Dos crimes contra a administração pública

AutorFrancisco Dirceu Barros - Antônio Fernando Cintra
Ocupação do AutorMestre em Direito, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral, Doutrinador e especialista em Direito Penal e Processo Penal - Advogado criminalista há vinte e nove anos. Procurador do Estado, pós-graduado em Direito Público, escritor com sete o livros lançados
Páginas1183-1430

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CAPÍTULO I Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral

· Vide arts. 513 a 518, CPP.

· Vide art. 1º, Dec.-Lei 3.240/1941 (Crime contra a Fazenda Pública - Sequestro de Bens).

· Vide arts. 19 e 20, Lei 4.947/1966 (Direito Agrário).

· Vide arts. 50 a 52, Lei 6.766/1979 (Parcelamento do Solo Urbano).

· Vide art. 3º, Lei 7.716/1989 (Crimes Resultantes de Preconceito de Raça ou de Cor).

· Vide Lei 8.429/1992 (Enriquecimento ilícito - sanções aplicáveis).

· Vide art. 89, Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais).

· Vide arts. 66 a 69, Lei 9.605/1998 (Crimes contra o Meio Ambiente).

· Vide art. 1º, Lei 9.613/1998 (Crimes de "Lavagem" de Capitais).

Peculato

1. Tipo penal abstrato

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

· Vide art. 346, Lei 4.737/1965 (Código Eleitoral).

· Vide art. 1º, I, Dec.-Lei 201/1967 (Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores).

· Vide art. 5º, Lei 7.492/1986 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional).

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§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Peculato culposo

§ 2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

· Vide arts. 60, 61 e 89, Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais).

§ 3º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

2. Tipicidade concreta ou material

Observação geral para todos os delitos da Administração Pública.

Há grande dissenso entre o STF e o STJ sobre a aplicação do princípio da insignificância, nos delitos praticados contra a Administração Pública.

STF: defende a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos delitos praticados contra a Administração Pública:

Peculato praticado por militar. Princípio da insignificância. Aplicabilidade. Consequências da ação penal. Desproporcionalidade. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar. Hipótese em que o paciente não devolveu à Unidade Militar um fogão avaliado em R$ 455,00 (quatrocentos e cinqüenta e cinco) reais. Relevante, ademais, a particularidade de ter sido aconselhado, pelo seu Comandante, a ficar com o fogão como forma de ressarcimento de benfeitorias que fizera no imóvel funcional. Da mesma forma, é significativo o fato de o valor correspondente ao bem ter sido recolhido ao erário. A manutenção da ação penal gerará graves consequências ao paciente, entre elas a impossibilidade de ser promovido, traduzindo, no particular, desproporcionalidade entre a pretensão acusatória e os gravames dela decorrentes. Ordem concedida. (HC 87478, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, do STF, j. 29/08/2006).

"A 2ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância e absolver o paciente ante a atipicidade da conduta. Na situação dos autos, ele fora denunciado pela suposta prática do crime de peculato, em virtude da subtração de 2 luminárias de alumínio e fios de cobre. Aduzia a impetração, ao alegar a atipicidade da conduta, que as luminárias: a) estariam em desuso, em situação precária, tendo como destino o lixão; b) seriam de valor irrisório; e c) teriam sido devolvidas. Considerou-se plausível a tese sustentada pela defesa. Ressaltou-se que, em casos análogos, o STF teria verificado, por inúmeras vezes, a possibilidade de aplicação do referido postulado. Enfatizou-se que esta Corteja tivera oportunidade de reconhecer a admissibilidade de sua incidência no âmbito de crimes contra a Administração Pública. (STF: HC 107370/SP rel. Min Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 26 04 2011).

STJ: defende a impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos delitos praticados contra a Administração Pública:

O princípio da insignificância não se aplica aos crimes praticados contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, porque a ofensa à moral administrativa não pode ser medida pelo valor subtraído. Precedentes do STJ (REsp no 655.946/DF; HC no 50.863/PE).

A 3ª Secão desta Corte possui jurisprudência pacífica sobre a inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública, pois não se busca resguardar apenas o aspecto patrimonial, mas principalmente a moral administrativa. 2. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial. (STJ. HC 115.562/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 20/05/2010)

3. Elemento subjetivo do delito de peculato

- O elemento subjetivo do delito em estudo é o dolo, que corresponde à vontade livre e consciente de realizar a conduta descrita no tipo penal.

