Dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos

AutorFrancisco Dirceu Barros - Antônio Fernando Cintra
Ocupação do AutorMestre em Direito, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral, Doutrinador e especialista em Direito Penal e Processo Penal - Advogado criminalista há vinte e nove anos. Procurador do Estado, pós-graduado em Direito Público, escritor com sete o livros lançados
Páginas819-837

Page 819

CAPÍTULO I Dos crimes contra o sentimento religioso

1. Da tipicidade formal

Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

· Vide arts. 40 e 65, Dec.-Lei 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais).

· Vide art. 3º, "d" e "e", Lei 4.898/1965 (Abuso de Autoridade).

· Vide art. 59, I, Lei 6.001/1973 (Estatuto do Índio).

· Vide arts. 60, 61 e 89, Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais).

Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

2. Tipicidade material

- Haverá tipicidade material com qualquer grau de Lesão ao objeto jurídico (Consumação) analisado no caso concreto; in casu, não será possível, em nenhuma hipótese, a aplicação do princípio da insignificância no delito de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo.

3. Elemento subjetivo do delito de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

- O elemento subjetivo dos delitos supracitados é o dolo.

No ultraje a culto, além do dolo, é necessário o fim especial de agir, consistente em proceder "por motivo de crença ou função religiosa".

No impedimento a culto, basta o dolo eventual, sendo irrelevante a finalidade.

Na perturbação a culto, além do dolo, exige-se o fim especial de agir, "o de ofender o sentimento religioso".

4. Elemento normativo do delito de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

- No delito em estudo não se admite a forma culposa.

5. Elemento subjetivo-normativo (Preterdolo)

- No delito em estudo não se admite a forma preterdolosa.

6. Objeto jurídico e resultado jurídico

  1. Objeto jurídico do delito de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

    - O legislador, ao criar e estabelecer pena aos delitos supracitados, teve como principal objetivo

    Page 820

    proteger a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e a garantia e proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

    b) Resultado jurídico

    - A ofensa ao bem jurídico no delito em estudo pode ocorrer de duas formas:

  2. Lesão ao objeto jurídico (Consumação) "liberdade e crença religiosa" ocorre com o escárnio, a perturbação e o vilipêndio do culto.

  3. Perigo concreto ao objeto jurídico "liberdade e crença religiosa" no caso de tentativa.

    7. Resultado naturalístico

    - É delito formal, portanto não exige resultado naturalístico.

    7.1. Lesão ao objeto jurídico (Consumação)

    - A consumação ocorre da seguinte forma:

  4. No ultraje a culto, consuma-se o crime com o escárnio, independentemente do alcance de outro resultado visado.

  5. No impedimento a culto, o delito atinge a consumação com a produção do resultado.

  6. No perturbação a culto, o delito atinge a consumação com o efetivo vilipêndio.

    7.2. Perigo de Lesão ao objeto jurídico (Consumação)

  7. No ultraje a culto

    Devem ser consideradas duas hipóteses:

  8. a tentativa na forma escrita é possível;

  9. a tentativa na forma verbal não é possível. (É a posição dominante).

    b) No Impedimento a Culto

    - A tentativa é plenamente possível.

    c) Na Perturbação a Culto

    - A tentativa é plenamente possível.

    8. Persecução penal judicial do delito de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

    8.1. Ação penal

    - A ação penal é pública incondicionada.

    8.2. Início da persecução penal judicial

    - O início da persecução penal judicial no crime em estudo ocorrerá da seguinte forma: não havendo composição dos danos civis (art.75 e 76 da Lei 9.099/95), o Ministério Público proporá a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas.

    Caso não seja possível efetivar a transação penal, porque o infrator não aceita a proposta ou porque possui maus antecedentes, o Ministério Público ofertará a denúncia.

    De forma excepcional, é possível ser interposta a ação privada subsidiária da pública na hipótese prevista no artigo 5º, inciso LIX, da Constituição Federal.

