessório segue o mesmo destino. Um exemplo de coisa acessória é a árvore em relação ao solo. Se alguém vende determinado terreno com árvores frutíferas, inclui a obrigação de entregar os frutos, acaso pendentes (CC, art. 233), salvo disposição especial em contrário. A regra inserida no art. 79 do CC, "de que as árvores e frutos, como acessórios, seguem o principal e integram o solo, pela sua própria natureza jurídica não carece de qualquer enunciado dos contratantes - decidiu certa vez o Tribunal. Assim, quem adquire imóvel adquire também as árvores nele contidas, salvo se a escritura de compra e venda dispuser expressamente de modo contrário" (in RT 572/219).

Já estamos em condições de oferecer a solução das hipóteses mencionadas no início: no primeiro caso, o barracão pertence ao comprador, porque é acessório, pois não devemos esquecer de que as edificações, assim como as plantações, estão fisicamente unidas ao solo, "não se podendo dele separar, sem que percam a sua identidade".164Conseqüentemente, se o terreno tinha árvores, casa ou barracão, estes se incluem no ato da alienação. Como acessão, o barracão construído sobre o terreno não pode ser objeto de domínio separado e sempre seguirá a sorte da coisa principal. "O direito que se tem sobre esta, qualifica o direito sobre aquela. Alienada a coisa principal, - ensina o saudoso Prof. Orlando Gomes - aliena-se ipso facto a acessão".165Enfim, a casa é sempre um acessório em relação ao terreno sobre o qual está edificada.

Contudo, o mesmo não acontece na segunda hipótese, visto que o telefone instalado, in casu, é considerado coisa autônoma166pelos nossos

Tribunais (in RT 218/422, RFor, 213/200).

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15. 3 Espécies de bens acessórios

Entram na classe dos acessórios: os frutos, os produtos, os rendimentos, as benfeitorias e as pertenças.

15.3. 1 Os frutos

Os frutos, no dizer de Clóvis Beviláqua, são as utilidades que a coisa periodicamente produz, ou como observa com muita propriedade Roberto Ruggiero: "são de um modo geral os produtos de uma coisa e, como tais, têm a qualidade de acessórios com relação à coisa-mãe que os produz".167A periodicidade, a inalterabilidade da substância e a separabilidade periódica da coisa principal, segundo pontifica Orlando Gomes, são os requisitos que caracterizam os frutos.168

Realmente, na separação das crias de um animal ou dos frutos de uma árvore, quer naturalmente, quer pela intervenção do homem, constatamos a presença desses requisitos, pois existe a produção periódica de utilidades sem diminuir a substância do bem principal.

Os frutos apresentam-se sob três categorias:

· NATURAIS são os produzidos naturalmente pela coisa principal como por exemplo, os frutos das árvores, os ovos das galinhas, o mel das abelhas, as crias dos animais etc.

· INDUSTRIAIS são os que se obtém pela cultura, pela produção, enfim, pelas indústrias, como por exemplo, o aparelho telefônico em si, os livros etc.

· CIVIS são os rendimentos obtidos por alguém de uma coisa utilizada por outrem, como o aluguel, os juros do capital etc.

Os frutos dizem-se, ainda, quanto ao seu estado:

  1. PENDENTES, são aqueles que continuam unidos à coisa que os produziu;

  2. PERCEBIDOS ou COLHIDOS, são os que estão separados da coisa que os produziu;

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  3. ESTANTES, se ainda existem depois de separados. Por exemplo, os que estão armazenados para a venda;

  4. CONSUMIDOS, se não mais existem;

  5. PERCIPIENDOS, os que deviam ter sido colhidos, mas não o foram.

15.3. 2 Os produtos

Os produtos são utilidades que se retiram da coisa diminuindo-lhe a quantidade, e não se reproduzem periodicamente. Exemplos: o petróleo, os minerais, as pedras retiradas de uma pedreira etc.

Há...

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