Dos Crimes contra a Saúde Pública

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas1777-1822
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 267
Crime no 1: Epidemia (Art. 267 do Código
Penal)
1. Conceito
1.1. Forma Simples
O delito consiste no fato de o sujeito ativo causar
epidemia, mediante a propagação de germes pato-
gênicos.
1.2. Forma Preterdolosa
O delito será preterdoso se do fato resulta epidemia
e as circunstâncias evidenciam que o agente não
quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo.
1.3. Forma Culposa
Ocorre quando o agente ativo agindo com impru-
dência, negligência ou imperícia, causa epidemia,
com a consequente produção de um estado de perigo
em comum.
2. Análise Didática do Tipo Penal
Por epidemia, de nia Bento de Faria,4954 entende-
-se o surto de uma doença acidental e transitória,
que ataca um grande número de indivíduos, ao mesmo
tempo, em determinado país ou região.
E os germes patogênicos são apenas os seres
unicelurares que produzem moléstias infecciosas.
É irrelevante o modo de propagação utilizado pelo
agente, desde que seja idôneo para contagiar inú-
meras pessoas.
Com escopo de enriquecer a matéria, veja os
sábios ensinamentos de Fragoso:4955
4954 FARIA, Bento de. op. cit., p. 253.
4955 FRAGOSO, Heleno. op. cit., p. 203.
O tipo objetivo consiste em causar epidemia,
mediante a propagação de germes patogênicos. Na
de nição do delito está, assim, prevista, a forma pela
qual deve ser causada a epidemia, sendo excluída
a tipicidade no caso de aplicação de qualquer outro
meio. O modo pelo qual a ação de propagar (espa-
lhar, difundir, reproduzir) se pratica, é irrelevante.
Germes patogênicos, como se diz na Exposição de
Motivos ministerial, do vigente código italiano (“Re-
lazione ministeriale, no 229), são todos os micro-
-organismos (vírus, bacilos e protozoários), capazes
de produzir moléstias infecciosas.
Hungria,4956 esmiuçando a matéria, escreve:
O elemento material do crime compõe-se de dois
momentos: a ação de propagar os germes patogênicos
e o resultado “epidemia”. Dá-se o summatum opus
desde que instalada a epidemia, isto é, desde que
se apresente um certo número de casos sucessivos,
a indicar a progressiva difusão da moléstia. Se, ao
primeiro caso, medidas sanitárias são prontamente
tomadas, e com tal e ciência que vem a ser atalhado
o ulterior contágio, o que se poderá identi car é a
simples tentativa. O elemento psíquico é a vontade
de causar epidemia, conhecendo o agente a idoneida-
de malé ca dos germes de que se utiliza, isto é, de
sua capacidade de transmitir o morbus de indivíduo
a indivíduo, e sabendo ou devendo saber que cria o
perigo de morte de indeterminado número de pessoas.
3. Elemento Subjetivo do Delito de Epidemia
Entendo que o elemento subjetivo do tipo é o
dolo e a culpa, já que o tipo penal pode ser praticado
na modalidade culposa.
Extremamente oportunas, sob tal aspecto, as
observações feitas pelo ilustre amigo Pierangeli:4957
4956 HUNGRIA, Nelson. op. cit., p. 99.
4957 PIERANGELI, José Henrique. op. cit., p. 621.
Capítulo 3
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O elemento subjetivo é o dolo (dolo genérico). O
agente (ou omitente) quer livre e conscientemente
produzir a epidemia, ciente da virulência dos germes
que dissemina, isto é, da ecácia patogênica dos ger-
mes difundidos (Antolisei). Não é exigido o dolo direto,
sendo suciente o dolo eventual (Fiandaca-Musco).
4. Objeto Jurídico do Delito de Epidemia
O legislador, ao criar e estabelecer pena para o
delito supracitado, teve como principal objetivo proteg er
a incolumidade pública.
5. Sujeito Ativo do Delito de Epidemia
Não se exige nenhuma qualidade especial do
sujeito ativo; portanto, qualquer pessoa pode cometer
o delito em estudo.
6. Sujeito Passivo do Delito de Epidemia
O sujeito passivo do delito é coletividade e as
pessoas efetivamente atingidas pela epidemia. Cabe
enfatizar, por necessidade, a lição de Capez:4958
“Consuma-se quando várias pessoas são infectadas
pelo germe, o que demonstra a difusão da moléstia
e, portanto, a epidemia.”
7. Ação Penal do Delito de Epidemia
O crime é de ação penal pública incondicionada,
tendo o art. 1o da Lei no 9.695/1998 transformado a
epidemia com resultado morte em crime hediondo.
7.1. Das Penas
a) Na forma simples, a pena é reclusão, de 10 (dez)
a 15 (quinze) anos.
b) Na forma preterdolosa, a pena será aplicada em
dobro.
c) Na forma culposa, a pena é de detenção, de 1
(um) a 2 (dois) anos, ou, se resulta morte, de 2
(dois) a 4 (quatro) anos.
7.2. Do Procedimento
Na forma simples e na preterdolosa o procedi-
mento é o comum (veja o novo art. 394 do Código
de Processo Penal com redação dada pela Lei no
11.719/2008).
4958 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 210.
Na forma culposa devemos considerar duas hi-
póteses:
1a hipótese: normalmente o procedimento é o
previsto na Lei dos Juizados Especiais Criminais
(veja arts. 76 e seguintes da Lei no 9.099/1995).
