Dos reflexos do art. 28 da Lei n. 8.212/1991

AutorTheodoro Vicente Agostinho/Marcelino Alves De Alcântara/Marco Dulgheroff Novais
Páginas102-222

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Tal qual informado no Capítulo 5 da presente obra, as contribuições previdenciárias para o Regime Geral de Previdência Social incidem sobre a base denominada salário de contribuição.

Por sua vez, a Lei n. 8.212/1991 que dispõe sobre a organização da Seguridade Social e o Plano de Custeio preconiza em seu art. 28 o entendimento sobre o salário de contribuição que, em síntese, é o valor que serve de base de cálculo para a incidência das alíquotas das contribuições previdenciárias dos segurados e da empresa.

Precisamente no art. 28, § 9º, do mesmo diploma legal, restam discriminados as verbas que não inte-gram o salário de contribuição para fins legais.

Inobstante, pormenorizaremos adiante cada parcela integrante ou não ao salário do empregado, bem como os posicionamentos atuais do Judiciário e órgãos administrativos a respeito das matérias em comento.

9.1. Os benefícios da Previdência Social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade

A regra básica, plasmada tanto na legislação (art. 28, § 9º, “a”, da Lei n. 8212/1991), quanto na norma infralegal (art. 214, §§ 2º e 9º, I, do Decreto n. 3.048/1999227), é clara no sentido de que os “benefícios da previdência social” não são considerados base de incidência das contribuições sociais, salvo, especificamente, o salário-maternidade.

E a justificativa para tal posicionamento é consequência natural da aplicação do conceito de remuneração para fins previdenciários que traz, em seu bojo, tal qual já exteriorizado, o valor intrínseco do trabalho.

Assim, aquele que se encontra coberto pelo manto protetivo previdenciário, recebendo, por sua vez, um benefício, não está exercendo atividade remunerada, motivo pelo qual resta indeclinável que a natureza do valor recebido a título de benefício não pode ser considerado remuneração (passível de incidência).

Todavia, a única exceção prevista legalmente, qual seja, o recebimento pela segurada do salário-mater-nidade, dá ensejo a diversos debates doutrinários e jurisprudenciais228.

Com relação ao salário-maternidade, a Constituição de 1988, em seu art. 7º, XVIII229, prevê o direito da segurada empregada gestante, ao seu recebimento, sem prejuízo do seu emprego e do seu salário, com duração de cento e vinte dias.

Da mesma forma, estabeleceu-se no art. 10, II, alínea “b”, dos ADCT, a estabilidade no emprego à trabalhadora segurada e gestante, vedando a dispensa do trabalho de maneira injustificada, desde a confirmação da gravidez até cinco meses depois do parto.

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Com isso, durante o período de afastamento da segurada pela ocorrência da maternidade, o contrato de trabalho restaria suspenso, não havendo recebimento de salário, mas de benefício previdenciário, que, nestes termos, não deveria integrar a folha de salários das empresas para fins de incidência.

Inicialmente, no Brasil, o ônus do pagamento do salário-maternidade era do empregador, circunstância que revelava (ao entender de parte da doutrina) seu caráter salarial, constituindo obrigação trabalhista — vide art. 392 da CLT.

Ocorre que, seguindo tendência mundial, por sugestão da OIT, com a edição da Lei n. 6.136/1974, caracterizou-se o salário-maternidade como benefício previdenciário230.

Diante desse fato (o benefício ser custeado pelos cofres da Autarquia Previdenciária), eximiria o empregador da obrigação tributária relativamente à contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, incluindo, na respectiva base de cálculo, o salário-maternidade auferido por suas empregadas gestantes, até mesmo como consectário do binômio benefício-fonte de custeio encontrado na Constituição Federal231.

Ademais, o próprio art. 392 da CLT232 não altera esta conclusão e não confere natureza salarial ou remuneratória ao salário-maternidade; pelo contrário, confirma que não se trata de verba habitual (é pago durante apenas 120 dias) ou com natureza salarial/remuneratória (não é pago para remunerar o trabalho, mas sim porque a funcionária se torna mãe).

Outro elemento essencial a ser fixado é o de que, na hipótese de concessão do benefício “salário-mater-nidade”, não existe a prestação efetiva do serviço pela empregada segurada, na medida em que, como dito linhas acima, o benefício existe justamente para amparar financeiramente a empregada que ficará afastada de suas atividades laborais em função da chegada de um filho.

Sendo assim, não é possível encaixar o salário-maternidade, tal como definido, no conceito legal e doutrinário de salário, na medida em que o benefício é creditado à empregada, não pela contraprestação de um serviço prestado por esta, mas única e tão somente visando garantir à obreira condições de sustento durante o período de assistência ao filho recém-chegado.

Pela ausência de qualquer contraprestação por parte da empregada segurada, não há que se aproximar o salário-maternidade do conceito de salário tal como posto em nosso ordenamento; pelo contrário, é mais fácil caracterizá-lo sob um recebimento de natureza indenizatória. Com efeito, quando falamos de verba de natureza indenizatória, estamos a falar que o pagamento do benefício objetiva uma reparação ou compensação financeira à segurada, dada a fragilidade de recursos desta enquanto afastada do emprego.

Neste ínterim, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1322945/ DF, acolheu a argumentação no sentido de que o salário-maternidade não deveria ser base de incidência das contribuições sociais, com fulcro em 03 (três) bases argumentativas.

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO-MATERNIDADE E FÉRIAS USUFRUÍDAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA JURÍDICA DA VERBA QUE NÃO PODE SER ALTERADA POR PRECEITO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE CARÁTER RETRIBUTIVO. AUSÊNCIA DE INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO DO TRABALHADOR. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARECER DO MPF PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O

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SALÁRIO-MATERNIDADE E AS FÉRIAS USUFRUÍDAS. 1. Conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador. 2. O salário-maternidade é um pagamento realizado no período em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para a fruição de licença maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e ônus da Previdência Social (arts. 71 e 72 da Lei n. 8.213/91), não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o art. 22 da Lei n. 8.212/91. 3. Afirmar a legitimidade da cobrança da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um Trabalhador masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma Trabalhadora mulher. 4. A questão deve ser vista dentro da singularidade do trabalho feminino e da proteção da maternidade e do recém-nascido; assim, no caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais a necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição Previdenciária, não havendo razoabilidade para a exceção estabelecida no art. 28, § 9º, a da Lei n. 8.212/91.5. O Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg no AI 727.958/MG, de relatoria do eminente Ministro EROS GRAU, DJe 27.02.2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. O terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias e também não se questiona que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada. 6. O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias usufruídas, independentemente...

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