Dos sujeitos ativos do ato de improbidade administrativa

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas157-179

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9 Considerações iniciais: autoria, coautoria e participação

Considera-se sujeito ativo do ato de improbidade administrativa aquele que direta ou indiretamente realiza o núcleo do tipo legal incriminador. Vale dizer, é a pessoa que contraria o comando legal, mediante um comportamento omissivo ou comissivo. São sujeitos ativos o autor, o coautor, o partícipe e o autor mediato.

O agente público é o protagonista do ato de improbidade administrativa. É principalmente contra ele que se dirigem as normas da LIA, pois sem ele não existiria ato de improbidade classificado como administrativo.

Autor é aquele que executa diretamente o núcleo do tipo (ou a conduta típica). É quem tem condições materiais para isso. Autor mediato é aquele que se vale de outra pessoa para praticar o núcleo do tipo. Neste caso a pessoa que realiza a conduta típica age sem culpabilidade (autor imediato).

Ocorre coautoria quando duas ou mais pessoas realizam uma única conduta típica. Quando cada agente pratica atos distintos, mas desde que voltados para uma única conduta típica, essa coautoria é classificada como parcial. Já quando ambos os coautores praticam os mesmos atos de execução, essa coautoria é classificada como direta. Vale dizer, quando duas ou mais pessoas realizam cada uma delas um ato de execução distinto que, conjugados, produzem a consumação do ato de improbidade, estamos diante de uma coautoria parcial. Agora, quando os atos dessas duas ou mais pessoas ensejam imediatamente ato de improbidade, estamos diante de uma coautoria direta.

Três são os requisitos para configuração da coautoria: 1) pluralidade de condutas; 2) relevância causal e jurídica de cada uma das condutas; 3) vínculo subjetivo entre os coautores.

Já na participação o agente não realiza o núcleo do tipo, mas apenas concorre para que ele seja atingido. Como veremos a seguir, a participação pode ser moral (induzir ou instigar) e material (infra, nº 11.2).

Entretanto, não devemos confundir participação material com coautoria. Na participação o agente não realiza o núcleo do tipo, apenas oferece uma ajuda acessória. Isso precisa ficar bem esclarecido, especialmente no estudo em tela.

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Também devemos ressaltar que o particular não pode ser autor isolado do ato de improbidade administrativa. Em outras palavras, o particular, sozinho, não pode realizar o núcleo do tipo (supra, nº 5.3.1.7.8.1.1).

Passaremos agora a estudar os sujeitos ativos do ato de improbidade administrativa. Voltaremos a tratar da coautoria e da participação quando analisarmos as condutas do particular (infra, nº 11).

10 Agentes públicos

Agentes públicos são todas as pessoas físicas que exercem, a que título for, uma função pública. Na expressão “a que título for” estão compreendidos os vínculos permanentes e transitórios, bem como os remunerados ou não.

Ensina Hely Lopes Meirelles que “agente é a pessoa humana, real, que infunde vida, vontade e ação a essas abstrações legais”173. São, portanto, pessoas físicas encarregadas de materializar, em razão da abstração do Estado, a sua vontade.

10. 1 Agentes administrativos

Os agentes administrativos são hierarquizados e recebem apenas uma parcela de autoridade pública, na medida necessária para o desempenho da função a eles cominada. Essa autoridade é restrita, ainda, ao âmbito administrativo do órgão em que se encontram lotados.

Tais agentes podem ocupar funções de planejamento e chefia ou serem, simplesmente, agentes executores; porém, mesmo quando investidos em funções de chefia, planejamento ou assessoramento, não exercem qualquer parcela de poder político. As decisões decorrentes dessas funções são técnicas, ou seja, fazem parte da capacidade técnica exigida para sua habilitação.

O vínculo jurídico decorre das normas administrativas respectivas, vale dizer, as normas que orientam sua função são aquelas criadas pela entidade política174a que se vinculam, e editadas pelo próprio órgão administrativo em que estejam lotados.

Isso significa que os agentes administrativos, mesmo quando investidos em cargos de chefia, planejamento ou de assessoramento, exercem apenas atribuições administrativas, nunca de natureza política (supra, nº 6.3.1).