    8.3. Início da persecução penal extrajudicial

    1) No caso da ação penal pública incondicionada, o início do procedimento inquisitorial ocorre com uma das formas infracitadas:

  10. Portaria da autoridade policial de ofício, mediante simples notícia do crime.

  11. Ofício requisitório do Ministério Público.

  12. Requerimento de qualquer pessoa do povo - notitia criminis (art. 27 do CPP).

  13. Auto de prisão em flagrante.

    · Entendemos que o atual artigo 5º, inciso I, do Código de Processo Penal, que autoriza o juiz a requisitar o Inquérito ex officio, não foi recepcionado pela Constituição Federal. Hoje, o sistema acusatório no Processo Penal brasileiro tem assento constitucional, o que não ocorria anteriormente. Assim, quando a Carta Magna preconiza, no seu art. 129, inciso I, ser exclusividade a iniciativa da propositura da ação penal pública ao Ministério Público, vedam-se ao juiz os procedimentos ex officio, cujo interesse maior é dos titulares da ação penal. Esta será uma das inovações do novo Código de Processo Penal.

    2) No caso da ação penal privada subsidiária da pública, o início do procedimento inquisitorial ocorre com o requerimento do ofendido ou representante legal (art. 100, § 2º, do Código Penal, ou do artigo 30, c.c. artigo 29 do Código de Processo Penal), ou, em caso de morte, do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

    9. Preceito penal secundário (Das penas)

    A pena é de detenção, de um mês a um ano, ou multa.

    Se houver emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

    Page 821

    9.1. Possibilidade de suspensão condicional do processo

    No delito de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, é possível a suspensão condicional do processo, eis que a pena mínima é igual a 1 ano; portanto, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.

    9.2. Possibilidade de transação penal

    A transação penal é plenamente possível, eis que a pena máxima é inferior a 2 (dois) anos.

    Exceção 1: impossibilidade da transação penal no caso de concurso material, continuado e formal. (No mesmo sentido: STJ; RHC 27.068; Proc. 2009/0213659-4;

    SP; Sexta Turma; Rel. Min. Og Fernandes; Julg. 31/08/2010; DJE 27/09/2010) LEI 9.099, art. 61; CP, art. 71).

    9.3. Análise da possibilidade de concessão da fiança extrajudicial e judicial

  14. Fiança extrajudicial:

    No crime em comento, não estando presente nenhuma das hipóteses previstas nos incisos I e IV do novo artigo 324 do Código de Processo Penal, é possível a autoridade policial arbitrar a fiança, pois é delito que tem pena máxima de prisão não superior a quatro anos. Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, esta pode ser requerida, perante o juiz competente, que decidirá em quarenta e oito horas.

    b) Fiança judicial:

    No delito em estudo, ainda que tenha a pena máxima superior a 4 (quatro) anos, é possível a autoridade judicial conceder a fiança, exceto:

    I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do Código de Processo Penal;

    II - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva na forma do novo artigo 312 do Código de Processo Penal.

    9.4. Possibilidade de decretação da prisão preventiva

    O crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo é punido com pena máxima que não excede quatro anos; portanto, só será possível a decretação da prisão preventiva, presentes os requisitos infracitados:

  15. tiver sido o indiciado ou acusado, condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no artigo 64, inciso I, do Código Penal.

  16. presença dos requisitos previstos nos novos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal;

  17. se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

  18. se houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la.

    A reforma processual penal ainda permite duas formas de prisão preventiva ao presente delito, quais sejam:

  19. No caso de quebramento da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva.

  20. No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas nas medidas cautelares, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Minis-tério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.

    9.4.1. Possibilidade de decretação da prisão temporária

    Não é possível a prisão temporária no crime em estudo, pois o mesmo não foi elencado no artigo 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/1989.

    9.5. Análise da possibilidade de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar

    No delito de ultraje a culto e impedimento ou perturbação, na forma do novo artigo 318 do Código de Processo Penal, poderá o juiz substituir a prisão preventiva, pela domiciliar, nas seguintes hipóteses:

    Page 822

    I - pessoa maior de 80 (oitenta) anos;

    II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;

    III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT