O Duplo Grau de Jurisdição e a Teoria da Causa Madura
Autor | Ben-Hur Silveira Claus |
Ocupação do Autor | Coordenador |
Páginas | 107-122 |
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A Constituição Federal de 1988, no art. 5a, LXXVIII, eleva ao patamar de direito fundamental a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação no âmbito judicial e administrativo. Tal garantia já era assegurada no Pacto de São José da Costa Rica, no art. 8a, que estabelece, como direito fundamental, o direito de toda pessoa ser ouvida, num prazo razoável, por um juiz competente, independente e imparcial.
Comentando o art. 5a, LXXVIII, Samuel Arruda (2013) afirma:
Parece-nos bem evidente, portanto, que a inclusão do inciso LXXVIII neste art. 5a marca a consolidação de uma etapa: uma fase em que o constituinte, já havendo assegurado o acesso à justiça, preocupa-se em garantir a qualidade do cumprimento dessa missão estatal. Aqui será interessante fazer um paralelo com a evolução que representou a edição da Emenda Constitucional n. 19, que incluiu a eficiência como princípio constitucional da administração pública. Se a primeira reforma incluiu a eficiência como valor per-
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seguido pelo administrador público, o inciso LXXVIII incorporou a eficiência temporal como parâmetro da consecução da justiça.
Rui Barbosa (2015, p. 81), na Oração aos Moços, em conhecida passagem já advertia que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.
Todavia, o processo tem uma dilação natural. Os prazos hão de ser observados, os recursos aforados e julgados; enfim, o processo, como mecanismo jurisdicional, é naturalmente moroso. A sistemática recursal, sem dúvidas, colabora com essa percepção pela população.
Essa demora no trâmite processual tem gerado inúmeras críticas ao Poder Judiciário. O conflito social se não solucionado em tempo, se perpetua ou se adapta a uma nova realidade, de modo que a prestação jurisdicional se torna desnecessária sob o ponto de vista da população.
Como forma de alterar esse quadro, diversas medidas estão sendo tomadas para aperfeiçoamento e agilização dos processos. Inúmeras alterações legislativas, inclusive por meio do Código de Processo Civil, buscam solucionar o problema. Dentre elas destaca-se a Teoria da Causa Madura.
No entanto, a aplicação dessa teoria tem sido vista com reservas pelos Tribunais. Alguns de seus membros sustentam a possibilidade de afronta ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, antevendo uma inconstitucionalidade diante da afronta ao citado princípio.
Outros insistem que haveria supressão de instância, o que seria inaceitável no ordenamento jurídico nacional.
A questão, portanto, é saber se, em determinados casos, pode haver uma redução dessa demora natural da marcha processual por meio de normas que diminuam a possibilidade de uma nova análise da decisão ou mesmo que mitiguem o Duplo Grau de Jurisdição.
A Teoria da Causa Madura foi prevista no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2001, por meio da Lei n. 10.352, que inseriu o § 3a no art. 515 do CPC/733.
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Segundo tal norma, o Tribunal ficava autorizado, desde logo, a julgar a lide quando a primeira instância tivesse extinto o processo sem resolução de mérito, a matéria fosse apenas de direito e estivesse o processo comple-tamente instruído ou pronto para o julgamento.
Esse comando legal tinha como pressuposto a extinção do processo sem resolução de mérito pelo magistrado originário e, ainda, que a matéria a ser examinada fosse exclusivamente de direito, ou seja, que não houvesse aspectos fáticos a serem examinados.
Imperioso, por evidente, que a instrução processual estivesse completa, ou seja, que o processo estivesse maduro para apreciação pela segunda instância.
Nesses casos, o legislador optara pela desnecessidade de o órgão ad quem determinar a baixa dos autos para que a instância a quo completasse o julgamento. Essa postura do legislador, sem dúvidas, privilegia a celeridade e a economia processual.
A lei buscava evitar, com a aplicação do citado dispositivo, o retorno dos autos ao juízo singular. Acaso o Tribunal entendesse por afastar a extinção sem resolução do mérito poderia, de imediato, julgá-lo.
Registra-se que o Código de Processo Civil hoje vigente (CPC) não apenas albergou tal teoria, mas a ampliou, como se nota do disposto nos §§ 3a e 4a do art. 1.013.
Estabelece a atual legislação:
§ 3a Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I — reformar sentença fundada no art. 485;
II — decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III — constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV — decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
§ 4a Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as
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demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.
Primeiro, o legislador estabeleceu, de forma clara, não facultativa, a obrigação de a instância recursal examinar, desde logo, o mérito. O verbo foi alterado para registrar a obrigatoriedade ("o tribunal deve").