As suas decisões e atos estão sempre vinculados a sua habilitação técnica, habilitação esta exigida, aliás, como requisito de investidura no cargo, emprego ou função pública que ocupam. E é por isso que esses agentes respondem por culpa, mesmo em se tratando de atos apenas danosos ao patrimônio público ou ao patrimônio particular (CF, art. 37, § 6º).

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10. 2 Categorias de agentes públicos
10.2. 1 Agentes públicos permanentes
10.2.1. 1 Servidor público

O servidor público175é aquele que, para o desempenho de atividades técnicas, mantém um vínculo funcional com o Estado. Essas pessoas são remuneradas pelo Estado por sua atividade profissional e subordinada.

São servidores públicos os servidores estatutários, empregados públicos (CLT)176e os servidores temporários (CF, art. 37, IX). Incluem-se ainda neste conceito os servidores autárquicos estatutários, os servidores autárquicos contratados no regime da CLT para quaisquer funções, bem como os dirigentes das paraestatais, como as empresas públicas e sociedades de economia mista.

10.2.1. 2 Servidor estatutário

Os funcionários públicos que se vinculam ao Estado mediante um estatuto jurídico próprio são chamados de servidores estatutários. Tal estatuto regula o regime de trabalho do servidor com o Estado. Essa prerrogativa de o Estado editar um estatuto próprio para seus funcionários, distinto do geral, foi dada pela própria Constituição Federal.

A Constituição Federal também conferiu essa prerrogativa não só à União, como também aos Estados-membros, Municípios e Distrito Federal. É a tão falada autonomia administrativa (CF, art. 18).

Essas pessoas possuem um regime de trabalho diferenciado, possuindo alguns direitos a mais e outros a menos do que no setor privado, mas sempre respeitando o mínimo necessário previsto pela Constituição Federal.

É importante salientar que esse estatuto refere-se ao regime de trabalho e não ao regime previdenciário. Muitas vezes essa confusão ocorre na prática. No entanto é bom que fique claro que uma coisa é regime jurídico de trabalho, outra coisa é regime jurídico previdenciário. O regime jurídico de trabalho pode ser estatutário, celetista ou especial, enquanto o regime previdenciário pode ser próprio (de cada entidade política) ou geral (INSS). Muitos municípios nem têm regime previdenciário próprio, utilizando-se do regime geral como subsidiário177.

Importante ressaltar, ainda, que já houve tempo em que o regime jurídico de trabalho era único, ou seja, na Administração Pública não podia haver outro vínculo jurídico que não fosse o estatutário. Hoje, com a alteração do art. 39 da CF, tal proibição

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não existe mais. O Supremo Tribunal Federal178, no entanto, suspendeu a eficácia da modificação introduzida pela EC nº 19/98 no caput do art. 39 da CF, restabelecendo o regime jurídico único.

10.2.1. 3 Empregado público

O empregado público é um agente que se vincula ao Estado para o desempenho de atividades técnicas. Esse vínculo, da mesma forma que no caso do estatutário, é subordinado e profissional.

A diferença entre o servidor público estatutário e servidor público celetista está no regime jurídico aplicável. O empregado exerce funções permanentes e o seu contrato é por prazo indeterminado. O Estado-membro, o Município e o Distrito Federal não têm competência para legislar sobre direito do trabalho, a qual foi reservada à União (CF, art. 22, I), fato que lhes impossibilita restringir qualquer direito previsto nesse diploma normativo.

10.2. 2 Agentes públicos temporários
10.2.2. 1 Servidor temporário

Quanto ao vínculo, os cargos e empregos públicos podem ser permanentes ou temporários. Nos permanentes a relação de trabalho não sofre qualquer limitação quanto à sua duração, enquanto nos temporários existe um termo final certo e conhecido.

As relações temporárias são relações de trabalho contratual, limitadas quanto ao tempo de duração ou por um evento final suscetível de previsibilidade, observado o que dispõe o inc. IX do art. 37 da CF.

A implementação dessa função não exige concurso público, diante da urgência da contratação, fator incompatível com a demora desse procedimento, em razão da formalidade prevista179.

A doutrina administrativista era pacífica em afirmar que os servidores temporários eram contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, razão pela qual eles exerciam apenas função pública, sem estarem vinculados a cargo ou...

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