Dupla perspectiva do consentimento do paciente na telemedicina em tempos de covid-19

AutorRafaella Nogaroli e Willian Pimentel
Ocupação do AutorAssessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná/Pós-Graduando em Direito Digital pelo Instituto de Sociedade e Tecnologia/Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Páginas285-306
DUPLA PERSPECTIVA DO CONSENTIMENTO
DO PACIENTE NA TELEMEDICINA
EM TEMPOS DE COVID-19
Rafaella Nogaroli
Assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-graduanda
em Direito Médico pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Especialista em
Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar e em Direito
Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP). Bacharel em Direito pelo
UNICURITIBA. Coordenadora do grupo de pesquisas em “Direito da Saúde e Empresas
Médicas” (UNICURITIBA), ao lado do prof. Miguel Kfouri Neto. Membro do Instituto
Brasileiro de Estudos em Responsabilidade Civil (IBERC). Autora de artigos na área de
direito médico e da saúde, com foco em medicina robótica, inteligência articial e
telemedicina. E-mail: nogaroli@gmail.com
Willian Pimentel
Pós-Graduando em Direito Digital pelo Instituto de Sociedade e Tecnologia/Uni-
versidade Estadual do Rio de Janeiro. Advogado. Graduado em Educação Física..
Membro Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética (GEPBio) do Centro
Universitário Newton Paiva.
Sumário: 1. Notas introdutórias: a utilização da Telemedicina na pandemia da Covid-19.
2. Consentimento informado do paciente na Telemedicina em tempos de pandemia. 2.1 O
consentimento para os riscos associados aos tratamentos médicos à distância. 2.2 Os dados
sensíveis do paciente como “combustível” da Telemedicina. 3. Regulamentação da Teleme-
dicina e responsabilidade civil na pandemia da Covid-19. 3.1 O consentimento informado
previsto em leis e resoluções excepcionais sobre Telemedicina durante a pandemia. 3.2
Responsabilidade civil pela violação do dever de informação na Telemedicina. 4. Considera-
ções nais sobre o duplo consentimento na telemedicina em tempos de Covid-19: riscos da
tecnologia e tratamento de dados. 5. Referências.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: A UTILIZAÇÃO DA TELEMEDICINA NA PANDEMIA
DA COVID-19
A Telemedicina consiste na prestação de serviços de saúde por meio de tecnologias
da informação e da comunicação, em que o prof‌issional da saúde e o paciente não estão
presentes f‌isicamente no mesmo local. Conforme expõe o professor português Alexan-
dre Libório Dias Pereira, a Telemedicina “envolve a transmissão de dados e informação
de saúde através de textos, sons, imagens ou outros que sejam necessários para a pre-
venção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pacientes”,1 e está presente em
1. PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Telemedicina e Farmácia Online: Aspetos Jurídicos da Ehealth. Disponível em:
. Acesso em 18 abr. 2020.
RAFAELLA NOGAROLI E WILLIAN PIMENTEL
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diversas especialidades da medicina, “desde a telerradiologia à telecirurgia, passando
pela teleconsulta”.2
Segundo a “Declaração de Tel Aviv, há cinco modalidades de Telemedicina: a)
teleassistência; b) televigilância; c) teleconsulta; c) interação entre dois médicos; e d)
teleintervenção. A Teleassistência possibilita a avaliação remota da situação clínica do
paciente e a determinação de providências emergenciais adequadas, sem o deslocamento
até uma unidade de saúde. A Televigilância (ou telemonitoramento) destina-se ao mo-
nitoramento da condição de saúde do paciente de forma remota e ocorre transmissão
constante de dados do paciente (pressão arterial, índice glicêmico etc.), em tempo real,
possibilita o acompanhamento mais ef‌icaz do médico sobre o seu quadro clínico e ne-
cessidade de adaptação medicamentosa. Já a Teleconsulta é uma consulta não presencial,
isto é, o atendimento por intermédio de quaisquer mecanismos de telecomunicação,
sem o contato direto entre médico e paciente. A interação entre dois médicos (teleinter-
consulta), por outro lado, caracteriza-se pelo atendimento ao paciente por um médico
presencialmente, mas sendo este auxiliado remotamente por outro médico detentor de
conhecimento específ‌ico na área. Por f‌im, a Teleintervenção, modalidade que não está
expressamente prevista na Declaração de Tel Aviv, porém é extraída das suas disposições
gerais, consiste na ingerência à distância em exames médicos ou procedimentos cirúr-
gicos, em que o médico, por exemplo, com auxílio de robô ou médico assistente, realiza
a intervenção cirúrgica (Telecirurgia) ou o Telediagnóstico.
Durante a pandemia da Covid-19, com o aumento rápido e exponencial de infec-
tados e o receio de disseminação descontrolada, observa-se a ampliação na utilização na
Telemedicina em diversos países. No Brasil, decretou-se o Estado de Calamidade Pública
que estabelece medidas de enfrentamento de emergência de saúde pública, além de te-
rem sido impostas algumas medidas de distanciamento social e quarentena domiciliar.
Diante desse cenário crítico, tornou-se legítimo o atendimento de saúde à distância no
país, sobretudo com a exitosa experiencia internacional da Telemedicina neste período.
Contudo, deve-se atentar para a existência de uma série de impactos éticos e legais
que devem ser ponderados ao realizar atendimentos médicos à distância, dentre eles:
capacitação do prof‌issional, privacidade e proteção de dados da saúde do paciente,
limitações da tecnologia e, especialmente, o consentimento informado do paciente.3
No contexto da Telemedicina, sobretudo neste período de pandemia, o consenti-
mento informado do paciente adquire certas peculiaridades, tendo em vista os diversos
fatores aleatórios e riscos inerentes à própria tecnologia. Além disso, os pacientes não
estão habituados a serem atendidos de forma remota por seus médicos, o que justif‌ica
ainda mais a necessidade de serem repassadas adequadamente algumas informações,
a f‌im de garantir que o doente terá condições de tomar uma decisão livre e esclarecida
sobre sua vontade de ser submetido ao tratamento médico por Telemedicina. No presente
artigo, pretendemos demonstrar a importância e os contornos do consentimento para o
2. Idem.
3. Leia-se “consentimento livre e esclarecido do paciente”.

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