Duração do Trabalho como Elemento de Segurança e Saúde do Trabalhador: a Inconstitucionalidade do Art. 611-B, Parágrafo Único, da Consolidação das Leis do Trabalho

AutorVitória Márcia Araújo Amâncio
Páginas151-167
Duração do Trabalho como Elemento de
Segurança e SaÚde do Trabalhador:
a Inconstitucionalidade do
Art. 611-B, Parágrafo Único,
VitÓria Márcia AraÚjo Amâncio(1)
(1) Auditora-Fiscal Trabalho aposentada. Pós-graduada em Direito e Processo Constitucionais pela Universidade
de Fortaleza UNIFOR. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Faculdade CHRISTUS.
Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza UNIFOR. Especialista em Engenharia de Segurança do
Trabalho pela Universidade de Fortaleza UNIFOR. Graduada em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal
do Ceará UFC.
Introdução
Com foco no fortalecimento da autonomia
privada coletiva, o Direito do Trabalho brasilei-
ro sofreu uma transformação considerável com
a publicação da Lei n. 13.467, de 13 de julho de
2017, conhecida como reforma trabalhista, que
O cerne deste artigo é a análise da incons-
titucionalidade do novel art. 611-B, parágrafo
único, da CLT, que desnaturou as regras de
duração do trabalho de sua raiz normativa
de segurança e saúde no trabalho. Para tanto,
faz-se um estudo histórico, técnico e normati-
vo do instituto duração do trabalho desde os
primórdios da humanidade até os dias atuais
por meio de pesquisa bibliográ ca, com ns
exploratório e descritivo, mediante a consulta
dos repertórios estrangeiro e nacional (doutrina
e jurisprudência), bem como da internet, todos
relacionados ao ramo juslaboral.
No tópico 1, aborda-se o histórico das re-
lações do trabalho, apresentando os conceitos
de segurança e saúde no trabalho.
No tópico 2, expõe-se a classi cação dos
fatores de risco e efetua-se o enquadramento
técnico da duração do trabalho como fator de
risco ergonômico.
No tópico 3, exibe-se a positivação dos
direitos de segurança e saúde do trabalhador
no plano nacional, sob o prisma da CF/1988
e da CLT.
No tópico 4, examina-se a inconstituciona-
lidade do art. 611-B, parágrafo único, da CLT
por meio da análise da natureza jurídica das
152 Organizadores Carlos Fernando da Silva Filho, Rosa Maria Campos Jorge e Rosângela Silva Rassy
normas de duração do trabalho e do estuário
constitucional vigente no Brasil.
Por m, conclui-se que a tutela às nor-
mas de duração do trabalho decorre de sua
vinculação à proteção à segurança e saúde do
trabalhador, seara representada por direitos hu-
manos fundamentais insculpidos no âmago da
CF/1988. Revela-se, assim, sua indisponibilida-
de absoluta, salvo as exceções exclusivamente
previstas pelo legislador originário.
1. Breve histórico das relações de trabalho
e os conceitos de segurança e saúde no
trabalho
Sabe-se que o trabalho está inserido no
desenvolvimento do homem desde os tempos
mais remotos. A palavra trabalho deriva do
latim tripalium, instrumento constituído por
três estacas de madeira, utilizado para torturar
pessoas destituídas de posses.
Analisando os períodos da Pré-história
e da Antiguidade, desde o surgimento do ho-
mem na Terra até a consolidação da utilização
da mão de obra escrava, é possível encontrar
registros, em textos greco-romanos, da relação
entre ambiente de trabalho, riscos ambientais e
problemas relacionados à insalubridade, peri-
culosidade e penosidade das pro ssões.
Na mesma seara, Mendes(2) relata as obser-
vações do poeta romano Tito Lucrécio Caro e de
Plínio, o Velho, autor de De História Naturalis,
sobre as condições de trabalho precárias, a vida
efêmera dos cavouqueiros das minas e o uso
de máscaras, panos ou membranas (de bexiga
de carneiro) pelos escravos para minimizar a
inalação de contaminantes.
Já na Idade Média, com a implantação do
modo de produção feudal, os senhores feudais
retribuíam com proteção política e militar os
seus servos pelos serviços prestados, contudo,
sem a existência de direitos trabalhistas. No
(2) MENDES, René. Patologia do trabalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1995. p. 5.
(3) RAMAZZINI, Bernardino. As doenças dos trabalhadores. 3. ed. Tradução de Raimundo Estrêla. São Paulo: Fundacentro,
2000. p. 15.
nal da Idade Média, surgiram as corporações
de arte e ofício (guildas) compostas de mestres,
aprendizes e companheiros e, então, o traba-
lhador passou a ser considerado como pessoa,
embora com poucos direitos.
A concepção de trabalho sofreu gradativa
alteração na Idade Moderna, em função das
grandes navegações, da invenção da imprensa,
do Renascimento e da Reforma Protestante de
Martinho Lutero no século XVI. Na Europa, o
trabalho livre foi incentivado e, poucas vezes,
acompanhado com a percepção de salário,
o que tendia a abominar, de nitivamente, a
escravidão. Iniciava-se o modo de produção
capitalista.
Em 1700, Bernardino Ramazzini(3), con-
siderado o Pai da Medicina do Trabalho,
descreveu as doenças que acometiam tra-
balhadores em mais de 50 pro ssões, com
propostas de medidas de prevenção e trata-
mentos no livro De Morbis Arti cum Diatriba
(As Doenças dos Trabalhadores). Ademais,
propôs o acréscimo da pergunta qual a arte
exercida pelo trabalhador durante a anam-
nese ocupacional. Por meio de seus estudos,
restou demonstrado que o trabalho pode
produzir doença, sendo necessário saber a
relação entre a pro ssão e o quadro mórbido
do trabalhador.
Face ao progresso das cidades, à expansão
do comércio e à introdução de máquinas a va-
por, de tear e de tecer, surgiu, no século XVIII,
incipientemente, o fenômeno da Revolução In-
dustrial na Europa, notadamente na Inglaterra,
por volta de 1760.
Ao longo dos anos, o excesso de mão de
obra, desemprego e incentivo à abolição da
escravidão caracterizaram o período de in-
dustrialização. Além disso, a precariedade das
condições de trabalho persistia e os impactos
observados na saúde dos trabalhadores foram
desde acidentes graves, mutilantes e fatais, a
intoxicações agudas por condições de trabalho
adversas. Perante esse cenário, a população

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