Doutrinadores, políticos e 'Direito Administrativo' no Brasil

AutorJuliane Sant'Ana Bento, Fabiano Engelmann, Luciana Rodrigues Penna
Páginas286-314
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n37p286
286 286 – 314
Doutrinadores, políticos e
“Direito Administrativo” no Brasil
Juliane Sant’Ana Bento1
Fabiano Engelmann2
Luciana Rodrigues Penna3
Resumo
A produção de doutrinas jurídicas é um dos elementos centrais na construção de um discurso
performativo sobre o Estado. A emergência de um espaço de produção intelectual sobre o “Direito
Administrativo” ocorre estreitamente vinculado às batalhas políticas conjunturais que corres-
pondem a diferentes demandas de legitimidade jurídica de regimes políticos. Este texto tem por
objetivo fornecer elementos que permitam mapear os lugares institucionais dos produtores de
doutrina colaborando para se perceber como os discursos funcionam como luta política eufemi-
zada. O objetivo é demonstrar como questões sociais e prof‌issionais interferem no acúmulo de
capital jurídico e def‌inem a legitimidade dos atores.
Palavras-chave: Produção doutrinária. Competição prof‌issional. Legitimação.
Introdução
O “publicismo” enquanto debate jurídico e político em torno da deni-
ção sobre as “regras” da administração pública ocorre nos marcos do discurso
performativo dos juristas sobre as concepções de Estado. Uma compreensão
mais abrangente dos termos dessas oposições passa por reconstruir os ele-
mentos que balizam as disputas internas no campo jurídico sobre os sentidos
de noções como a de probidade. Nesse sentido, abordamos a construção das
doutrinas jurídicas do “Direito Administrativo” considerando o espaço social
1 Doutora em Ciência Política e Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Justiça e Poder Político – NEJUP da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
2 Doutor em Ciência Política, Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, Pesqui-
sador do Núcleo de Estudos em Justiça e Poder Político – NEJUP UFRGS.
3 Doutora em Ciência Política e Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Justiça e Poder Político – NEJUP UFRGS.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 37 - Set./Dez. de 2017
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e prossional em que se inserem os doutrinadores, autores de manuais de
direito. Recorremos às publicações dos juristas e às narrativas dos próprios
“administrativistas” sobre a história da construção da disciplina de “Direito
Administrativo” no Brasil. Enfatizamos quais são os termos de troca entre a
produção doutrinária, as práticas prossionais e o interesse social, levando em
conta que a produção doutrinária dos juristas está inserida na luta política,
além de denir sua legitimidade dentro do campo jurídico.
Dito de outro modo, a mobilização do “publicismo” é tratada aqui não
do ponto de vista da lógica interna da produção teórica do “Direito Admi-
nistrativo”, mas dos sentidos políticos conferidos ao menos pelos agentes de
cada época, como modo peculiar de intervenção política através da delimi-
tação dos sentidos das instituições. Dessa forma, é relevante frisar que o tipo
de suporte metodológico possibilita a reconstrução das lutas conjunturais,
por sua abertura a outros tempos históricos. O investimento de determina-
dos agentes da elite na mise em forme das instituições e das práticas em cada
regime político ajuda a entender o estado das batalhas e dos campos sociais
em concorrência. Partimos aqui do pressuposto de que, ao se legitimarem
certos sentidos das instituições, são desqualicados outros. Ademais, a con-
corrência dos juristas pelo monopólio da autoridade de classicar algo como
sendo ou não “legal” ou “lícito” traduz para o espaço jurídico o que, em
realidade, são as lutas pela dominação social e pela apropriação dos espaços
de poder (PENNA, 2014, p. 40).
Partimos de fontes primárias e secundárias que ajudam a reconstituir a
história social dessas batalhas doutrinárias e a construção dos lugares institu-
cionais a elas vinculados, visando a atentar para a complexicação das lutas
pela signicação do Estado, que protagonizam os denominados “administrati-
vistas” – os produtores dos sentidos do “Direito Administrativo” – ao longo da
história da disciplina no Brasil. Vericamos que a disputa política esteve pre-
sente ao longo dessa trajetória em torno das noções de “melhor Estado” e da
“boa administração pública”. Neste embate de longa duração estarão, de um
lado, muitos representantes do Ministério Público; de outro, os publicistas,
em geral advogados que mobilizam uma retórica moral ancorada em modelos
institucionais importados.

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