2a hipótese: excepcionalmente, se ocorrer morte,
o procedimento é o comum (veja o novo art. 394 do
Código de Processo Penal com redação dada pela
Lei no 11.719/2008).
8. A Consumação do Delito de Epidemia
Com a efetiva instalação da epidemia. Como ilustra
Fragoso:4959
O momento consumativo do crime é aquele no
qual sobrevém a epidemia, ou seja, o aparecimento
simultâneo ou progressivo de considerável número
de casos, revelando a existência de epidemia. Um
só caso, evidentemente, não bastaria.
9. A Tentativa do Delito de Epidemia
A tentativa é plenamente possível, exceto na forma
culposa.
10. Classicação Doutrinária do Delito de
Epidemia
Bitencourt4960 apresenta a classicação infracitada:
Trata-se de crime comum (não exige qualquer
qualidade ou condição especial do sujeito ativo);
formal (crime que não causa transformação no
mundo exterior); doloso (não há previsão de moda-
lidade culposa); instantâneo (a consumação não se
alonga no tempo); unissubjetivo (pode ser cometido
por uma única pessoa); plurissubsistente (a conduta
pode ser desdobrada em vários atos). Crime de perigo
concreto.
Nucci4961 traz a seguinte classicação:
Trata-se de crime comum (aquele que pode ser come-
tido por qualquer pessoa); material (delito que exige,
para sua consumação, a ocorrência de resultado na-
turalístico, consistente em haver epidemia, algo que,
por si só, é atentatório à saúde pública); de forma vin-
culada (delito que somente pode ser cometido através
4959 FRAGOSO, Heleno. op. cit., p. 203.
4960 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 223.
4961
NuCCi,
Guilherme de Sousa. op.cit., p.1836.
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da propagação de germes patogênicos); comissivo (o
verbo implica em ação) e, excepcionalmente, omissivo
impróprio ou comissivo por omissão (quando o agente
tem o dever jurídico de evitar o resultado, nos termos
Minha posição: Complementando a lição do
renomado autor, entendo que o crime ainda é:
a) de forma vinculada (observe que o delito que
somente pode ser cometido por meio da propa-
gação de germes patogênicos);
b) comissivo (o verbo implica ação).
No mesmo sentido explica Nucci: há quem sustente
ser delito passível de cometimento na forma
omissiva (Noronha, Direito Penal, v. 4, p. 5; Del-
manto, Código Penal comentado, p. 486), com
o que discordamos, pois causar é dar origem a
alguma coisa, parecendo-nos ser sempre forma
ativa de conduta. A única hipótese viável de
omissão é a descrita – e já mencionada – no art.
13, § 2o, quando o agente tem o dever jurídico de
impedir o resultado.
Quanto ao crime ser crime de perigo concreto,
informo ainda que há controvérsia doutrinária:
1a posição: também entendemos que o crime é
de perigo concreto (aquele que coloca um número
indeterminado de pessoas em perigo, que necessita
ser provado). É a posição dominante: Bitencourt,
Nucci, Capez, Regis Prado, entre outros.
2a posição: trata-se de crime de perigo abstrato
(Delmanto).
3a posição, posição mista: Paulo José da Cos-
ta Júnior4962 defende que o crime é de dano (para as
pessoas lesadas pela doença) e de perigo (para os
que não foram atingidos).
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Agoracousuperfácilresponderaestaquestão
elaborada com base no contexto forense prático:
“Para conguração do crime de epidemia, o perigo
a um número indeterminado de pessoas necessita
ser provado?”
11. Casos Práticos
1. Tício causou epidemia, mediante propagação
de germes patogênicos. Aponte a solução jurídica:
4962 COSTA Jr., Paulo José da. op. cit., p. 585.
Resposta. Comprovado o perigo a um número
indeterminado de pessoas, Tício responderá pelo
crime previsto no art. 267 do Código Penal, in verbis:
Causar epidemia, mediante a propagação de germes
patogênicos:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.
2. Tício causou epidemia em lugar sujeito à
administração militar, mediante propagação de
germes patogênicos. Aponte a solução jurídica:
Resposta. Tício cometeu o crime previsto no art.
292 do CPM.
12. Casos Criminais Superinteressantes
A DISSEMINAÇÃO DE DOENÇA PREJUDICIAL
À FAUNA
Tício causou disseminação de doença preju-
dicialàfaunaeàora.Aponteasoluçãojurídica:
Resposta. Leciona Fragoso:4963 “Evidentemen-
te, deve tratar-se de moléstias humanas, pois se
atingissem plantas ou animais apenas, o crime seria
o do art. 259 CP (cf. no 844, supra)”.
Minha posição: Como já defendemos, o art. 259
foi revogado, portanto, o crime cometido por Tício foi
o previsto no art. 61 da Lei no 9.605/1998, in verbis:
Disseminar doença ou praga ou espécies que possam
causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à ora
ou aos ecossistemas: Pena – reclusão, de um a quatro
anos, e multa.
A INTENÇÃO DETERMINADA
Tício causou epidemia, mediante a propaga-
ção de germes patogênicos. Aponte a solução
jurídica considerando que:
a) A intenção de Tício era contaminar Mévio.
Resposta. Ensina Bitencourt:4964 “Caso a inten-
ção do agente seja a de contaminar certa pessoa,
poderá responder pelo delito do art. 131 do CP”.
Minha posição: Comprovado o perigo a um nú-
mero indeterminado de pessoas, Tício responderá
4963 FRAGOSO, Heleno. op. cit., p. 203.
4964 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 223.
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