Dos crimes dos Prefeitos

AutorEdson Jacinto da Silva
Páginas88-176

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Conforme já amplamente assentado, tanto na doutrina como na jurisprudência, os crimes definidos no art. 1º do Decreto-Lei 201/67 são crimes dolosos, não há no citado diploma legal nenhuma referência à culpa, portanto, não há como se falar em crime de responsabilidade de prefeito na modalidade culposa, apenas dolosa.

Outro enfoque importantíssimo na análise dos crimes previstos no art. 1º do Decreto-Lei 201/67 é a sua classificação, posto ser crime de mera conduta, destarte não necessita de comprovação de ocorrência de dano efetivo ao erário, basta a conduta do agente político, no caso, o prefeito, para que esteja consumado o crime.

Além de tudo o que já foi exposto com relação aos crimes que podem ser perpetrados pelos prefeitos, passaremos agora a apostilar cada um dos incisos do art. 1º do Decreto-Lei 201/67, de modo a clarear o real propósito do legislador e, antes de adentrarmos diretamente na análise de cada um dos incisos, é sempre bom esclarecer a redação do artigo 1º, o qual aponta que os crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais serão julgados pelo Poder Judiciário,

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independente do pronunciamento da Câmara municipal, ali denominada de Câmara de Vereadores.

O Decreto-Lei 201/67 disciplina os crimes de responsabilidade dos agentes políticos (prefeitos e vereadores), punindo-os com rigor maior do que o da Lei de improbidade.

Por agentes políticos, temos magistralmente lecionado por Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:

Agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que inte-gram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e Vereadores. O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus público… A Relação jurídica que os vincula ao Estado é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato travado com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis.52A doutrina, à luz do sistema, conduz à inexorável conclusão de que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de improbidade. O fundamento é a prerrogativa pro populo e não privilégio no dizer de Hely Lopes Meirelles, in verbis:

Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase judiciais, elaborando normas legais, conduzindo

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os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração, na área de sua atuação, pois não são hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenha agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. (...) Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados.53Na concepção axiológica, os crimes de responsabilidade abarcam os crimes e as infrações político-administrativas com sanções penais, deixando, apenas, ao desabrigo de sua regulação, os ilícitos civis, cuja transgressão implica sanção pecuniária.

Assim passaremos a comentar separadamente cada um dos incisos:

O bem jurídico tutelado pelo inciso I é o I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio:

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Patrimônio público e a probidade administrativa.

Na concepção restrita, o patrimônio é o conjunto de bens e direitos, mensurável em dinheiro, que pertence à União, a um Estado, a um Município, ou a uma autarquia ou empresa pública.

Já em concepção ampla, é o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, que pertence ao povo, administrado pelo Município.

Por probidade devemos entender como sendo a retidão das ações administrativas. Agir de forma reta e honesta não somente de acordo com as normas, como também de acordo com a ética e dentro dos princípios de moralidade.

O dolo do crime do art.1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67, caracteriza-se pela mera consciência e vontade do prefeito de apropriar-se de bens ou rendas públicas, não se exigindo um especial fim de agir para a configuração do tipo subjetivo do delito. É irrelevante que o prefeito não tivesse a intenção de lesar o erário público, pois o dolo genérico, exigível para a configuração do tipo, resume-se à vontade consciente de se apropriar ou desviar verba pública, não se perquirindo das razões, ainda que altruístas ou de interesse público, que o tenham conduzido à conduta ilícita.

As receitas públicas, ou “rendas”, como coloca o legislador, constituem o conjunto de recursos financeiros que abastece o erário e, nas palavras de Rui Stoco, citando Antonio Tito Costa, em comentário ao artigo em questão:

(...) qualquer apropriação ou desvio de rendas ou de elementos outros integradores da receita pública constituirá, sem dúvida, em tese, infração ao preceito do nº I do art. 1º do aludido diploma legal. Renda pública, aqui, tem sentido amplo, genérico e

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inclui, ainda, as quotas do Fundo de Participação dos Municípios, do Fundo Rodoviário Nacional e outras, abrangendo mesmo rendas do Estado e da União, além das do Município, pois o texto legal não faz distinção falando em rendas públicas.54Cabe-nos, agora, esclarecer o significado de bens jurídicos. Num sentido amplo, bem significa tudo que se apresenta como valioso, útil, necessário para o homem, podendo ser representado por objetos materiais ou imateriais.

Contudo, nem todo bem será objeto de tutela jurídica, pelo que, dentro do universo de bens existentes, o legislador escolherá aqueles que serão dignos de proteção jurídica, de forma que estes bens passarão a ser qualificados como bens jurídicos.

Este critério de escolha do legislador penal, de quais bens irá tutelar, deve partir de uma concepção baseada no caráter fragmentário do direito penal, vale dizer, este ramo do direito só deve intervir quando o bem jurídico não encontrar suficiente tutela nos demais ramos do direito, justificando, pois, a atuação do direito penal, que, hipoteticamente, atinge, com igual força e sem distinções pobres de ricos, e tem o poder de cominar a mais grave das punições em relação ao descumprimento de suas normas, a prisão.

O sujeito ativo, do tipo penal, em estudo será sempre o prefeito municipal, já que aquele se trata de delito especial próprio. Quanto ao sujeito passivo será, a princípio, o erário municipal.

O tipo objetivo consuma-se com o fato do prefeito apropriar-se ou desviar o destino ou a aplicação do bem ou

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a renda pública. O tipo penal subjetivo é o dolo na vontade livre de agir em proveito próprio ou alheio.

O concurso criminal poderá ser admitido na modali-dade de participação, e sua consumação dá-se no momento em que o prefeito inverte a titularidade da posse do bem ou da renda pública.

Poderá haver caso em que o desvio se caracteriza no momento em que o bem ou a renda pública passa a ter destinação diversa daquela anteriormente recomendada pela administração ou pela lei, e o objetivo do prefeito será o de beneficiar a si próprio ou a terceiro por ele autorizado, cuja consumação do delito poderá ocorrer na forma tentada.

Trata-se de delito especial próprio, doloso, comissivo, de resultado, plurissubsistente e unissubjetivo. Cuja pena é de Reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos. A ação penal é pública incondicionada.

II - Utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos.

Analisando o texto legal, podemos com facilidade constatar que o inciso trata de um empréstimo indevido de bens, rendas ou serviços públicos.

No advérbio indevidamente está o cerne da conduta sancionada, vez que a utilização de bens, rendas ou serviços públicos, em proveito próprio ou alheio, em situações autorizadas pela lei, ocorrerá em inadequação típica, sendo então desnecessário partir-se para a análise da incidência de descriminantes.

É certo que do Chefe do Poder Executivo Municipal a comunidade espera a persecução do bem comum, por

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meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdício e garantir-se uma maior rentabilidade social.

Vale dizer, o administrador público, no desempenho de suas atividades administrativas, tem o dever de adotar as medidas e soluções, entre as admitidas em abstrato no ordenamento jurídico, mais positivas para a satisfação das necessidades da...

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