Dos novos direitos estabelecidos pela Lei Complementar n. 142/2013

AutorAdriano Mauss - José Ricardo Caetano Costa
Páginas33-55

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A importancia do judiciário na efetivagdo do direito á aposentadoria especial dos deficientes

A historia dos direitos sociais pós-CF de 1988, após um cenário de amargor trazido pelas duas décadas de ditadura militar no Brasil, náo é nada uniforme, linear, evolutivo. Pelo contrário. Deflagrada a Carta Magna e uma série de direitos sociais dantes náo constante em nenhuma Consti-tuicáo anterior, passou-se a ouvir de imediato que grande parte dos seus direitos náo seriam cumpridos. Era, a CF, fruto de processo constituinte que comecara dois anos antes, "avancada" demais para ter seus direitos reconhecidos enquanto tal.16

Por se tratar de uma Constituicáo programática, principiológica, procedimental e comunitária, como bem frisou Gisele Cittadino17, para a concretizacáo e efetivacáo dos direitos sociais que dela promanam é neces-sário a intervencáo/cooperacáo de todos os Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário, especialmente do primeiro e do segundo, sob pena de judicializacáo deste direitos (o que acontece nos dias atuais).

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No mesmo sentido a análise de Ingo Sarlet, para quem os direitos sociais, inclusive os prestacionais, fazem parte dos direitos de defesa, sendo que "costumam ser positivados sob a forma de normas programáticas, normas-objetivo, imposicóes legiferantes mais ou menos concretas, enfim, de tal forma a exigir — ao menos em principios — uma interposicáo do legislador para que venham a adquirir sua plena eficácia e aplicabilidade".18

Assim ocorreu, similar a tantos outros direitos até hoje náo regula-mentados ou simplesmente, no curso dos 25 anos de vigencia da CF/88, desregulamentados diante do movimento neoliberal citado alhures.

No caso da Aposentadoria Especial dos Deficientes, a Emenda Constitucional n. 20, de 2008 acrescentou o § 4º ao art. 40 da CF/88, prevendo a adocáo de critérios diferenciados para a concessáo de aposentadoria para os participes do Regime Próprio de Previdéncia Social, em casos de trabalho em condicóes especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade fisica, conforme dispusesse lei complementar.

Esta mesma disposicáo, referente aos participes do Regime Geral de Previdéncia Social, foi repetida no § 1º do art. 201 da CF/88.

Lamentavelmente, como em tantos outros casos, como se disse, a Lei Complementar náo sobreveio, deixando o beneficio somente em tese, sem regulamentacáo.

O Supremo Tribunal Federal, através do Mandado de Injuncáo n. 5126, impetrado pelo Juiz Federal Roberto Wanderley Nogueira, ordenou a aplicacáo provisória do art. 57 da Lei n. 8.213/91, até que houvesse a re-gulamentacáo deste direito.

Na decisáo proferida, o Min. Celso de Mello, decano do STF, apresentou algumas razóes que merecem ser citadas. Aduz o Sr. Ministro que a inércia estatal traduz um inaceitável desprezo pela Constituicáo Federal, configurando um comportamento que revela um incompreensivel sentimento de desapreco pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Carta Magna. O Ministro criticou a omissáo legislativa, náo sendo possivel que o próprio Poder Público evoque a falta de regulamentacáo para negar este direito. Diz ainda, no referido julgamento, que nada mais nocivo, perigoso e ilegitimo do que elaborar uma Constituicáo sem a vontade de fazé-la cumprir integralmente, ou fazer valer a referida somente nos pontos que interessar á Autoridade Pública, contra os interesses da maioria.

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Certamente, ao que tudo indica, foi essa posicáo firme do STF, que obrigou o Poder Executivo e o Legislativo a moverem-se no sentido de regulamentar, duas décadas tardiamente, o disposto no corpo da Carta Política de 1988.

Feitas estas considerares, importantes a nosso julgar, justamente por demonstrarem que a postura proativa e criadora do Poder Judiciário pode forjar a regulamentacáo dos direitos sociais lancados na Carta Maior vigente, passamos á análise da Lei Complementar que institui o benefício ora estudado.

Lei Complementar n 142/2013: preliminares

A Lei Complementar n. 142/13, regulamentada pelo Decreto n. 8.145/13, institui duas espécies de aposentadorias: por tempo de contribuicáo, com tempo reduzido, como veremos a seguir e a aposentadoria por idade, igualmente com idade reduzida19.

De inicio, é necessário que se diga que ambos benefícios sáo de cará-ter previdenciário, leia-se contributivo. Os requisitos atinentes aos demais benefícios do RGPS, tais como qualidade de segurado e carencia, devem ser preenchidos.

Com isso queremos dizer que náo se trata de benefício assistencial, diferentemente do benefício de prestacáo continuada da LOAS, que prescinde de contribuicáo. Por certo que, no caso específico dos deficientes, caso náo haja contribuicáo ou náo seja atendido algum dos outros requisitos exigidos, o único benefício cabível será o da LOAS.20

De qualquer modo, se trata de benefício que é fruto do trabalho remunerado ou da contribuicáo pecuniária dos segurados enquanto contri-buintes individuais ou facultativos. Por isso, guarda estreita conexáo com a contribuicáo destes, condicáo elementar para a concessáo de uma destas modalidades de aposentadorias (contribuicáo ou idade).

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A teleología e principiologia dos dispositivos constitucionais visto alhures, que acenam pela quebra dos critérios diferenciados quando da existéncia do trabalho em condicóes nocivas á saúde ou da dificuldade enfrentada pelos segurados em decorrencia das deficiencias as quais apresentam.21

A Convengao de New York (2007) e a Classificagao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (OMS-2001) e suas implicagoes no direito brasileiro

O conceito de incapacidade e de deficiencia sofreu uma significativa alteracáo no último decénio, notadamente a partir de 2001 quando a Organizacáo Mundial da Saúde (OMS) emitiu a CLASSIFICACÁO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE (CIF), bem como da Convencáo de New York, da ONU (2007), da qual o Brasil é signatário.22

Pela importancia que julgamos ter estes dois documentos23, vejamos os respectivos separadamente.

O fundamento da CIF-2001, que deve ser vista conjuntamente com a CID-10, vez que esta fornece um modelo etiológico das condicóes de saúde, repousa na fixacáo dos critérios de avaliacáo fundados em dois domínios: funcóes e estruturas do corpo e atividades e participacáo (CIF-CJ, 2011, p. 35)24.

Quicá, o maior mérito da CIF-2001 é ter agregado outros elementos, relacionados ao estado de saúde, dando outro enfoque ao que se denomina

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de incapacidade e deficiencia. Como registra a CIF-2011, "duas pessoas com a mesma doenca podem ter níveis diferentes de funcionamento, e duas pessoas com o mesmo nível de funcionamento náo tem necessariamente a mesma condicáo de saúde" (CIF-2011, p. 35).

Vejamos os domínios da saúde e os relacionados á saúde, a partir da perspectiva do corpo, do indivíduo e da sociedade: (1) Funcóes e estruturas do Corpo e (2) Atividades e participacáo. Como uma classificacáo, a CIF agrupa sistematicamente diferentes domínios de uma pessoa em uma determinada condicáo de saúde (e. g, o que uma pessoa com uma doenca ou transtorno faz ou pode fazer). Funcionalidade é um termo que abrange todas as funcóes do corpo, atividades e participacáo; de maneira similar, incapacidade é um termo que abrange deficiencias, limitacáo de atividades ou restricáo na participacáo. A CIF também relaciona os fatores ambientais que interagem com todos estes construtos. (CIF-2011, p. 35).

Por esta razáo é que este documento aconselha o uso conjunto da CID-10 com o modelo construído a partir das condicóes ambientais e de participa-cáo dos indivíduos25. O eixo se desloca da doenca para analisar a saúde. O que vale dizer: para sabermos se um indivíduo é incapaz é necessário que tenhamos uma visáo etiológica associada ao estado de saúde: "A CIF transformou-se, de uma classificacáo de 'consequencia da doenca' (versáo de 1980) em uma classificacáo dos 'componentes da saúde'" (CIF-2011).

No que refere á sua aplicacáo na Previdencia Social, na Saúde e na formulacáo de políticas públicas resta afirmado que:

A CIF é útil para uma ampla gama de aplicacóes diferentes, por exemplo, previdencia social, avaliacáo do gerenciamento

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da assisténcia á saúde e estudos de populacáo em niveis local, nacional e internacional. Oferece uma estrutura conceitual para as informacóes aplicáveis á assisténcia médica individual, incluindo prevencáo, promocáo da saúde e melhoria da participacáo, remo-vendo ou mitigando os obstáculos sociais e estimulando a provisáo de suportes e facilitadores sociais. Ela também é útil para o estudo dos sistemas de assisténcia médica, tanto em termos de avaliacáo como de formulacáo de politicas públicas. (CIF-2011, p. 38)

A CIF propóe a análise da incapacidade e da funcionalidade através de uma interacáo dinamica de diversos fatores, como já acenamos. Nos Fatores Contextuais encontramos os fatores ambientais e pessoais, sendo que estes últimos interagem com todos os componentes da funcionalidade e da inca-pacidade. Vale relembrar, pela importancia que assumem nesta concepcáo, os conceitos de incapacidade e de funcionalidade: no termo incapacidade estáo presentes as deficiencias, limitacóes de atividades ou restricóes na participacáo, enquanto no termo funcionalidade estáo presentes todas as funcóes do corpo, atividades e participacáo.

Podemos extrair da CIF-2001 os seguintes componentes e...

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