Dos órgãos de poder organizados para a execução da praticabilidade

AutorEduardo Morais da Rocha
Páginas341-446
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5. DOS ÓRGÃOS DE PODER ORGANIZADOS
PARA A EXECUÇÃO DA PRATICABILIDADE
O último elemento para que se tenha uma instituição seja
coisa, seja corporativa, é a existência de órgãos de poder orga-
nizados para a execução da ideia que dela subjaz. A diferença,
contudo, é que, segundo Hauriou, enquanto na corporativa
“[...] ocorre um fenômeno de incorporação, ou seja, de interio-
rização do elemento poder organizado e do elemento mani-
festações de comunhão dos membros do grupo, no âmbito da
idéia da obra a realizar, e que essa incorporação leva à perso-
nificação [...]” (HAURIOU, 2009, p. 21), na instituição-coisa, o
processo é totalmente diverso, pois “[...] os elementos do po-
der organizado e das manifestações de comunhão dos mem-
bros do grupo não são interiorizados no âmbito da idéia da
obra; eles existem, contudo, no meio social, mas permanecem
exteriores à ideia [...]” (HAURIOU, 2009, p. 20), sendo a regra
de direito, na concepção do publicista francês, o exemplo de
instituição-coisa, por excelência.
Por tal motivo, há órgãos de poder organizados próprios
para implementar a ideia em estado objetivo que subjaz da
regra de direito, cada um exercendo um âmbito de compe-
tência definido previamente, de modo que a atuação de um
órgão não se superponha à dos demais, agindo todos concer-
tadamente. Destarte, enquanto o Legislativo exerce o cha-
mado poder de deliberação acerca dessas regras, os órgãos
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EDUARDO MORAIS DA ROCHA
executivos têm a competência de executá-las, aplicando-as,
em regra, concretamente.
Nesse sentido, inclusive, vale a transcrição da seguinte
passagem de Maurice Hauriou, na qual o publicista francês
explica com clareza essa questão (HAURIOU, 2009, p. 26-27):
Toda a separação de poderes é uma separação de competências,
coisas espirituais; na separação do Estado moderno, o poder
executivo tem a competência intuitiva da decisão executória, o
poder deliberante a competência discursiva da deliberação e o
poder de sufrágio a do assentimento. Sem dúvida essas compe-
tências são confiadas a órgãos humanos, mas a melhor prova de
que os órgãos são subordinados às competências é a pluralida-
de dos órgãos que devem se concertar entre eles para exercer o
mesmo poder; para o exercício do poder executivo, o Presidente
da República e os ministros, para o exercício do poder delibe-
rante, as duas Câmaras, para o do sufrágio, os eleitores de uma
circunscrição.
Dessa forma, o último requisito para que a regra de direi-
to perfaça uma instituição-coisa é que haja órgãos de poder
que apliquem, adequadamente, a ideia objetiva que dela de-
corre, cada qual dentro de um âmbito de competência pró-
prio e delimitado, expressamente, na Constituição Federal, de
forma que tais competências específicas e privativas, quanto
às fontes de criação da regra de direito, não se superponham.
Com isso, cria-se um ambiente de segurança jurídica
quanto a essas fontes produtoras das regras jurídicas postas
e institucionalizadas, podendo, inclusive, apesar da rígida se-
paração de competências entre esses órgãos, haver formas
de colaboração entre Executivo e Legislativo em tal processo
legislativo, como faz notar, inclusive, Heleno Taveira Torres
(2011, p. 381-382):
Da separação rígida de poderes aflora um regime de colaboração
e participação do executivo na atividade legislativa, o que se ve-
rifica pela atribuição de poderes de iniciativa e de promulgação
das leis ao Executivo ou mesmo pelo direito de legislar, à atuação
do Poder Legislativo, por antecipação (medidas provisórias) ou
por delegação (leis delegadas).
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TEORIA INSTITUCIONAL DA PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA
Sendo a regra de direito uma perfeita instituição-coisa,
segundo Hauriou (2009, p. 20), “[…] na qualidade de idéia, ela
se propaga e vive no meio social, mas, visivelmente ela não
engendra uma corporação que lhe seja própria; ela vive no
corpo social, por exemplo, no Estado, tomando emprestado
deste último seu poder de sanção [...].” E isso é feito porque,
como uma ideia em estado objetivo, ela necessita da força de
coerção dessas instituições corporativas subjetivadas e perso-
nificadas, órgãos de poder democraticamente eleitos através
do poder de sufrágio, no qual também se revela o assentimen-
to da comunidade a essa ideia objetivada, o que, em outras
palavras, traduz umas das virtudes da integridade, qual seja
o ideal da equidade que, segundo Ronald Dworkin (1999, p.
200), “[...] é uma questão de encontrar procedimentos políti-
cos – métodos para eleger dirigentes e tornar suas decisões
sensíveis ao eleitorado – que distribuem o poder político da
maneira adequada.”
Apesar de Maurice Hauriou fazer alusão somente ao
Executivo e ao Legislativo como órgãos de poder organizados
aptos a aplicar a instituição-coisa regra de direito, não se pode
descurar que o Judiciário esteja legitimado, também, para
tanto. Isso porque, na França, país de origem do declinado
publicista, o Judiciário não era, à época dos seus escritos, nos
primórdios do século passado, considerado, em sua plenitude,
um órgão de poder autônomo na medida em que não podia
rever, por exemplo, as atividades dos corpos administrativos,
que eram objeto de um contencioso administrativo próprio.123
Desse modo, a referência que ele faz ao Executivo abrange
123. Nesse sentido, vale a citação da seguinte passagem da obra do administrativis-
ta Hely Lopes Meirelles (1990, p. 44): “A Constituição de 3.8.1791 consignou: ‘Os tri-
bunais não podem invadir as funções administrativas ou mandar citar, para, peran-
te eles comparecerem, os administradores, por atos funcionais.’ Firmou-se, assim,
na França, o sistema do administrador-juiz, vedando-se à Justiça comum conhecer
de atos da Administração, os quais se sujeitam unicamente à jurisdição especial do
contencioso administrativo, que gravita em torno da autoridade suprema do Conse-
lho de Estado, peça fundamental do sistema francês. Essa orientação foi conserva-
da na reforma administrativa de 1953, sendo mantida pela vigente Constituição de
4.10.1988.”
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