- Elementos subjetivos do tipo peculato-tipo (caput):

Nas modalidades peculato-apropriação, peculatodesvio e peculato-furto, o elemento subjetivo é o dolo. Além do dolo, o tipo requer um fim especial de agir, o elemento subjetivo contido na expressão em proveito próprio ou alheio.

- No peculato-apropriação e no peculato-desvio o funcionário age com animus rem sibi habendi, ou seja, com a intenção de não devolver a coisa ao proprietário.

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- No peculato-furto, o funcionário atua com animus furandi, ou seja, vontade consciente de subtrair, ou concorrer para que seja subtraída.

Peculato doloso não reclama lucro efetivo por parte do agente.

STF: Peculato. Tipo subjetivo. Denúncia. Denúncia que narra apropriação direta de valor monetário público. Hipótese que exclui o abono sumário da tese do mero peculato culposo. A só devolução da soma apropriada não exclui o tipo subjetivo do delito. A caracterização do peculato doloso não reclama lucro efetivo por parte do agente. Desvalia da tese de que os réus não tinham poder de disposição do dinheiro em razão do cargo. Tema que reclama tratamento no curso regular da ação penal. (RHC 63483, Relator(a): Min. Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 29/11/1985).

Peculato-desvio - dolo e elemento subjetivo de agir em proveito próprio ou alheio

O envio de missivas aos advogados por secretário de justiça, ao deixar o cargo, veiculando propaganda eleitoral subliminar, não se amolda ao peculato-desvio, que exige o dolo e o elemento subjetivo de agir em proveito próprio ou alheio (STF HC 73.128, DJU 12/04/1996).

STJ: Peculato-desvio - dolo de desviar em proveito alheio

A figura de desviar em proveito alheio exige a vontade de desviar de forma que o terceiro tenha proveito desse desvio de bens (STJ 47/288-9).

4. Elemento normativo do delito peculato

- No peculato culposo, a culpa é o elemento normativo do tipo, em conformidade com a moderna concepção de Direito Penal, desenvolvida por Claus Roxin.

- Na ótica da doutrina tradicional, a culpa é elemento subjetivo do tipo.

- A expressão "funcionário público" é elemento normativo do tipo, porque, necessariamente, deve ser realizado um juízo de valor para identificar a real existência e alcance de tal circunstância.

- A ausência do elemento normativo torna o fato atípico. (Neste sentido: Supremo Tribunal Federal STF; HC 86.489-9; SP; Segunda Turma; Rel. Min. Cezar Peluso; Julg. 09/09/2008; DJE 28/11/2008; Pág. 204. Supremo Tribunal Federal STF; HC 96.422-2; MG; Primeira Turma; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 19/05/2009; DJE 05/06/2009; Pág. 100).

5. Elemento subjetivo-normativo (Preterdolo)

- No delito em estudo não se admite a forma preterdolosa.

6. Objeto jurídico e resultado jurídico

  1. Objeto jurídico do delito de peculato

    - Em todas as modalidades, o legislador, ao criar e estabelecer pena ao delito supracitado, teve como objetivo proteger:

    - a Administração Pública;

    o patrimônio do particular, quando o objeto material pertencer-lhe.

    b) Resultado jurídico

    - A ofensa ao bem jurídico no delito em estudo ocorre de duas formas:

  2. Lesão ao objeto jurídico (Consumação) "Administração Pública" ocorre com a prática de uma das condutas descritas no tipo penal.

  3. Perigo concreto ao objeto jurídico "Administração Pública" no caso de tentativa.

    7. Resultado naturalístico

    - O resultado naturalístico do delito em comento ocorre:

    - No peculato-apropriação, a consumação ocorre no instante em que o sujeito age como se fosse dono do objeto material.

    - No peculato-desvio, a consumação ocorre com o ato do desvio, sendo irrelevante se se consegue ou não o proveito próprio ou alheio.

    - No peculato-furto, a consumação é semelhante ao furto.

    7.1. Lesão ao objeto jurídico (Consumação)

    - No peculato-apropriação, a consumação ocorre no instante em que o sujeito age como se fosse dono do objeto material.

    - No peculato-desvio, a consumação ocorre com o ato do desvio, sendo irrelevante se se consegue ou não o proveito próprio ou alheio.

    - No peculato-furto, a consumação é semelhante ao furto.

    - No peculato culposo, a consumação ocorre no instante em que outro crime atinge o seu momento consumativo. Observe-se de que o peculato culposo se efetiva quando o funcionário concorre

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    culposamente para o crime de outrem. Assim, é necessário que o outro crime seja consumado...

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