Dos Efeitos dos Recursos Trabalhistas

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação da PUC/SP (Cogeae)
Páginas186-196

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1. Conceito

Efeitos dos recursos são consequências que o recurso provoca, tanto na decisão da qual se recorre, bem como no próprio recurso interposto.

Consequência natural do recurso é o impedimento da formação da coisa julgada da decisão da qual se recorre.

2. Do efeito devolutivo

O efeito devolutivo significa devolver ao Tribunal a jurisdição para apreciação do recurso. Na verdade, este termo "devolutivo" vem da época em que a jurisdição pertencia ao Rei, que a delegava aos seus prepostos e, quando havia alguma reclamação por parte dos súditos, a jurisdição era devolvida ao Rei, e dessa forma ficou consagrada a expressão efeito devolutivo do recurso.

Como destaca Manoel Antonio Teixeira Filho141:

A ideia de devolução nos vem do direito romano antigo, em que o imperador detinha, em caráter monopolístico, o poder de decidir os conflitos de interesses ocorrentes entre os reinóis, delegando-os, em alguns casos, a seus prepostos. Assim, quando a parte não ficava satisfeita com a decisão adotada pelo preposto, apelava ao imperador, devolvendo-lhe, por assim dizer, a jurisdição. Nos termos modernos, entretanto, não faz sentido falar-se em efeito devolutivo, porquanto a atividade jurisdicional não é privativa dos tribunais. Dessarte, não se pode "devolver" aos tribunais aquilo que jamais lhes pertenceu.

O efeito devolutivo do recurso transfere ao Tribunal o julgamento de determinado recurso, mas nos limites das razões do recorrente. O processo não é devolvido ao Tribunal, pois se existe uma determinada propriedade do processo, esta pertence ao primeiro grau de jurisdição, pois é lá que o processo começa e termina.

Segundo a doutrina, todos os recursos têm efeito devolutivo no sentido de transferir a outro órgão hierarquicamente superior ao que prolatou a decisão a reapreciação da matéria que fora objeto de impugnação. Para parte da doutrina os

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embargos de declaração, por serem apreciados pelo mesmo órgão que prolatou a decisão, não possuem efeito devolutivo142.

Como bem adverte Ana Cândida Menezes Marcato143:

Já se manifestava Alcides de Mendonça Lima afirmando que "não se pode ser rigoroso e considerar ver devolução, apenas quando o julgamento se desloca para outro órgão, que não aquele que proferiu a decisão impugnada". Em função disso, deve-se entender a devolução como sendo a possibilidade de submeter a decisão impugnada ao conhecimento do Poder Judiciário devolvendo-lhe a matéria; em regra, essa reapreciação será feita por órgão diferente daquele que proferiu a decisão recorrida, excepcionalmente, contudo, pelo mesmo órgão.

Discute-se na doutrina se o efeito devolutivo do recurso transfere ao Tribunal apenas as questões do mérito do recurso ou também as questões que delas o Tribunal pode pronunciar-se de ofício.

Para Nélson Nery Júnior144:

O objeto da devolutividade constitui o mérito do recurso, ou seja, a matéria sobre a qual deve o órgão ad quem pronunciar-se, provendo-o ou improvendo-o. As preliminares alegadas normalmente em contrarrazões de recurso, como as de não conhecimento, por exemplo, não integram o efeito devolutivo do recurso, pois são matérias de ordem pública a cujo respeito o tribunal deve ex officio pronunciar-se.

Na opinião de Rodrigo Barioni145, o efeito devolutivo da apelação é mais amplo, abrangendo também as questões que o Tribunal possa conhecer de ofício. Assevera que o chamado efeito translativo nada mais é do que uma espécie do gênero efeito devolutivo.

No mesmo sentido Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol146:

Apenas o mérito do recurso integra o efeito devolutivo, não o integrando a matéria de admissibilidade (não se há que falar em devolução, pois se trata de matéria de ordem pública, que órgão jurisdicional deve conhecer de ofício).

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Pensamos que a razão está com os que pensam que o efeito devolutivo é amplo. Reformulando pensamento anterior, o efeito devolutivo não abrange somente questões do mérito recursal, mas também processuais e aquelas questões que o Tribunal possa conhecer de ofício.

