Dumping e direito internacional econômico

AutorAlice Rocha da Silva
Páginas390-417

Alice Rocha da Silva. Bacharel em Relações Internacionais, Ciências Políticas e Direito. Pesquisadora do Grupo integrado em Direito Internacional Econômico e Sistemas de Integração. Mestranda em Direito das Relações Internacionais do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. rochaalice@yahoo.com.br

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Introdução

Este início do século XXI tem sido marcado pela tendência da busca da integração regional no aspecto econômico e conseqüente esforço para uma uniformização de normas internacionais que propiciem harmonia e paz entre os Estados. Exemplo disto seria a Comunidade Européia e o Mercosul. Assistimos à emergência de novos atores no cenário internacional, que colocam as Nações diante do importante desafio de exercer sua soberania de forma restrita devido aos compromissos firmados com as demais. Em relação ao comércio exterior, o aumento de fluxo de trocas e investimentos tem forçado os Estados a fortalecerem as regras de Direito Internacional, principalmente Econômico, almejando relações que primem pela justiça e lealdade.Este comércio internacional engloba a troca de mercadorias e serviços entre diferentes países, diferenciando-se do nacional, principalmente pelos encargos e barreiras aduaneiras.

O período pós Segunda Guerra Mundial foi o mais marcante no referente ao desenvolvimento do comércio internacional. Conseqüentemente, trouxe o advento de uma forte concorrência internacional acompanhada do aumento de práticas consideradas desleais por parte dos produtores. Uma destas práticas é o dumping, que vem a ser o lançamento de mercadorias em um mercado externo a preços abaixo do valor normal, executado em seu mercado, com o objetivo de prejudicar a concorrência tanto do país importador como dos demais produtores da mesma mercadoria ou similar a esta.1

O dumping se insere no contexto do direito da concorrência, visto que a legislação antidumping encontra respaldo neste ramo do direito, uma vez que busca impedir práticas que interferem no desenvolvimento de uma concorrência considerada “justa”. Vale ressaltar que devido às mudanças que o mercado tem sofrido, como o fenômeno dos blocos de integração regional e a globalização, o conceito de concorrência perfeita, dado pelos clássicos, cedeu lugar à idéia de concorrência efetiva ou workable competition. Ou seja, não se trabalha mais com dogmas imutáveis, o que rege o estatuto do direito da concorrência seriam “regras do jogo”, que têm por finalidade garantir a livre concorrência, admitindo, atéPage 392 mesmo, intervenções no mercado que visem garantir a manutenção destas “regras”.2 Paralelamente, vemos que as normas e instituições concorrenciais estariam regidas pela legislação interna de cada país, aplicada tanto a agentes públicos como privados, sendo um fato complicador no campo dos negócios jurídicos internacionais.

O regime de concorrência estaria diretamente subordinado ao Direito Econômico, o qual incide sobre as medidas de política econômica, adaptando-as aos objetivos defendidos pela Ordem Econômica e aos princípios ideológicos de uma democracia econômica e social.3 Podemos perceber que o regime jurídico da concorrência estaria ligado ao princípio da livre concorrência, tendo em vista que este é um princípio de suma importância para a harmonia da Ordem Econômica Mundial. Depreende-se então, que tal regime de concorrência seria totalmente contrário a práticas desleais de comércio, como o dumping, visto que propiciam distorções no mercado mundial, e conseqüente deturpação do princípio da livre concorrência.

Diante do exposto, nos propomos a tratar o dumping começando por sua conceituação e evolução até a análise do Acordo Antidumping, utilizando-se de casos concretos que venham demonstrar a relevância do fenômeno no campo do Direito Internacional Econômico.

