Duração do trabalho ? jornada

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1043-1139
CAPÍTULO XXIII
DURAÇÃO DO TRABALHO — JORNADA
I. INTRODUÇÃO
Jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se
coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato. É,
desse modo, a medida principal do tempo diário de disponibilidade do obreiro
em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de
trabalho que os vincula.
A jornada mede a principal obrigação do empregado no contrato — o
tempo de prestação de trabalho ou, pelo menos, de disponibilidade perante
o empregador. Por ela mensura-se, também, em princípio, objetivamente,
a extensão de transferência de força de trabalho em favor do empregador
no contexto de uma relação empregatícia. É a jornada, portanto, ao mesmo
tempo, a medida da principal obrigação obreira (prestação de serviços ou
disponibilidade do trabalhador perante o seu empregador) e a medida da
principal vantagem empresarial (apropriação dos serviços pactuados). Daí
sua grande relevância no cotidiano trabalhista e no conjunto das regras
inerentes ao Direito do Trabalho.
1. Jornada e Salário
O tema da jornada ocupa, em conjunto com o tema referente ao salário,
posição de nítido destaque no desenvolver da história do Direito do Trabalho.
Salário e jornada sempre foram, de fato, os temas centrais e mais polarizan-
tes brandidos ao longo das lutas trabalhistas que conduziram à construção e
desenvolvimento desse ramo especializado do Direito.
A relevância notável e combinada de tais guras justrabalhistas ao lon-
go dos últimos dois séculos não resulta de simples coincidência. É que, na
verdade, jornada e salário têm estreita relação com o montante de transferên-
cia de força de trabalho que se opera no contexto da relação empregatícia.
Como já magistralmente formulado pelo jurista Délio Maranhão, seria salário
o preço atribuído à força de trabalho alienada, ao passo que a jornada des-
pontaria como a medida dessa força que se aliena(1).
(1) MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1987, p. 83.
1044 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
Mais do que isso: não há regra jurídica ampliadora ou redutora da jorna-
da que não tenha in uência automática no montante salarial relativo devido
ao empregado. Nesse quadro, caso se reduza a jornada padrão no con-
texto de certa categoria ou grupo de trabalhadores — sem regra negocial
autorizativa da redução correspondente de salários —, está-se elevando,
automaticamente, o preço relativo da força de trabalho contratada, através
do aumento do respectivo salário hora. É o que ocorreu, a propósito, em face
das alterações constitucionais de 1988, quer ao reduzir a Constituição a du-
ração semanal padrão de trabalho para 44 horas (art. 7º, XIII), quer ao xar
uma jornada especial de seis horas para trabalhadores laborando em turnos
ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV).
2. Jornada e Saúde no Trabalho
Modernamente, o tema da jornada ganhou importância ainda mais no-
tável, ao ser associado à análise e realização de uma consistente política de
saúde no trabalho.
Efetivamente, os avanços dos estudos e pesquisas sobre a saúde e
segurança laborais têm ensinado que a extensão do contato do indivíduo
com certas atividades ou ambientes é elemento decisivo à con guração do
potencial efeito insalubre de tais ambientes ou atividades. Essas re exões têm
levado à noção de que a redução da jornada e da duração semanal do trabalho
em certas atividades ou ambientes constitui medida pro lática importante no
contexto da moderna medicina laboral. Noutras palavras, as normas jurídicas
concernentes à duração do trabalho já não são mais — necessariamente —
normas estritamente econômicas, uma vez que podem alcançar, em certos
casos, a função determinante de normas de saúde e segurança laborais,
assumindo, portanto, o caráter de normas de saúde pública.
A Constituição da República apreendeu, de modo exemplar, essa nova
leitura a respeito da jornada e duração laborativas e do papel que têm no
tocante à construção e implementação de uma consistente política de saú-
de no trabalho. Por essa razão é que a Constituição de 1988, sabiamente,
arrolou como direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII;
grifos acrescidos).
Pela mesma razão é que a ação administrativa estatal, por meio de
normas de saúde pública e de medicina e segurança do trabalho que venham
reduzir o tempo lícito de exposição do trabalhador a certos ambientes ou
atividades (mediante portarias do Ministério do Trabalho, por exemplo) não
é inválida — nem ilegal, nem inconstitucional. Ao contrário, é francamente
autorizada (mais: determinada) pela Constituição, mediante inúmeros
dispositivos que se harmonizam organicamente. Citem-se, por exemplo, o
1045C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
mencionado art. 7º, XXII, que se refere ao direito à redução dos riscos do
trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança; o art. 194,
caput, que menciona a seguridade social como “conjunto integrado de ações
de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar
os direitos relativos à saúde...”; o art. 196, que coloca a saúde como “direito
de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econô-
micas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...”; o
art. 197, que quali ca como de “relevância pública as ações e serviços de
saúde...”; cite-se, nalmente, o art. 200, II, que informa competir ao sistema
único de saúde “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica,
bem como as de saúde do trabalhador”.
É importante enfatizar que o maior ou menor espaçamento da jornada
(e duração semanal e mensal do labor) atua, diretamente, na deterioração ou
melhoria das condições internas de trabalho na empresa, comprometendo
ou aperfeiçoando uma estratégia de redução dos riscos e malefícios ineren-
tes ao ambiente de prestação de serviços. Noutras palavras, a modulação da
duração do trabalho é parte integrante de qualquer política de saúde pública,
uma vez que in uencia, exponencialmente, a e cácia das medidas de medi-
cina e segurança do trabalho adotadas na empresa. Do mesmo modo que a
ampliação da jornada (inclusive com a prestação de horas extras) acentua,
drasticamente, as probabilidades de ocorrência de doenças pro ssionais ou
acidentes do trabalho, sua redução diminui, de maneira signi cativa, tais pro-
babilidades da denominada “infortunística do trabalho”.
Note-se, aqui, um aspecto fundamental: o eventual incremento do chama-
do custo trabalhista, que poderia decorrer da restrição imposta à duração do
trabalho em atividades ou circunstâncias insalubres (objeção que costuma
ser aventada no quadro do presente debate), seria notavelmente compen-
sado, sob a perspectiva do empregador, pela signi cativa diminuição dos
riscos oriundos da infortunística do trabalho. Mesmo sob o estrito ponto de
vista empresarial, essa diminuição, hoje, no Brasil, tornou-se necessidade
até mesmo econômica: é que a Constituição criou obrigação de pagamento,
pelo empregador, havendo dolo ou culpa sua (afora situações de responsa-
bilidade objetiva), de indenização especí ca e direta ao empregado vítima
de doença pro ssional ou acidente do trabalho (art. 7º, XXVIII, CF/88). Em
consequência, o que fora um reclamo essencialmente social tornou-se um impe-
rativo de inquestionável conteúdo econômico- nanceiro.(2)
(2) Inusitadamente, contudo, a Lei da Reforma Trabalhista buscou, ao máximo, dissociar as
regras da duração do trabalho das regras de saúde e segurança do trabalhador e dentro do
ambiente laborativo. E o fez tanto expressamente (parágrafo único do novo art. 611-B da CLT,
acrescentado pela Lei n. 13.467/2017), quanto, indiretamente, mediante regras de ampliação
da duração do trabalho obreiro sem as garantias e travas clássicas postas pela legislação
trabalhista. Nesta hipótese, vide, por exemplo, a permissão para a pactuação de jornada de

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