O efeito devolutivo abrange toda a matéria impugnada, e essa é a regra geral, o que significa dizer que o efeito devolutivo fica balizado pela matéria impugnada. As questões suscitadas pelas partes que não foram decididas por inteiro, bem como os fundamentos da inicial e defesa não levados em consideração na sentença ficam abrangidas pelo efeito devolutivo por expressa previsão dos parágrafos 1º e 2º do art. 1.013 do CPC. Desse modo, se a defesa tiver dois fundamentos a e b, e a sentença acolheu o fundamento a, o fundamento b será transferido ao Tribunal em razão do efeito devolutivo da apelação".

Como bem advertem Gilson Delgado e Patrícia Miranda Pizzol147, "a extensão do efeito devolutivo não pode ultrapassar a matéria impugnada, ou seja, se o recurso for parcial, a matéria não impugnada (parte da decisão aceita tácita ou expressamente), não será devolvida ao órgão ad quem".

Desse modo, o Tribunal a quo fica vinculado à matéria objeto de impugnação. Sendo assim, o efeito devolutivo ao recurso ordinário deve estar balizado pelos seguintes princípios:

  1. dispositivo: a impugnação das matérias depende de iniciativa da parte, não podendo o Tribunal agir de ofício;

  2. proibição da reformatio in pejus: Por este princípio o Tribunal, ao julgar a apelação não pode agravar a situação do apelante.

Como adverte José Carlos Barbosa Moreira148, "a extensão do efeito devolutivo determina-se pela extensão da impugnação: tantum devolutum quantum appellatum. É o que estabelece o dispositivo ora comentado, quando defere ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada".

2.1. Extensão e profundidade do efeito devolutivo

A doutrina costuma classificar os limites do efeito devolutivo do recurso em

  1. extensão ou horizontal e b) vertical ou profundidade.

No aspecto horizontal ou de extensão, o Tribunal fica vinculado às matérias que foram objeto do recurso.

O Tribunal, no aspecto, somente pode apreciar o capítulo da sentença que fora objeto de recurso pela parte. Se a sentença deferiu horas extras, reparação por danos

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morais e diferenças de FGTS, mas a parte somente impugnou nas razões recursais o capítulo das horas extras, o Tribunal não pode enfrentar as questões sobre os danos morais e diferenças de FGTS.

Portanto, quem delimita a extensão do efeito devolutivo é o recorrente.

O aspecto horizontal do efeito devolutivo está previsto no caput do art. 1.013, que dispõe:

A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

Quanto ao aspecto vertical ou de profundidade, o Tribunal pode apreciar todas as questões enfrentadas ou não pela sentença de primeiro grauo sobre o capítulo da sentença que fora impugnada. Desse modo, quem fixa a profundiade do efeito devolutivo é o Tribunal competente para apreciar o recurso.

Por exemplo, se a parte recorreu do capítulo das horas extras, são devolvidas ao Tribunal, as questões sobre as condições da ação e pressupostos processuais, razões das partes não consideradas na decisão, bem como elementos probatórios dos autos que não foram considerados pela sentença.

Como destaca Barbosa Moreira149: "hão de ser examinadas questões que o órgão a quo, embora pudesse ou devesse apreciar, de fato não examinou".

O aspecto vertical do efeito devolutivo está disciplinado nos §§ 1º e 2º do art. 1.013 do CPC, assim redigidos: "§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado. § 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais".

Conforme os referidos §§ 1º e 2º do art. 1.013, do CPC, o Tribunal pode apreciar as teses da inicial e defensivas que não foram levadas em conta pela sentença como razões de decidir. Vale dizer: todas as teses jurídicas discutidas nos autos são transferidas ao Tribunal, bem como todas as provas produzidas nos autos, quer documental, oral ou pericial também são transferidas ao órgão ad quem, ainda que não levadas em consideração para formar a convicção do juízo a quo.

No aspecto, vale destacar as seguintes ementas:

Efeito devolutivo do recurso - Profundidade - Alcance. 1. No que se refere à profundidade, o efeito devolutivo é amplo, sendo lição comezinha que ao apreciar o pedido recursal, o Tribunal não está adstrito aos fundamentos e entendimentos manifestados pelo juiz de primeira instância, podendo até mesmo confirmar o julgado por motivos diversos dos expostos em primeiro grau, desde que alicerçado no conjunto probatório produzido nos autos. 2. Violação ao art. 515 do CPC não configurada. 3. Declaratórios rejeitados. Por unanimidade. (TRT 24ª R. - 1ª T. - rel. Des. Francisco das C. Lima Filho - DJe n. 465 - 26.4.2010 - p. 22 - Processo ED n. 409/2008.091.24.00-2) (RDT n. 12 - dezembro de 2010)

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Recurso ordinário - Princípio da...

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