1. Conceito de dumping

Considerando-se dumping como forma de concorrência desleal podemos caracterizá-lo sob dois aspectos: sob o âmbito interno, seria definido como a venda injustificada de mercadoria abaixo do preço de custo4 e sob o âmbito internacional, seria entendido como a venda de produtos ao exterior a preços abaixo do valor normal praticado no mercado interno.5 Todavia, a acepção mais corrente e, portanto considerada neste momento será a de dumping no contexto internacional. Vale ressaltar que alguns equívocos devem ser evitados, como a confusão entre dumping e “underselling” e entre dumping ePage 393 preço predatório. O underselling seria a venda de um produto a um preço abaixo do custo de produção do mesmo, característica não necessária para a configuração da prática do dumping, visto que neste o produto é vendido abaixo do preço praticado no mercado interno do exportador. Já em relação à preço predatório, este consiste na venda abaixo do preço normal com intenção clara de eliminação da concorrência, enquanto que o dumping só possuiria esta característica se fosse considerado condenável.

Dumping é um termo que muitas vezes é utilizado de forma errônea por envolver conotações variadas. Na busca por uma definição do mesmo, autores fazem uso de diversas metodologias. Existe uma conceituação que é bastante interessante por se valer de argumentos que justificam a aplicação de medidas impeditivas da prática do dumping. Segundo esta linha, o conceito de dumping estaria dividido em três acepções: jurídico, econômico e político.6

A jurídica seria aquela definida no próprio Acordo Antidumping, o qual prevê a prática de dumping quando da “oferta de um produto no comércio de outro país a preço inferior a seu valor normal, no caso de o preço de exportação do produto ser inferior àquele praticado, no curso normal das atividades comerciais, para o mesmo produto quando destinado ao consumo no país exportador”.7 Esta acepção é bastante criticada pela falta de clareza de alguns dos seus elementos, além de não levar em consideração a complexidade das realidades que envolvem o fenômeno.

A abordagem econômica distancia-se um pouco da jurídica, considerando questionáveis os fundamentos de aplicação das medidas, ao passo que na jurídica eles estão objetivados pela norma. Em linhas gerais, o fundamento econômico seria de que as medidas antidumping são necessárias para a proteção da indústria nacional, frente a uma concorrência estrangeira desleal. Nesta concepção o dumping seria nocivo à indústria nacional por ser uma manifestação de preços predatórios.8

Por fim teríamos a acepção política, a qual é bastante interessante por ser uma tentativa de explicar a persistência da legislação antidumping mesmo sendo permeada porPage 394 fortes críticas. Politicamente, explica-se a legislação antidumping como uma medida de política jurídica9, um meio termo entre liberalização econômica e proteção do mercado nacional e como meio de retaliação estatal no plano internacional.

Tais fundamentações são bastante criticadas por serem dependentes de variáveis instáveis e por não conseguirem envolver a realidade sócio-econômica dos Estados de forma uniforme. Sendo assim, a formulação de uma assertiva generalizante seria uma pretensão no mínimo comprometida. Tais variáveis vão depender da capacidade de organização da sociedade e de seus decorrentes grupos de pressão, da importância do comércio internacional para o país e das parcelas do comércio internacional pertencentes a cada país.

Há ainda outras definições na doutrina. Todavia, condições comuns a todas elas para a caracterização do dumping como prática desleal de comércio seria a introdução de um bem no mercado doméstico a preço de exportação inferior ao valor normal, o dano à indústria doméstica e o nexo causal entre a prática de dumping e o dano sofrido.10 Sendo assim, podemos definir a natureza do dumping como um ilícito jurídico-econômico, por ser um fato regulado por leis e tratados que prevêem sanções, além de ser um ato que busca a aquisição de vantagens econômicas de forma injusta.11

2. Antidumping, Antitrust e Subsídios: Diferentes Instrumentos

Importante neste ponto é marcarmos a diferença entre dumping e trust em um primeiro momento e de dumping e subsídios em seguida. Estes são institutos bastante confundidos por operadores jurídicos de Direito Internacional Econômico, mas que tecnicamente apresentam diversas distinções e que serão brevemente abordadas. Analisando a diferença entre a legislação antidumping ou defesa comercial e a legislação antitrust ou proteção da concorrência efetiva, percebemos que ambas tratam da proteção daPage 395...

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