Segundo, além das hipóteses de extinção sem resolução de mérito pelo magistrado de primeira instância (art. 485 do CPC), o Tribunal tem a obrigação de examinar o mérito da causa, quando decretar a anulação da sentença em virtude de alguns de seus vícios (sentença extra, ultra ou cifra ipetita) e, ainda, na hipótese de decretar a nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Deverá o Tribunal, ainda, obrigatoriamente, examinar o mérito da causa quando reformar sentença que tenha reconhecido a prescrição ou a decadência.
Não há margem para o Tribunal, nesses casos, devolver o processo ao primeiro grau para apreciação da demanda. Esse é o comando legal atual-mente vigente.
Desse modo, estando o processo em condições de imediato julgamento, isto é, com toda a instrução completa (maduro), violenta a ordem legal a devolução do processo ao juiz da Vara do Trabalho.
Esse dispositivo, conforme reconhecido pela doutrina (DIDIER; CUNHA, 2016, p. 194), confere efetividade aos princípios da primazia da decisão de mérito (art. 4a do CPC) e da duração razoável do processo (art. 5a, LXXVIII, CF/88).
É possível, dessa maneira, a aplicação da teoria da causa madura nas seguintes hipóteses:
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Sentença de conteúdo processual (art. 1.013, § 3a, I, CPC)
Quando o juízo de primeiro grau extinguir o processo sem resolução do mérito (art. 485) e o tribunal reformar a decisão deve, desde logo, apreciar o mérito. É, em verdade, a repetição do antigo § 3a do art. 515 do CPC/73.
Assim, a título de exemplo, afastada pelo Tribunal a inépcia (485, I, CPC) da petição inicial reconhecida pelo juízo originário deve a instância ad quem julgar o mérito do recurso, sem devolver ao primeiro grau. Também, deve ser efetivado o julgamento per saltum nas demais hipóteses de
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sentenças terminativas, como no caso de afastamento pelo órgão recursal: a) da incompetência absoluta; b) da coisa julgada e da litispendência e c) da carência da ação.
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Sentença que violar a regra de congruência (art. 1.013, § 3°, II, CPC)
Na hipótese de o Tribunal reconhecer que a sentença não guarda congruência com os limites do pedido ou da causa de pedir deve, desde logo, anulá-la e julgar o mérito da causa.
Portanto, nos casos de sentença extra ou ultra petita, cuja nulidade tenha sido reconhecida pelo Tribunal, deve desde logo corrigir o equívoco. Desnecessário se mostra o retorno dos autos ao juiz da Vara do Trabalho.
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Sentença que não examinou um pedido (art. 1.013, § 3°, III, CPC)
O legislador criou um dispositivo específico para a sentença citra petita.
Ou seja, se houve omissão pelo juiz de primeiro grau de um pedido deve o Tribunal, desde logo, julgar a matéria.
Segundo a concepção do Código de Processo Civil, não é caso de devolver os autos ao primeiro grau, mas de julgar, desde logo, o mérito da causa.
Nesse sentido, Ben-Hur Silveira Claus (2017, p. 61) informa:
O CPC de 2015 institui novo regime legal para a correção da sentença citra ipetita. O inciso III do § 3a do art. 1.013 do CPC incumbe o tribunal de completar a sentença, acrescentando-lhe novo capítulo, para suprir a omissão em que incorrera o julgado do juízo a quo.
É o caso típico de pedido não julgado pelo magistrado de primeiro grau ou mesmo de vínculo de emprego reconhecido na instância recursal. O Tribunal, quando reconhecer o vínculo de emprego, já deve deferir as parcelas devidas.
Vale lembrar, a tal respeito, o magistério de Carlos Henrique Bezerra Leite (SARAIVA, 2016), que sustenta que o tribunal, ao reformar a sentença, reconhecendo o vínculo de emprego poderá apreciar desde logo os demais pedidos.
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Sentença sem fundamentação (art. 1.013, § 3-, IV)
Acaso o Tribunal anule a sentença por falta de fundamentação (§ Ia do art. 489 do CPC), deve proceder, desde logo, o julgamento do mérito da questão.
Conforme o art. 489, § Ia, do CPC, IV, há nulidade quando não são enfrentados todos os argumentos deduzidos pelas partes. Nesse caso, verificando o tribunal a existência de nulidade por esse motivo, tem o dever de complementar a sentença originária, sem determinar o retorno dos autos à instância a quo.
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Sentença que reconhece a prescrição ou a decadência (§ 4a
DO ART. 1.013 DO CPC)
O dispositivo estabelece que o Tribunal, quando reformar sentença que tenha pronunciado a prescrição ou decadência, deve julgar o mérito da causa, sem devolver ao juízo do primeiro grau.
Desse modo, carece de amparo legal a determinação do órgão aã quem para que o magistrado de primeiro grau examine o pedido principal quando o entendimento foi no sentido de que ele foi fulminado pela prescrição...
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